Edição 103

Como enfrentar o dilema da nomofobia

A invasão da psiquê humana na contemporaneidade

Rosangela Nieto de Alburquerque
Maria Hlena Barbosa Chiappetta

O que é nomofobia?

Certamente, é uma psicopatologia contemporânea, pois o nomofóbico apresenta uma espécie de pavor gerado pela angústia que é originada pela ausência de acesso à comunicação por meio de celulares, o que indica uma extrema dependência.

A pessoa com nomofobia apresenta sinais e sintomas que, tecnicamente, são bastante parecidos com os da dependência química de narcóticos, isto é:

Fissura

a) Usar o celular para sentir-se melhor diante de uma situação deprimente.

Abstinência

a) Ficar preocupado e receoso de perder chamadas ou mensagens quando não tem o celular em mãos.

b) Ficar incomodado por desligar o celular quando obrigado, como no avião ao decolar.

Tolerância

a) Aumentar progressivamente o tempo que usa o celular.

b) Ser incapaz de usar por menos tempo o aparelho.

Situações negativas

a) Chegar atrasado em compromissos por ficar muito tempo no celular.

b) Pagar valores altíssimos na compra do celular e nas contas com a operadora.

c) Ocupar-se exageradamente com o celular quando deveria estar fazendo outras atividades.

d) Reduzir o rendimento no trabalho e/ou na vida acadêmica devido ao padrão patológico de uso do celular.

e) Receber mais multas de trânsito por uso proibido do celular.

Perder o controle

a) Receber reclamações de amigos e/ou familiares por causa do padrão patológico de uso exagerado do celular, o que leva ao enfraquecimento dos relacionamentos.

b) Permanecer conectado ao celular por períodos muito longos.

2O termo nomofobia (uma abreviação, do inglês, para no-mobile-phone phobia, ou, traduzindo livremente, fobia pela ausência do celular) foi criado no Reino Unido para descrever o pavor de estar sem o telefone celular disponível. O termo também é utilizado para descrever a dependência ou compulsão (também conhecida como uso problemático) pelo telefone móvel.

Na vinculação de dependência, parece que o celular é o objeto que representa o lugar para onde é deslocado o medo, mas a pessoa não é dependente do celular, e sim da situação de ter que se comunicar, precisar estar conectado, mas conectado com o que ou com quem? No caso, a nomofobia é o medo de se conectar ou de estar desconectado?

A pessoa tem o desejo de manter o celular sempre disponível, em seguida fica muito preocupada com o nível da carga da bateria, se tem ou não o carregador, se tem o sinal do wi-fi aberto e acessível. Outro aspecto é quando ela começa a sentir que está recebendo mensagens, pensa que curtiram algo dela ou postaram algo e precisa verificar consecutivamente as mensagens. No entanto, ocorre que, muitas vezes, não são mensagens para a pessoa, é uma alucinação tátil conhecida como vibração fantasma.

A síndrome da vibração fantasma é uma fortíssima evidência de como a tecnologia invadiu a psiquê humana. Os dispositivos tecnológicos deixam de ser apenas objetos externos que acessamos quando precisamos e passam, pouco a pouco, a ser quase que literalmente parte de nosso corpo, como uma simbiose.

A nomofobia pode ser considerada uma neurose atual. Pode-se entender como neurose o resultado de nossas experiências. Sejam elas vivências, traumas ou recalques, conforme pontua a psicanálise.

A teoria do trauma […] admitia que as manifestações neuróticas seriam decorrentes de um trauma psíquico sofrido na infância provocado por um acontecimento em face do qual o indivíduo não teria tido condições de realizar a ab-reação. […] O indivíduo empreende uma defesa patológica ou patogênica (GARCIA-ROZA, 2011, p. 152).

A proposta é pensar a nomofobia a partir de uma estrutura fóbica que pode variar de uma pessoa para outra, desde a mais simples, contornável, até a mais difícil possibilidade por ser paralisante devido ao nível de ansiedade elevado (ZIMERMAN, 2004). Na fobia, existe uma angústia vinculada à presença de objetos, locais, cenas específicas, etc. A evitação é a condição para que a angústia desapareça.

“A pessoa tem o desejo de manter o celular sempre disponível, em seguida fica muito preocupada com o nível da carga da bateria, se tem ou não o carregador, se tem o sinal do wi-fi aberto e acessível.”

A neurose fóbica pode ser caracterizada pela sistematização da angústia original (em Freud, seria a angústia de castração), deslocada sobre pessoas, coisas, situações e atos que se constituem como “objetos fobígenos” e, assim, se convertem em uma situação de terror paralisante (ZIMERMAN, 2004, p. 306).

Neste contexto, observa-se que atualmente as pessoas apresentam com mais intensidade que outrora as doenças fóbicas. Uma realidade social vivenciada no modelo de que não se tolera a frustração.

A angústia de castração não é a única representante da fobia. Nas fobias, estão presentes também a angústia de aniquilamento e de desamparo. Fazem-se presentes os mecanismos de deslocamento da angústia e simbolização, constituindo a cadeia de significantes onde uma lembrança desencadeia outra lembrança e assim sucessivamente. Na fobia, a ideia substitutiva vem no lugar de outra. A situação ameaçadora entendida como situação fobígena (exemplo: medo de gato) cumpre a função de cenário de palco, onde o protagonista é o objeto dividido, ou seja, dissociado.

A situação exterior fobígena (por exemplo, um elevador, um avião, um encontro social, um tratamento analítico…) pode estar sendo o cenário no qual estão sendo projetados, deslocados e simbolizados ­— por meio de uma rede de significantes — os aspectos dissociados das pulsões e de objetos internos, representados no ego como perigosos (ZIMERMAN, 2004, p.306-307).

O trauma pode gerar uma fobia. Nós, sujeitos (seres humanos) e aparelho psíquico, somos constituídos pelo trauma, pelo recalque. O retorno do recalcado volta em formas variadas. O que se reapresenta pode ser uma ideia, um afeto, um desejo. Como o sujeito vai se relacionar com as experiências no decorrer da vida vai depender do trauma. O trauma é uma experiência intrapsíquica, é também uma experiência interpessoal, relacional. Algumas pessoas dão continuidade à fobia, perpetuando-a através de gerações, então avós, pais e filhos seguem numa alternância de papéis, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes na dinâmica da neurose familiar.

A fobia social vem disfarçada de uma timidez, com o evitamento de situações sociais. A fobia coloca o indivíduo em estado de alerta, vigilante, guardião de qualquer possibilidade de projetar a agressividade. Segundo Zimerman, a fobia pode estabilizar-se, pode adquirir um caráter progressivo ou pode desaparecer espontaneamente ou com psicoterapia (ZIMERMAN, 2004).

O fóbico tem dois lados, um adulto e outro infantil bastante dependente. Tem uma dependência negativa que vem acompanhada do medo do abandono. Nesse contexto, no acompanhamento psicológico, o terapeuta precisa transformar paulatinamente a dependência negativa numa dependência positiva, fazendo assim com que o analisando possa dialogar com o seu lado infantil, enfraquecido com a sua parte adulta, para que fortaleça o lado mais fraco.

Para refletirmos sobre a relação de dependência do celular, busca-se compreender o que é relação de dependência; no contexto psicanalítico, é uma relação de simbiose com a mãe, a qual é prejudicial. A simbiose traz prejuízos à fase de separação-individuação. Assim, a patologia decorrente desse fator promove o risco imaginário de perder o objeto. A isso damos o nome de angústia de separação. Diante do comprometimento na resolução dessa fase, encontramos o ponto de origem da nomofobia. A Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) ocupa que lugar simbólico?

A patologia da fase de separação-individuação promove uma dupla ansiedade, a de engolfamento (resultante do medo do sujeito de chegar perto demais e absorver ou ser absorvido pelo outro) e a angústia de separação (pelo risco imaginário de perder o objeto), de tal sorte que é característico da fobia essa pessoa criar um delimitado e irrestrito espaço fóbico para a sua movimentação, que não pode ser nem perto demais e tampouco, longe demais das pessoas das quais ele necessita (ZIMERMAN, 2004, p. 306).

Para a psicanálise, a etiologia da fobia está associada à ideia de que é um sintoma que, de forma transitória, se manifesta nas crianças nos momentos de organização das suas fantasias, no momento de entendimento de seu lugar dentro de uma família e sua relação com o mundo.

A hipótese sobre a fobia dá-se pela ideia de uma origem dupla: o medo forte escolhe um objeto (neste caso o celular) ou animal que tenha nexo simbólico e que represente a lei, a interdição ou o limite, origem ligada diretamente à relação com o pai. Na fantasia, o medo do pai é deslocado para um objeto; assim, ao invés de sentir medo do pai, passa a ter de algum objeto; mas há também fobias ligadas à relação com a mãe (engolfamento). Por isso, a fobia é uma solução para as exigências da relação com o pai e com a mãe, ou melhor, com o que essas figuras representam. Nessas relações, dá-se a descoberta de algo profundamente angustiante que gera medo e desamparo, é o protótipo da experiência traumática.

“A fobia coloca o indivíduo em estado de alerta, vigilante, guardião de qualquer possibilidade de projetar a agressividade.”

Considerações finais

A nomofobia, certamente uma doença contemporânea, faz-nos refletir sobre o quanto a psiquê humana está vulnerável a invasões mediante esse novo modelo social. Essa invasão se estabelece através de um disfarce em uma timidez e evitamento de situações sociais; por exemplo, o uso excessivo do aparelho celular.

Essa dependência do objeto, a negação, a frustração, a “bengala” estabelecida nas fobias e nos traumas vão originar a psicopatologia em questão.

Para a psicanálise, o trauma é constitutivo do sujeito, elaboramos independentemente do estado mental, e a fobia tem como protótipo as fobias infantis. O primeiro ou segundo encontro com o traumático se dá na criança ao perceber não ser suficiente para os pais e para o mundo, isto é, falta-lhe algo, e depara-se com o evento de que não é a razão de ser dos pais, o que produz uma ferida narcísica e, por isso, fica-se enganchado nos traumas. Assim, traumas originais geram fobias, as fobias são sintomas, ou melhor, soluções em que cada um tenta resolver o trauma. Fobias e traumas andam juntos, todo sujeito é criado pelos seus traumas, e, certamente, a maneira como resolveu seus traumas que o constituíram. Já a fobia é uma solução muito básica, quando descobrimos que o mundo não gira em torno de nós mesmos.

Assim, a nomofobia se constitui através de uma estrutura fóbica que remete à angústia da perda do objeto (celular). Atualmente, a sociedade vive num estado de ansiedade, de angústia, de estresse, fobias e traumas, muitas vezes causados pelo sistema social, e este modelo de vida contemporâneo oportuniza a invasão de patologias transferenciais que permeiam um simbolismo.

Ab-reação: termo introduzido por Sigmund Freud e Josef Breuer em 1893 para definir um processo de descarga emocional que, liberando o afeto ligado à lembrança de um trauma, anula seus efeitos patogênicos.

Rosângela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação, pós-doutoranda em Psicologia; Doutora em Psicologia; Mestre em Ciências da Linguagem; psicopedagoga clínica e institucional; pedagoga; consultora ad hoc do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); professora universitária dos cursos de graduação e pós-graduação; coordenadora do comitê de Ética em Pesquisa (CEP-Fafire); coordenadora de cursos de pós-graduação; analista em Gestão Educacional do Governo do Estado de Pernambuco; autora e organizadora de dez livros.
E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

Maria Helena Barbosa Chiappetta é licenciada em Filosofia; bacharela em Teologia; formanda em Psicologia; psicopedagoga clínica e institucional; pedagoga; docente; coordenadora pedagógica; cursos de: Hebraico, confecção de materiais lúdicos; título honorífico Mulher Destaque em Defesa Animal na Sociedade Pernambucana. E-mail: helena.chiappetta@icloud.com

Referências

GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. American Psychiatric Association. Porto Alegre: Artmed, 2014.

SEGAL, H. Introdução à Obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

ZIMERMAN, E. D. Manual de Técnica Psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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