Edição 41

Profissionalismo

A Leitura

Assonilde Negreiros Mendes

“A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede.”
Carlos Drummond de Andrade

A citação acima nos traz uma inquietação: por que muitos não sentem essa sede? Muito se discute sobre a importância da leitura. Vários são os fracassos dos alunos brasileiros em testes de leitura. Nos últimos anos, temos visto reflexos disso — resultados extremamente negativos em provas do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outros. Por que nossos alunos têm tanta resistência à leitura? Por que tanta dificuldade para entender um texto?

Conceito de Leitura

Muito se discute sobre a importância da leitura. Muitos são os fracassos dos alunos brasileiros em testes de leitura, além de apresentarem, com freqüência, resultados extremamente negativos em testes como o Pisa, o Enem e outros.

Mas, afinal, o que é ler? Por que muitos têm tantas dificuldades em ler um texto? Existe alguma “fórmula mágica” para fazer com que o nível de assimilação das idéias de um texto possa ser percebido pelos estudantes e/ou leitores de um modo geral? Com certeza, uma das grandes preocupações de muitos professores e educadores está voltada para a prática de leitura, aliás, para a falta dela.

Frases como “Não gosto de ler”, “Não consigo entender o que leio”, “Quando começo a ler, sinto sono e paro” são comuns, principalmente, no meio estudantil.

Por que o trabalho com a Língua Portuguesa tem sido tão questionado, principalmente quando se têm dados que apontam o Brasil como estando em último lugar em capacidade de leitura entre 32 países avaliados em 2000 e em 37º entre 41 países em 2006, de acordo com o Pisa?

O que estamos fazendo com nossos alunos ao longo de 11 a 14 anos nas aulas de Língua Portuguesa? Aliás, para que ensinamos Língua Portuguesa? Será que fazemos com que os alunos tenham uma possibilidade de refletir sobre a linguagem? Esse seria um dos objetivos, mas conseguimos? Precisamos reavaliar os nossos objetivos ao trabalhar com a linguagem.

Adianta passarmos anos e anos enchendo nossos alunos somente de regras gramaticais, e, ao final do Ensino Médio, eles não conseguirem refletir sobre o funcionamento da língua? Ou seja, será que a escola passa a ensinar, também, esse aluno a pensar?

E como fazermos isso, ou seja, fazê-lo pensar? Com certeza, através da leitura. É necessário que seja feito um trabalho de base. Precisamos levar o aluno a ler, para dominar os recursos lingüísticos e, conseqüentemente, dominar o mundo. Porém, quando falamos ler, estamos nos referindo a conseguir perceber não só o que está de “concreto” no texto, mas também o que está de “abstrato” nele.

O que é leitura? É o processo pelo qual um sujeito leitor atribui significado a um determinado texto. A leitura não pode ser vista apenas como uma atividade de decodificação dos códigos lingüísticos. É preciso ir muito além, é preciso entender o que se lê.

A concepção de que, no processo da leitura, o elemento mais importante era o texto, ou o autor, mudou. Estudiosos da língua vêem, hoje, o leitor como elemento principal nesse processo. Ler é interação, ação entre o texto e o leitor. Na verdade, o sentido do texto não está no texto propriamente dito, mas, sim, no leitor.

“Todo texto quer que alguém o ajude a funcionar”, ou seja, o texto sem o leitor não funciona. É o leitor quem dá voz ao texto, atribui-lhe significado. Sem a participação dele, o texto fica lá, estático, parado, não diz nada por si só. A leitura é um verdadeiro jogo equilibrado no qual se mesclam a informação do texto e a informação do leitor.

Pode-se perguntar: como o leitor participa desse jogo? Através de seu conhecimento prévio. Sem o conhecimento do pré-texto, da leitura de mundo, o leitor não atinge a plenitude do texto. Assim, podemos dizer que, quanto maior a “história de leitura” do leitor, maior sua capacidade de atribuir significados ao texto.

A partir dessa visão, podemos citar a intertextualidade como elemento de textualidade. Muitas vezes, um texto remete a outro, e seus sentidos só serão atribuídos se o leitor acrescentar ao texto uma série de conhecimentos que ele (o leitor) já possui. Ou seja, perceber a intertextualidade é perceber o jogo entre os textos, o cruzamento entre eles.

E como fazer com que nossos alunos vejam esse cruzamento, tanto no texto verbal como no não-verbal?

A Leitura de textos Não-verbais

A sociedade contemporânea é convidada, cada vez mais, a ler textos não-verbais. Vivemos na era da comunicação imagética. Aliás, em alguns textos, a imagem fala mais do que as próprias palavras. Portanto, precisamos reeducar esse homem moderno — que foi condicionado a ler só o texto verbal. Há a necessidade de mostrarmos aos nossos alunos que o não-verbal não é um simples complemento do discurso verbal. É necessário ir além das palavras.

A leitura desses textos é uma necessidade no mundo atual e nas modernas técnicas de interação comunicativa; por isso, faz-se necessária na escola. Cabe a nós — os professores não só de Língua Portuguesa, mas também os de outras disciplinas — esse desafio.

Geralmente, quando falamos a nossos alunos que eles precisam ler mais, eles pensam logo em textos verbais: livros, revistas, jornais e outros. Nosso maior objetivo com a proposta a seguir é mostrar que o texto não é exclusividade das palavras, ou seja, que trabalhar o não-verbal é, também, necessário para aguçarmos a capacidade leitora de nossos alunos. Diante disso, tem-se uma sugestão de aula de leitura de textos não-verbais — excelente ferramenta pedagógica nas aulas de Língua Portuguesa. Escolhi um texto publicado na edição 38 dessa própria revista, já que o considerei um excelente material para a discussão com meus alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e dos 2º e 3º anos do Ensino Médio.

Metodologia

2008: Ano Internacional do Planeta Terra – as ameaças à vida e ao meio ambiente

“Objetivamente, nunca antes o ser humano teve tanto poder sobre a natureza quanto na atualidade. Tanto o desenvolvimento tecnológico como o próprio crescimento populacional fizeram com que a ação do homem fosse muito mais radical e extensa em todo o planeta. Como a vida, em todas as suas formas, depende de um complexo conjunto de processos naturais para se manter, caracterizando a chamada “sustentabilidade da vida”, essa intervenção do ser humano em escala planetária pode trazer graves conseqüências para a população humana e para todos os demais seres vivos na Terra. Entre essas ameaças, aquelas que se tornaram mais conhecidas recentemente são a do efeito estufa e a do aquecimento global” (Campanha da Fraternidade 2008: Texto-base / Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. São Paulo: Editora Salesiana, 2008. p. 59).

O texto foi apresentado aos alunos através de um datashow, a fim de que eles pudessem explorar bem a imagem. A partir de uma leitura do texto verbal e de solicitar a eles que observassem a imagem, questionouse qual era o tema proposto e qual a sua relevância para os dias atuais. Após ouvir os alunos, pôde-se complementar o texto acrescentando as várias leituras que eles fizeram.

Hoje, há uma luta incessante pela consciência ambiental. Nada mais coerente do que levar para a sala de aula textos que façam os alunos discutirem a convivência do homem com a natureza e chegarem à conclusão de que a sobrevivência do planeta depende de nossas atitudes.

Já que no texto não-verbal nada é por acaso, em tudo há uma intenção discursiva, fica bem nítido o grito de socorro do planeta Terra. Ele é apresentado com ares de dor, sofrimento, tristeza, choro…

A Terra está na UTI — o que já sugere estado de risco, à beira da morte. Observa-se o quanto as cores comunicam. A UTI apresenta as cores branca e vermelha: vermelho de perigo, de dor, de morte, contrapondo-se ao branco — de paz, de tranqüilidade, caso o homem permita.

O rosto da Terra deixa claro seu estado de risco. A cor azul não é por acaso — a maior parte do planeta é formada por água. As lágrimas resumem bem o clamor da Terra e a necessidade de que o homem se conscientize de que o destino dela pode ser de catástrofe.

O ato de ler é concebido como um processo interativo entre autor e leitor, mediado pelo texto, envolvendo conhecimentos (de mundo, de língua) por parte do leitor, para que haja compreensão (KLEIMAN, 1989). Pode-se perceber que ler, portanto, não é apenas extrair informações; é, antes de tudo, compreender e atribuir significados, sentidos.

Nessa atribuição, o aluno pode perceber que o rosto, o semblante da Terra é apresentado sem riso, aliás, as expressões faciais deixam claro que ela não tem motivo para alegrias.

Como nos disse Bakhtin, o significado não está no texto nem no leitor, e sim na interação entre eles. Portanto, é necessário que o leitor faça suas inferências, isto é, deduza certas informações não explícitas, a fim de que ele (o leitor) possa ligar as partes do texto e chegar a um entendimento.

Que inferências os alunos podem fazer da imagem das compressas de gaze, do curativo? O que isso sugere? Mais uma vez, o aluno precisa ativar seu conhecimento prévio da leitura de mundo. Ele pode relacionar tudo isso a: corte, ferida, ou seja, a Terra está com seqüelas oriundas das ações do homem. O uso sugere, também, apaziguar, proteger a “pele” e facilitar o processo de cicatrização, através de curativo.

Uma vez que se aborda a questão da conscientização ambiental, podem-se relacionar intenções discursivas à cromoterapia (cores). A Terra toma soro — soro amarelo. Para alguns estudiosos, há relações entre as radiações luminosas vindas do Sol e os fenômenos vitais: raios amarelos — oxigênio — e raios vermelhos — hidrogênio — conservam a vida. Além disso, essa ciência defende que o amarelo simboliza o Sol e significa o poder divino, a iluminação e a imortalidade — ou seja, tudo aquilo de que o planeta precisa.

Essa imagem do coração no soro chama atenção: conclamar para a solidariedade, gesto de amor que o homem tem de ter pela Terra.

O vermelho é o símbolo da vida, da força e da vitalidade. O sangue é vermelho para poder vitalizar todo o corpo, ou seja, para que a Terra tenha o poder de renovar e perpetuar a vida, embora o homem não colabore.

Todo texto não-verbal é plurissignificativo, ou seja, nos permite várias leituras, desde que sejam coerentes com o texto lido. Então, o que “ler” da sombra preta no fundo? Preta de perigo, do abismo no qual a Terra pode cair, caso o homem não mude seus hábitos. Sem falar que ela está em um canto, isolada — o que representa abandono. O homem insiste em ignorá-la, em não se importar com o que faz de mal não só a ela, mas também a si mesmo. Afinal, a questão ambiental é um grande desafio que precisamos encarar, já que respeitar o meio ambiente é uma questão de decidir nossa sobrevivência também. Caros colegas, todo o desafio com esse tipo de atividade é fazer com que nossos alunos leiam o que não está explícito, mas está dito no texto, e percebam as intenções discursivas presentes nele.

Como diz Fregonezi, “As informações presentes em um texto não são por si só responsáveis pela construção de significação” — o leitor atua o tempo todo no texto. E, por isso, nós — professores de Língua Portuguesa — precisamos proporcionar aos nossos alunos o contato com os mais diversos tipos de texto em nossas aulas. É claro que essa “leitura” da campanha do texto escolhido não se esgota por aqui. Esse é um pontapé inicial. Muitas outras podem ser feitas.

Vale ressaltar também que, ao levarem o texto impresso para que possam ampliar a leitura, os alunos têm a oportunidade de discutir com os pais, trazendoos, assim, para esta parceria tão importante e necessária na educação: família e escola.

A racionalidade nos diferencia dos outros animais e ela só é possível porque possuímos a linguagem. É essa linguagem que nos caracteriza como seres pensantes. Portanto, proponho que somemos força nessa corrente: a de ajudar nossos alunos a serem leitores espertos, inteligentes, ativos e criativos. Assim, eles se fortalecerão como verdadeiros cidadãos.

Assonilde Negreiros Mendes é graduada em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão/Centro de Estudos Superiores de Imperatriz
(Uema/Cesi) e especialista em Lingüística Aplicada ao Ensino. Trabalha na Escola Santa Teresinha – Associação das Irmãs Missionárias Capuchinhas
(onde pôs em prática a atividade acima proposta) com 9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio. É professora da Faculdade Atenas Maranhense de Imperatriz (Fama) e de cursinhos pré-vestibulares.
Contato: assonilde_negreiros@hotmail.com ou assonilde@famaitz.edu.br

Referências Bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosof ia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.
CONSTRUIR NOTÍCIAS, nº 38 – Ano 07 (pág. 3).
ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário – Lector in Fábula. Lisboa: Presença, 1983.
FREGONEZI, Durvali Emilio. O Professor, a Escola e a Leitura. Londrina: Humanidades, 2003.
KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor – Aspectos Cognitivos da Leitura. Campinas: Pontes, 1989.
http://www.hermanubis.com.br/artigos/BR/ARBRAAluzeavida.htm
http://educar.sc.usp.br/licenciatura/2001/cores/pagina2/CURA.html

cubos