Edição 92

Profissionalismo

A motivação docente no ambiente escolar: vamos entender para cuidar!

312367Sendo a motivação o principal combustível para o desempenho profissional, manter a equipe motivada passa a ser a tarefa mais importante para gestores educacionais.

Entrevista com a psicóloga e psicopedagoga Anita Pinheiro

Construir Notícias: Sabemos que, segundo Frederick Herzberg (1959), a motivação se caracteriza como consequência do resultado do trabalho, e não a partir de recompensas externas. Como podemos entender a motivação dos professores  no ambiente escolar?

Anita Pinheiro: Essa questão pode ser entendida a partir dos estudos realizados pelo médico Hudson Couto (1994), com base em sua larga experiência em RH. Professor regente de fisiologia e consultor em saúde ocupacional, ele afirma:

O ser humano é dotado não apenas de uma força física e uma capacidade intelectual para criar coisas novas e resolver problemas: é também dotado de sentimentos e de uma motivação básica orientada para o lado construtivo, para a neutralidade ou até mesmo para o lado destrutivo.

Couto amplia nossa visão para uma compreensão sobre a teoria motivacional considerando a teoria de Herzberg, que se fundamenta nos dois grupos de fatores para o processo de motivação no ambiente de trabalho: fatores motivadores (que são fontes determinantes da satisfação no trabalho) e fatores de manutenção (que atuam como agentes de insatisfação no trabalho).

Nesse sentido, podemos entender a motivação do professor e da professora, no ambiente escolar, a partir das proposições conceptivas sobre a motivação:

É a energia pessoal vinda de uma necessidade interior, que nos impulsiona para a ação.
Está ligada à satisfação das necessidades de sobrevivência e desenvolvimento da pessoa.
É considerada no ambiente de trabalho um processo complexo e de vital importância ao ajustamento do desempenho da função e comprometimento com a instituição.

CN: Nessa ótica, para que um professor e uma professora estejam motivados, não precisam, necessariamente, almejar recompensas pelo bom trabalho o tempo todo, mas, sim, o reconhecimento e a autorrealização. Como a gestão escolar pode trabalhar isso?

AP: Não apenas a gestão escolar como os docentes devem entender que a motivação, em qualquer área de trabalho, é um processo e, para ser trabalhada no ambiente escolar, faz-se necessário conhecer seus estágios de desenvolvimento, como também os fatores norteadores para sua adequação contínua. Para um melhor entendimento, apresentamos a seguir os estágios do processo motivacional.

Segundo Couto (1994), que parte do princípio de que todo indivíduo inicia seu trabalho com a motivação correta e que a deformação da mesma não ocorre do dia para a noite, e sim através de um processo e estágios que flutuam da “motivação sadia” ao extremo estágio da “motivação agressiva deformada”:

O indivíduo de motivação sadia é aquela pessoa interessada pelo que faz, que se envolve em propostas de melhorias, que luta por esses ideais de melhoria; pelo lado da ética, é incapaz de passar por cima de valores sabidamente importantes e denuncia coisas erradas, mesmo que eventualmente tenha que expor a sua segurança.

O indivíduo calejado ou amargo trata de fazer a sua parte, bem-feita, mostra-se cético em relação ao que extrapola as suas obrigações, apresenta resistência às melhorias para instituição, não denuncia o errado, mas ainda mantém a ética.

O indivíduo descompromissado é “uma pessoa frustrada, desiludida, egoísta, apática, sem ânimo, sem desafios para o trabalho…”. Busca vantagens pessoais, e a ética torna-se secundária na sua relação com a instituição. Nesse estágio inicia-se a deformação do caráter.

O indivíduo no estágio agressivo apresenta deformação de caráter. Por não atender às suas vantagens pessoais, passa a boicotar a instituição com ações de sabotagens e se envolve em fenômenos de massa.

CN: Atualmente, percebemos que muitas são as patologias que acometem profissionais da Educação, sobretudo os professores e as professoras que atuam em sala de aula, gerando o afastamento ou a desistência da área. A desmotivação tem influência direta sobre esse cenário?

AP: A desmotivação influencia diretamente na condição da saúde no trabalho em qualquer área, mas no contexto educacional sua influência é ampliada devido à natureza da própria atividade docente de ensino-aprendizagem, que ocorre nas relações interpessoais. Nessa perspectiva, devemos conhecer, além dos estágios motivacionais, os fatores que promovem a flutuação entre motivação sadia e a motivação deformada agressiva e suas causas, que comprometem a saúde desses profissionais e das instituições educacionais.

Com base nas teorias das necessidades humanas concebidas por Abraham Maslow, Douglas McGregor e Frederick Herzberg, que tratam da qualidade de vida no trabalho e dos conhecimentos da fadiga psíquica, Couto (1994) descreve fatores, em cada estágio do processo motivacional, que, se não tratados pela equipe de coordenação e gestora, levarão o docente a um quadro de motivação deformada.

O professor deve avaliar se a instituição em que trabalha tem uma filosofia coerente com o que acredita sobre o processo educacional e sua atuação como docente. Também deve avaliar se está feliz atuando na área e na instituição em que trabalha, conseguindo conciliar satisfação pessoal com satisfação profissional.

Com base nessas respostas, o docente identificará o que está promovendo sua desmotivação e deverá redirecionar sua profissão ou condição profissional, com consequente resgate da qualidade de vida. Lembrando que seu estado motivacional implica em seu desempenho profissional, que reflete na sua vida pessoal, por estar feliz com o que faz para a instituição e todos do ciclo de relacionamento.

O estudo da fadiga humana, que se caracteriza quando a capacidade de trabalho cai devido a um problema de motivação inadequado ou incorreto, se divide em dois grupos: fadiga física e fadiga psíquica: a fadiga física é caracterizada pela redução do desempenho do trabalho decorrente de fatores do processo e/ou ambiente que sobrecarregam a condição humana, e a fadiga psíquica é ocasionada pela redução da capacidade de trabalho por fatores de inadaptação psíquica do indivíduo à sua realidade de vida.

Em ambos os grupos encontraremos fatores deformadores das necessidades e da motivação humanas, causados pela natureza das atividades, por fatores do contexto (ambiente de trabalho) e ainda por fatores pessoais de cada profissional.

professora_loira_mulher_optOs fatores e as causas da fadiga física são identificados por: trabalhos muito pesados, trabalhar horas excessivas por dia, trabalhar em ambientes com temperaturas muito quentes ou muito frias, trabalho por turnos ou revezamento, trabalhos repetitivos ou com alto nível de tensão.

Para o estudo dos fatores da fadiga psíquica, é necessário distinguir as causas que os compõem:

Vulnerabilidade individual: é a predisposição psíquica para perceber uma determinada exigência como agressiva, ligada aos traços de personalidade do indivíduo e sua condição psíquica.

Fatores do contexto: são exigências do meio (país, religião, ambiente familiar e social) que exercem carga de influências sobre o indivíduo, identificados por:

Desajuste familiar.
Problemas de habitação.
Baixo padrão de vida.
Dificuldades de recursos para a família.
Dificuldades de transportes.
Problemas com assistência médica e social.
Mercado de trabalho restrito.

Agentes agressivos (de natureza psicológica) no trabalho: são fenômenos frequentes nas instituições e que têm o potencial de desestimular as pessoas, de reduzir o seu grau de motivação e de causar a fadiga psíquica:

Relacionamento deficiente.
Chefia insegura e incapaz.
Bloqueio de carreira.
Conflitos entre gestores.
Incoerências.
Protecionismos.
Desorganização na área de trabalho.
Inadequação na correlação: trabalho-salário-responsabilidade.

CN: Considerando que as condições motivacionais de uma equipe docente podem ser identificadas, avaliadas e diagnosticadas, como a coordenação pedagógica e a equipe gestora podem colaborar para manter seus professores adequadamente motivados?

AP: Para essa análise dos fatores tanto físicos como psíquicos e as respectivas causas, se faz necessário considerar algumas questões que contribuem para uma avaliação mais precisa da condição motivacional da sua equipe docente: existem indivíduos supervulneráveis, para os quais qualquer ocorrência é percebida como agressiva; existem os agentes agressivos muito incisivos, aos quais provavelmente ninguém resistirá; a relação positiva entre satisfação no trabalho e satisfação com a vida de um modo geral significa que pessoas mais satisfeitas com suas vidas estariam mais predispostas a se sentirem satisfeitas com o trabalho. O conhecimento e a identificação desses fatores e das causas são importantes no processo de autoanálise da instituição, para redefinição de políticas e procedimentos na prevenção desses agentes deformadores da motivação sadia.

Logo, a equipe gestora e as coordenações pedagógicas devem sair de sua zona de conforto, quando atribuem a condição de motivação deformada somente ao professor e à professora, desconsiderando o nível altíssimo de complexidade desse processo.

CN: Digamos que um professor perceba-se desmotivado. Se vê procrastinando suas obrigações, sem criatividade para elaboração de seus planos de aula e incomodado com o simples fato de ir ao local de trabalho. O que você orienta, já que ele admite sua falta de motivação?

AP: Os mesmos cuidados que os gestores e a coordenação devem ter com a autoanálise institucional, o professor deve ter com uma autoavaliação para identificar se se encontra no estágio de desmotivação e quais os fatores e as causas que estão contribuindo. Para isso, é necessário avaliar e refletir se a sua escolha da área educacional como atividade profissional corresponde ao que você gosta de fazer (Você gosta do que faz?).

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