Edição 43

Lá Vem a História

A prova esperta

Celso Antunes

A anedota

Bem, na véspera da prova, quatro alunos espertíssimos, mas extremamente preguiçosos, resolveram cabular e se mandaram para Ubatuba, certos de que, pela vivacidade, arranjariam uma desculpa para enganar o velho professor. Voltaram um dia após a prova e conversaram com o mestre:
— Pois é, professor. Fomos estudar no sítio do Guilherme, mas, na volta, o pneu furou. Como era impossível consertá- lo e não tínhamos estepe, perdemos um tempo enorme e a sua prova. Gostaríamos de sua compreensão para fazê-la hoje. É possível?
— Claro… Claro, filhos. Vocês podem fazer a prova hoje à tarde.

Saíram eufóricos. Olharam o que havia caído na prova, decoraram as respostas e voltaram ao colégio. O professor colocou um aluno em cada canto da sala e apresentou a prova já conhecida, com um aviso suplementar: “Suas respostas somente serão consideradas se concordarem sobre qual pneu furou”.

Em busca de uma contextualização em nosso cotidiano escolar

Essa fábula retoma, sob outro ângulo, a questão da resposta do aluno para alguns professores nas provas ou nas interrogações orais:

— Quem descobriu o Brasil, Luizinho?
— Pedro Álvares Cabral, professor!
— Parabéns, nota dez!

Vamos ver agora o Alexandre:
— Diga lá, Alexandre, quem descobriu o Brasil?
— Bem, professor: essa questão não apresenta resposta unânime. Existem historiadores que defendem a idéia de que foi Vicente Pinzón que teria desembarcado no Brasil em 26 de janeiro de 1500, portanto meses antes de Cabral; outros ainda destacam o português Duarte Pacheco, que teria alcançado nossa costa em 1498. Eu mesmo, professor, fico em dúvida ao saber que Colombo descobriu a América antes de Cabral chegar ao Brasil, sabendo que o Brasilé parte da América… Não poderia, por exemplo, ser Cristóvão Colombo?

— Zero, Alexandre. Enquanto seu colega possui uma resposta na ponta da língua, vem você com divagações e com prolixidade. Quem sabe jamais responde a uma pergunta fazendo outras perguntas…

A avaliação do saber necessita ir muito além da expectativa simplista por uma resposta. Quem não pode ser devidamente ouvido não pode ser sumariamente avaliado. O aluno que não tem o processo de construção de sua aprendizagem acompanhado etapa por etapa, que nãoé percebido por sua progressão em uma exclusiva zona de desenvolvimento proximal, não pode ser “julgado”.

Avaliar não é apenas medir, e o valor de um saber não pode ser expresso como o resultado do peso na balança ou da estatura na fita métrica. Não podemos, tal como na fábula, procurar as respostas desejadas, mas pesquisar a ousadia do aluno em sua construção.

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ANTUNES, Celso. Casos, Fábulas, Anedotas ou Inteligências, Capacidades, Competências. Petrópolis: Vozes, 2003.

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