Edição 58

Matérias Especiais

A reforma da educação profissional – Um estudo sobre o modelo de competências e suas implicações no plano de trabalho docente

Fellipe de Assis Zaremba

Este artigo é resultado de um trabalho de pesquisa de mestrado desenvolvido na linha de pesquisa em políticas e práticas educacionais do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho e tem como objetivo apresentar contribuições teóricas que possibilitem aprofundar o debate em torno da reforma da Educação Profissional, cujo contexto se passa em meio às transformações mais profundas que ocorreram nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI. Neste artigo, procura-se analisar de que forma o modelo de competências tem impactado na elaboração desses planos de trabalho e suas implicações para a cultura e a prática do professor da Etec Júlio de Mesquita, pertencente à Rede Paula Souza, de São Paulo.

Palavras-chave: políticas educacionais, educação profissional, modelo de competências, prática escolar, plano de trabalho docente.

Introdução

Os últimos trinta anos do século XX são marcados por uma profunda crise que assola o capitalismo, com grandes consequências para as relações entre capital e trabalho, notadamente o desemprego estrutural, a precarização do trabalho, as mudanças nos processos de trabalho, etc. Vivíamos um fim de milênio repleto de transformações e rupturas que marcaram, ainda que de modo desigual, todas as experiências humanas. Muitas vezes, tornou-se angustiante acompanhá-las, pois ocorriam de modo cada vez mais rápido.

Harvey (2004), no que diz respeito à situação mundial contemporânea, ressalta dramaticamente a intensidade da crise estrutural global do capitalismo desde a década de 1970. Ao contrário das crises anteriores, que foram parciais e localizáveis, parece que, pela primeira vez, se vê o capitalismo abalado em suas bases como sistema mundial.

As recentes tendências que se apresentam ao mundo do trabalho são decorrentes da revolução científico-tecnológica pela qual passou o capitalismo, particularmente após a crise1 do petróleo da década de 1970, em especial no ano de 1973, aliada à corrosão das políticas do bem-estar social e ao surgimento de um intenso processo de reestruturação no campo do trabalho.

Podemos, então, afirmar que as mudanças na organização de produção, bem como a liberdade de o capital mover-se em escala planetária, são muito mais que apenas uma nova forma de gerenciar a produção, são uma nova forma de configuração societária, preservando o status quo. Assim, a produção flexível pode ser considerada uma maneira de conter a onda de insatisfação dos trabalhadores, articulando competitividade com o aumento das taxas de exploração a partir da subordinação dos trabalhadores à nova realidade.

É nesse quadro histórico que se insere o processo de reforma do Estado brasileiro, iniciado no governo Collor de Mello e aprofundado nos governos posteriores. O discurso reiterado a todo instante era o de que as condições para a inserção competitiva do Brasil na economia internacional somente seriam possíveis com a realização de uma série de reformas estruturais, o que implicava privatizações, desregulamentações, mudanças no financiamento público, reformas na Educação, etc.

A Educação Profissional no Brasil: o contexto das reformas e o modelo de competências

Na década de 1990, com mais intensidade a partir de 1995, estabeleceu-se a reforma da Educação brasileira. A reforma da Educação Profissional no Brasil está inserida num conjunto de estratégias fundamentadas na Teoria do Capital Humano e que foram estruturadas e iniciadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

Em primeiro lugar, variadas instituições, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird), a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), produziram novos ideários educacionais que foram incorporados pelos gerenciadores das políticas educacionais.

Essas ideias encontraram grande aceitação no Brasil, seja por parte das instituições, como o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, ou dos pesquisadores, como a professora Guiomar Namo de Mello, e ocupantes de cargos efetivos diretos da Administração Pública federal e estadual, como Paulo Renato Souza (ex-ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso).

Em segundo lugar, as reformas educacionais promovidas se intensificam no sentido de ajustar as políticas educacionais ao processo de reforma do Estado brasileiro, em face da aceitação de pressupostos do modelo de desenvolvimento econômico prescrito e dirigido por corporações financeiras internacionais.

O Ministério da Educação e do Desporto, para sensibilizar e mobilizar a opinião pública em prol da prioridade política das transformações educativas, produz um conjunto de textos sobre a reforma que podem ser classificados em dois grupos. O primeiro grupo apresenta textos institucionais com objetivo de oferecer um consenso estratégico na implementação das reformas educacionais2. O segundo é formado pelos textos legais da reforma, pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e, na sequência, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (DCNET) e pelos decretos nº 2.208/97 e nº 5.154/04.

O Ministério da Educação, observando o que estabelece o artigo 9º, inciso IV, da LDBEN, encaminhou propostas de regulamentação da base curricular nacional e de organização do Ensino Médio e, posteriormente, Técnico. Dessa providência, resultou o Parecer nº 16, de 21 de janeiro de 1999, com a proposta de novas DCNET3. Esta última cumpre o que estabelece o inciso I do artigo 6º do Decreto Federal nº 2.208/97, revogado pelo Decreto Federal nº 5.154/04.

Entretanto, apesar das alterações pontuais promovidas, o Decreto nº 5.154/04 não modificou substantivamente o conteúdo operacional da Educação Profissional impresso pelo decreto de 1997, muito embora agregue às modalidades de articulação anteriormente previstas, intituladas concomitante e sequencialmente, outra possibilidade de articulação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional, que passa a ser chamada de Ensino Médio Integrado.

Entretanto, a amplitude da noção de articulação, conforme o referido decreto, continua prevendo a possibilidade da oferta de cursos concomitantes e sequenciais pelos sistemas públicos de ensino, dando continuidade ao processo de dualidade entre Ensino Médio propedêutico e Educação Profissional previsto no Decreto nº 2.208/97.

Além do mais, o decreto prevê a continuidade do desenvolvimento de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores no âmbito da Educação pública, sem vinculação com os níveis de escolaridade.

Isso é notório no Parecer CNE/CEB nº 39/04, que, ao tratar das orientações gerais e das adaptações necessárias à aplicação das articulações entre Educação Profissional e Ensino Médio, destaca que a indicação do Ensino Médio Integrado, nos termos do Decreto nº 5.154/04, não é priorizada.

A partir daqui, deve-se chamar a atenção para o fato de que esses documentos discutidos até aqui incorporaram conceitos do mundo produtivo e do âmbito do trabalho, como é de fato visível a partir da análise do modelo de competências na Educação Profissional. Isso se deve ao fato de o conhecimento ter adquirido novos papéis, sobretudo a partir de sua inclinação aos interesses do mundo produtivo.

Nessa perspectiva, o modelo de competências é deslocado do universo produtivo do âmbito dos negócios e lançado sobre a Educação. Cabe desenvolver uma análise mais reforçada desse conceito. Observa-se, assim, que competência é uma palavra do senso comum, utilizada para designar uma pessoa qualificada para realizar alguma coisa benfeita ou corretamente.

Ferretti (2003, p. 329) critica o conceito de competências afirmando que este sofre um deslocamento do campo dos negócios, o que, por si só, já é indicativo de que as reformas do Ensino Médio e do Ensino Técnico, contrariamente ao afirmado pelos discursos oficiais, tendem a privilegiar os interesses de um setor social, e não os da sociedade como um todo.

Argumenta o autor que se trata de um conceito que pode ser entendido no âmbito da Sociologia do Trabalho e da Educação, preconizando a adequação da Educação à nova organização do trabalho necessária ao enfrentamento da crise do capital. Baseado nisso, Ferretti (2003, p. 330) aponta que a competência seria entendida, nesse quadro, como a capacidade de mobilizar saberes4 de diversas naturezas (o saber propriamente dito, ou seja, o conhecimento; o saber fazer, ou seja, a capacidade de ampliar conhecimentos; e, finalmente, o saber ser, ou seja, a capacidade de relacionar-
-se afetiva e socialmente e ter a disponibilidade afetivo-social para acionar todos esses saberes, tendo em vista a realização de uma atividade que requeira sua utilização).

Tal enfoque tende a observar que o modelo das competências a partir da interdisciplinaridade e da contextualização é construído com base em uma convergência de discursos que buscam articular a Educação ao panorama mundial, subordinando-a ao mundo do trabalho a partir de uma flexibilidade curricular que promoveria o trânsito de alunos entre as disciplinas, facilitado pela organização em módulos.

O modelo das competências, quando deslocado para o universo pedagógico, pode ser representado por um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo, em detrimento das ações coletivas, subordinando-se aos mecanismos do mercado.

O processo de reforma no Ceeteps e a Etec Júlio de Mesquita: o modelo de competências no plano de trabalho docente

A reforma promovida pelo Governo Federal foi incorporada pelo Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps) e implementada por meio de documentos, manuais, deliberações e resoluções, ou seja, de maneira autoritária.

É ilustrativo lembrar que o Governo do Estado de São Paulo, em relação às demais unidades federativas, aliou-se diretamente aos ideais da reforma, tornando-se, inclusive, modelo e exercendo forte influência na adoção das propostas em todo o território nacional. No Estado de São Paulo e no Governo Federal, o partido político em exercício era o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sendo Mário Covas Júnior governador do Estado de São Paulo e Fernando Henrique Cardoso presidente da República.

Esforços não faltaram para o Ceeteps primeiramente entender e depois incluir o conceito de competência como referência no currículo. Para tanto, a instituição concentrou toda a pesquisa acerca do modelo de competência na Coordenadoria do Ensino Técnico (Cetec), órgão responsável por responder e coordenar, dentro da estrutura organizacional do Ceeteps, o planejamento, a orientação e o controle da oferta de cursos da instituição, bem como a capacitação de professores e a coordenação do Laboratório de Currículo, que tem a função de atualizar os cursos diante do mercado de trabalho.

Além disso, o Laboratório de Currículo ficou responsável por desenvolver estudos e implementações de currículo modularizado sobre a égide do modelo de competências.

O Ceeteps justifica a organização curricular em módulos a partir das orientações das DCNET, visando garantir a flexibilidade do currículo pautada na ideia de competência por área. Portanto, garantir a flexibilidade do currículo às mudanças ocorridas no mundo do trabalho, direcionando suas atividades conforme o movimento econômico e produtivo.

O indivíduo passa a ser o responsável pela sua inserção no mercado de trabalho mediante a aquisição de competências. Por outro lado, atribuir à escola a responsabilidade de garantir uma nova formação a partir da apropriação de competências cognitivas e comportamentais influi na sua descaracterização como um espaço responsável pela formação humanística e mais complexa do que apenas a preparação e subordinação ao mundo do trabalho.

Em suma, a reforma educacional, enquanto resultado de uma política educacional subordinada ao universo produtivo, à dinâmica do trabalho estabelecida pelo capital, promove a formação de um cidadão fragmentado e minimizado.

É interessante verificar que o curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio Técnico em Química da Etec Júlio de Mesquita visa atender, segundo o Plano de Curso, às empresas públicas e privadas do município de Santo André, bem como seu entorno, diga-se Região Metropolitana de São Paulo.

O perfil profissional de conclusão do técnico em Química é constituído pelas competências profissionais gerais e específicas da habilitação, definidas pela organização. Três âmbitos de competências foram considerados para o técnico em Química: competências básicas constituídas nos ensinos Fundamental e Médio, competências profissionais gerais e competências profissionais específicas.

As competências profissionais gerais da área da indústria são as definidas pela Resolução nº 04/99, e as específicas, pela instituição, a partir do Livro das Competências Profissionais, considerando as demandas sociais e de mercado, a vocação da região e a capacidade institucional.

O Plano de Curso propõe a organização curricular estruturada em três módulos, com um total de 1.200 horas, ou 1.500 horas-aula.

A unidade escolar, para dar atendimento às demandas individuais, sociais e do setor produtivo, poderá propor nova organização curricular, alterando o número de módulos, a distribuição das aulas e os componentes curriculares. A organização curricular proposta levará em conta, contudo, o perfil de conclusão da habilitação, das qualificações e a carga horária prevista para a área profissional da habilitação.

O curso tem uma organização curricular modularizada, possibilitando ao aluno traçar seu itinerário formativo com módulos com terminalidades que proporcionam qualificações profissionais de nível técnico, com entradas e saídas intermediárias, o que favorecerá o aproveitamento e a continuidade de estudos, seja na habilitação profissional em foco, seja em cursos afins.

Com a apresentação inicial do curso, foi possível identificarmos a sintonia da proposta da formação com as orientações expressas no Parecer nº 16/99, isto é, uma Educação Profissional de nível técnico de primazia do mercado de trabalho em detrimento do indivíduo.

O Plano de Curso justifica a adoção de estrutura modular:

O currículo foi organizado de modo a garantir o desenvolvimento de competências fixadas pela Resolução CNE/CEB nº 04/99, atualizada pela Resolução CNE/CEB nº 01/2005, além daquelas que foram identificadas pelo Ceeteps, com a participação da comunidade escolar.

As áreas modulares, assim constituídas, representam importante instrumento de flexibilização e abertura do currículo para o itinerário profissional, pois, adaptando-se às distintas realidades regionais, permitem a inovação permanente e mantêm a unidade e a equivalência dos processos formativos.

Para cada módulo, são propostos os seguintes critérios de organização curricular:

um conjunto de competências que servirão de base para seleção de conteúdos por parte da equipe docente;
um conjunto de atividades e estratégias formativas que os docentes propõem para a organização dos processos de ensino-aprendizagem;
uma estimativa de carga horária (Plano de Curso, 2007, p. 18).
Ferreti (1999) critica a construção modular como sendo um mecanismo forjado para propiciar a formação de profissionais polivalentes e afirma que a soma das qualificações específicas não traduz o conhecimento da habilitação final do curso. Um currículo com módulos independentes perde a essência da integração dos conteúdos e facilita alterações constantes conjugadas com as mudanças que ocorrem no cenário do trabalho, uma perspectiva da laborabilidade, condicionando a escola a uma lógica produtiva, subordinada ao mercado de trabalho.

A Etec Júlio de Mesquita utiliza a organização curricular modular, e os módulos são articulados e integrados entre si, formando uma sequência progressiva, aspecto que atende à perspectiva da laborabilidade.

No que tange ao enfoque pedagógico do currículo, o Plano de Curso apresenta-se em sintonia com as reformas e com a Pedagogia das Competências:

Constituindo-se em meio para guiar a prática pedagógica, o currículo organizado por meio de competências será direcionado para a construção da aprendizagem do aluno, enquanto sujeito do seu próprio desenvolvimento.

Dessa forma, a problematização, a interdisciplinaridade, a contextualização e os ambientes de formação se constituem em ferramentas básicas para a construção das habilidades, atitudes e informações relacionadas que estruturam as competências requeridas (Plano de Curso, 2007, p. 43).

A interdisciplinaridade é apresentada menos como conceito acadêmico e mais como compreensão, pois é necessário dar sentido a esses conteúdos, vivenciá-los e, ao mesmo tempo, tratar o conhecimento do modo como ele de fato se faz, ou seja, relacionando conceitos.

Segundo o plano, a construção de competências e o desenvolvimento mais integrado, interdisciplinar, dos conteúdos passam necessariamente pela contextualização, ou seja, pela relação entre os conteúdos e as situações nas quais são produzidos ou se aplicam, ultrapassando os limites da sala de aula, mediante uma proposta pedagógica sintonizada com os alunos. Assim, toda a formação geral envolve a ideia de preparação para o trabalho, promovendo o diálogo entre o que se vem desenvolvendo em fragmentos na escola, tornando a interdisciplinaridade uma prática pedagógica que se realiza em projetos de estudo, pesquisas e atividades em favor de uma compreensão de mundo contextualizada, mais próxima do modo como a realidade de fato se apresenta.

Toda a proposta do plano dá ênfase à interdisciplinaridade e contextualização dos conhecimentos com o mundo real a partir do desenvolvimento de competências.

Isso significa o planejamento e desenvolvimento de um currículo de forma orgânica, superando a organização por disciplinas estanques e revigorando a integração e articulação dos conhecimentos, ou, ainda, o que pretende a interdisciplinaridade no contexto educacional a partir da adoção de módulos.

A interdisciplinaridade faz com que o aluno construa um conhecimento global, adquirindo, assim, uma visão ampla, que o possibilite focalizar o conhecimento técnico-científico contextualizado à sua realidade.

Exemplo desse raciocínio é o Plano de Trabalho Docente, documento desenvolvido pelo educador em consonância com os objetivos traçados pelo Laboratório de Currículo, que todo professor tem que elaborar para o desenvolvimento do curso. Nele, devem ser indicadas, em detalhe, as competências e habilidades que o professor pretende atingir, considerando as funções e subfunções a serem privilegiadas, os conteúdos disciplinares, renomeados, além dos documentos de reforma, como bases científicas e tecnológicas, aos quais devem estar articuladas as competências e habilidades, a metodologia a ser empregada e os procedimentos de avaliação.

Além disso, o professor deve desenvolver um Plano de Avaliação, articulado com o Plano de Trabalho, além de um Plano de Recuperação. Todos esses documentos submetidos a constantes atualizações e ao suposto desempenho que promove a empregabilidade dos trabalhadores.

E, nesse sentido, o Plano de Trabalho Docente é o instrumento que define as atividades a serem desenvolvidas pelo docente durante o período letivo, com a respectiva carga horária atribuída a cada uma.

Elaborado pelo professor a partir do Livro das Competências Profissionais, o plano será avaliado e deferido pelo Cetec.

Na Etec Júlio de Mesquita, ao selecionarmos o Plano de Trabalho Docente do curso de Química, verificamos, no Plano Pedagógico, a organização e a legitimação de um ensino definido pela produção de competências, anteriormente centrado em saberes disciplinares.

Consequentemente, podemos observar que o Plano de Trabalho Docente está estruturado a partir do modelo de competências.

Segundo Ferretti, o excesso de foco no domínio do conceito de competência e, por isso mesmo, a ênfase na distinção dele em relação a outros conceitos afins podem estar impedindo uma compreensão mais clara do que é pretendido. Ao lado disso, outras questões conceituais e semânticas também se apresentam, como, por exemplo, as relacionadas à mudança tradicional da nomenclatura de disciplinas para adequá-las a categorias como funções e subfunções, que não emanam da atividade acadêmica, mas da produtiva, que os sujeitos deverão ser capazes de compreender e dominar.

Ao verificar o Plano de Trabalho Docente de 2004 do curso de Química, encontramos como competências a serem desenvolvidas:

Interpretar os procedimentos, as normas ambientais internacionais e a legislação ambiental aplicável ao setor industrial.
Selecionar procedimentos de segurança.
Identificar, avaliar, otimizar e adequar métodos e técnicas analíticas de controle de qualidade.
Interpretar manuais de equipamentos e instrumentos de análise e operação.
Interpretar dados e variáveis do processo e suas alterações.
Interpretar diagramas de processo.
Interpretar e analisar conceitos de Economia e de Administração aplicados à indústria química.
Interpretar resultados de análises.
Selecionar instrumentos de comunicação geral.
Selecionar procedimentos de preparação e execução de análises.
Selecionar procedimentos de transporte e armazenagem de amostras de matérias-primas, reagentes, produtos e utilidades.

Assim, a utilização da Pedagogia das Competências, notadamente no Plano de Trabalho Docente, faz-se como justificativa para o ingresso nesse novo mercado.

No Plano de Trabalho Docente, a memorização de procedimentos e técnicas, necessária a um bom desempenho em processos produtivos rígidos, passa a ser substituída pela capacidade de usar o conhecimento científico de todas as áreas para resolver problemas novos de modo original e flexível, o que implica domínio não só de conteúdos predefinidos, mas dos instrumentos metodológicos e das formas de trabalho intelectual multidisciplinar e interdisciplinar. Isso exige educação inicial e continuada rigorosa, em níveis crescentes de complexidade, o que nos faz considerar que a validade do conhecimento adquirido, assim incorporado, é julgada por sua viabilidade ou por sua utilidade na vida produtiva. Afirma-se o predomínio da conotação utilitarista, imediatista e pragmática do conhecimento.

Nesse sentido, o currículo adquire a responsabilidade de estar relacionando a aquisição de novas competências — que decorrem, em grande parte, dos avanços da ciência e da tecnologia no mundo do trabalho — com as exigências do setor produtivo.

O modelo de competências, gerado a partir das exigências decorrentes da reestruturação produtiva, vem assumindo significados diversos e contraditórios, pois ora aparece ligado às características individuais das pessoas, nesse sentido variável à produtividade; ora representa abordagens que expressam um rompimento com o paradigma de qualificação historicamente construído ao mesmo tempo que também expressam um novo patamar de qualificação, vinculado ao savoir-faire dos trabalhadores (DELUIZ, 2001).

Interpretar, selecionar, avaliar, adequar e preparar são verbos presentes no Plano de Trabalho Docente, acima mencionado, que visam exigir, num primeiro momento, dos alunos e, posteriormente, dos profissionais formados, então trabalhadores, conhecimentos mais elaborados, com vistas à otimização do tempo e da qualidade da produção, sempre à disposição da reestruturação produtiva, desencadeando, assim, novas demandas que refletem diretamente na Educação Profissional.

No que diz respeito a essas considerações, o Livro das Competências Profissionais se apropria do discurso e produz um texto fundamentado na Pedagogia das Competências, exposta no Parecer nº 16/99.

Diante do exposto, o Livro das Competências Profissionais, elaborado com a participação de docentes — referência para a construção do Plano de Trabalho Docente a partir das orientações do Cetec e do Laboratório de Currículo —, justifica a utilização das competências a fim de se adquirir a clareza do perfil técnico esperado o livro aponta para o fato de que uma concepção de Educação Profissional que não possibilite a formação do ser do homem trabalhador para que este se perceba como indivíduo da contradição e sujeito da ação política transformadora corrobora uma visão ideológica alienada e imediatista de formação profissional fragmentada, que continuará mantendo a escola técnica como reprodutora das relações sociais determinadas pelas classes dominantes, nesse sentido mantenedora do status quo e subordinada ao sistema produtivo dos interesses empresariais e financeiros.

Conclusão

O contexto maior que orienta essa pesquisa são as mudanças nos processos normativos que marcam a Educação brasileira na década de 1990, com especial destaque para a Educação Profissional. Nesse contexto, uma série de políticas públicas foi produzida, tendo como objetivo a realização de reformas que, no discurso do Ministério da Educação, de empresários e de setores importantes da academia, criariam as condições para adequar o sistema de ensino às novas demandas oriundas dos processos de trabalho. Assim, a lógica de uma Educação instrumental e adaptativa já se mostrava de forma consistente nos discursos iniciais e tornar-se-ia um elemento mais visível na medida em que as intenções de reforma se materializavam em políticas públicas.

Felipe de Assis Zaremba é mestre em educação, historiador, pedagogo, pesquisador e professor da rede pública de ensino e das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo (FMU – SP). Contato eletrônico: fellipeazaremba@yahoo.com.br.

Referências bibliográficas

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________. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, DF: 23 de julho de 2004.

_________. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional.

DELUIZ, Neise. O Modelo das Competências Profissionais no Mundo do Trabalho e na Educação: Implicações para o Currículo. In: Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, set./dez. 2001.

FERRETTI, C. J. et al. (orgs.). Novas Tecnologias, Trabalho e Educação: um Debate Multidisciplinar. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

FERRETTI, C. J. A Reforma do Ensino Médio: uma Crítica em Três Níveis. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite Barbosa. Formação de Educadores: Desafios e Perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2003.

HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989.

HOBSBAWM, E. Era dos Extremos: o Breve Século XX – 1914–1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. Políticas Públicas para o Ensino Profissional: o Processo de Desmantelamento dos Cefets. Campinas: Papirus, 2003.

Fillipe de Assis Zaremba é Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho (Uninove). Graduado em História e Pedagogia, com habilitações em Administração e Supervisão Escolar. Assessor pedagógico da Editora Formando Cidadãos. Professor de Sociologia nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
Endereço eletrônico: fellipeazaremba@yahoo.com.br.

1. Os anos 1970, uma década de crise e recessão na economia mundial, assinalaram o esgotamento do modelo de crescimento adotado no Pós-guerra, encerrando um longo ciclo ascendente da economia capitalista. A crise dos anos 1970 ficou conhecida nos meios de comunicação como Crise do Petróleo. Efetivamente, a década conheceu dois grandes choques altistas do preço do principal combustível das economias industriais, que passou de menos de dois dólares o barril para quase trinta dólares durante o período.

Indiscutivelmente, o choque do petróleo foi um componente essencial da crise dos 1970, atuando como poderoso acelerador da inflação nas economias desenvolvidas. Contudo, o petróleo não pode ser visto como causa de uma crise de natureza estrutural, que já se manifestava antes da primeira alta do preço do barril e que era condicionada pela completa alteração das condições gerais que tinham impulsionado o ciclo ascendente das décadas de 1950 e 1960 (HOBSBAWM, 2001).

2. Tais textos documentais encontraram campo entre os setores dominantes, a quem tais proposições interessavam, articulando lobbies para fazer aprovar posteriormente a legislação. A estratégia publicitária foi intensamente utilizada antes mesmo do lançamento dos textos legais e se expressou por campanhas veiculadas em rádio e televisão, além de uma série de teleconferências organizadas pelo MEC.

3. As diretrizes dizem respeito somente ao nível técnico da Educação Profissional, uma vez que o Decreto nº 2.208/97 não dispõe sobre diretrizes para o nível básico, que é uma modalidade de Educação não formal e não está sujeita a regulamentação curricular.

4. O sistema educacional brasileiro foi profundamente transformado com as reformas promovidas sob fortes influências dos organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) — que organizou a Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990, em Jomtien (Tailândia) e produziu, de 1993 a 1996, o Relatório Delors (coordenado por Jacques Delors), que fez um diagnóstico do contexto planetário e analisou os desafios para a Educação no século XXI.

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