Edição 20

É dia...

A SEMANA

11 a 18 de fevereiro de 1922
Um dos principais eventos da História da Arte no Brasil, a Semana de 22 foi o ponto alto da insatisfação com a cultura vigente, submetida a modelos importados, e a reafirmação de busca de uma arte verdadeiramente brasileira, marcando a emergência do Modernismo Brasileiro.

Vários acontecimentos isolados que assolavam o País no mundo das artes levaram à realização da Semana de Arte Moderna. Em 1913, a exposição de tendência expressionista de Lasar Segall e, em 1917, também de caráter expressionista, a exposição de Anita Malfatti, intitulada Primeira Exposição de Arte Moderna no Brasil, arrancaram risadas e provocaram severas críticas. Anita chegou a ser chamada de louca por Monteiro Lobato. Muito incomodado com a obra da precursora do Modernismo, Lobato publicou o artigo Paranóia ou Mistificação?. Nele, criticava Anita por não conseguir representar o brasileiro e sua natureza com fidelidade. Essa exposição é considerada a precursora da Semana de Arte Moderna; com ela, Anita abriu o caminho para o Modernismo brasileiro. Pois, ao formarem um grupo em defesa da artista, os intelectuais Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Graça Aranha e o pintor Di Cavalcanti acabaram por idealizar essa Semana. Porém, Oswald de Andrade afirmou, na época, que ela não foi idealizada por ninguém especificamente.

“ENFIM, A SEMANA!
Seremos lindíssimos! Insultadíssimos! Celebérrimos.
Teremos nossos nomes eternizados nos jornais
e na História da Arte Brasileira!”

Assim escreveu Mário de Andrade na sua carta-convite a Menotti del Picchia para participar da Semana de Arte Moderna.

Realizada no ano do centenário da independência política do País, a Semana de Arte Moderna tornou-se o marco do Movimento Modernista. Durante uma Semana, artistas, pintores, escritores, músicos, escultores, poetas e intelectuais mostraram ao público o que havia de moderno na escultura, pintura, arquitetura, música e literatura brasileiras.

A Semana de Arte Moderna foi inaugurada com uma conferência de Graça Aranha, na qual anunciou o espírito do moderno. E, durante toda a Semana, vários acontecimentos provocaram verdadeiras revoluções no mundo das artes brasileiras. Os pontos mais polêmicos ocorreram nos dias 13 e 15.

No dia 13, o músico Villa-Lobos, ao reger duas composições de sua autoria, foi vaiado pelo auditório com gritos e assobios, provocando uma enorme confusão no Teatro e interrompendo a sua apresentação. Nesse mesmo dia, Graça Aranha proferiu a conferência A emoção estética na arte, na qual elogiou os trabalhos expostos, investiu contra o academicismo, criticou a Academia Brasileira de Letras e proclamou os artistas da Semana como personagens atuantes na “libertação da arte”. Outro ponto bastante polêmico desse dia foi a declamação do poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, por Ronald de Carvalho. O público reagiu gritando, vaiando e, aos berros, repetindo um dos versos: — “Foi!”. — “Não foi!”.

Esse poema representa a ruptura de Bandeira com o Parnasianismo e marca a sua adesão ao novo movimento, além de ser uma dura crítica aos parnasianos, que cultivavam a rijeza da forma e da expressão.

Os Sapos
Manuel Bandeira

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!”. — “Foi!”. — “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Urra o sapo-boi:

— “Meu pai foi rei”. — “Foi!”.
— “Não foi!”. — “Foi!”. — “Não Foi!”.

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem estatuário,
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.”

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— “Sei!”. — “Não sabe!”. — “Sabe!”.

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…

Porém, o ponto alto da Semana ocorreu no dia 15, quando falou, com veemência, o poeta paulista Menotti Del Picchia, pregando a liberdade de criação e expressão, o individualismo estético e o rompimento com a tradição literária, em busca de arte genuinamente nacional. Este trecho da sua palestra expõe o resumo dos seus anseios modernistas:

semana-moderna

Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue — que é humanidade; com eletricidade — que é movimento, expressão dinâmica do século; violência — que é energia bandeirante. Assim nascerá uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do Homem e do mistério.

Nesse mesmo dia, Oswald de Andrade leu alguns de seus poemas, e Mário de Andrade fez uma palestra, intitulada A escrava que não é Isaura, em que se referia ao “belo horrível” e evocava a necessidade do abrasileiramento da língua e da volta ao nativismo.

Na pintura, as telas de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, entre outros. As esculturas de Vítor Brecheret e os projetos arquitetônicos modernistas, expostos no saguão do Teatro Municipal de São Paulo, também causaram reações de espanto e indignação.

Na verdade, a Semana de Arte Moderna foi, toda ela, avassaladora e revolucionária. Num determinado momento, Oswald de Andrade pôs o teatro abaixo, ao declarar que: “Carlos Gomes é horrível!”.

A Semana de Arte Moderna serviu para demonstrar, através de todas as expressões artísticas e culturais, o seu repúdio ao Parnasianismo, ao culto do passado, posicionando-se contra qualquer preconceito artístico e qualquer imposição do tradicionalismo acadêmico.

O que se pode observar a partir da Semana de 22 é uma verdadeira revolução no pensamento e nas atitudes das pessoas, notadamente artistas e intelectuais. Todas as atividades culturais voltam-se para a busca da nacionalidade e a valorização da nossa cultura em todos os seus aspectos, provocando até atitudes xenófobas. Em maio de 22, é lançada a primeira revista modernista, Klaxon. Nos anos seguintes, o Modernismo defende que as representações da realidade brasileira na arte devem ser autênticas e inovadoras. Os principais representantes dessa primeira fase são: Mário de Andrade, com Macunaíma (1928); Oswald de Andrade, com seus poemas Pau-brasil (1925) e a Revista de Antropofagia; e Manuel Bandeira, cujas traduções das obras de Shakespeare são reconhecidas até hoje como primorosas.

A partir de 1930, o Movimento se consolida através das obras de Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Rachel de Queiroz e, já numa linha mais intimista, surge Vinicius de Moraes.

O certo é que, depois daquela “Semana”, a arte e a literatura brasileiras nunca mais seriam as mesmas, pois estariam para sempre tocadas pelos ares modernistas.

No catálogo oficial da Semana, constaram os seguintes nomes:
* Música – Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Paulina de Ambrósio, Ernâni Braga, Alfredo Gomes, Frutuoso, Lucília Villa-Lobos.
* Literatura – Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreyra, Elysio de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Renato Almeida, Luiz Aranha, Ribeiro Couto, Deabreu, Agenor Barbosa, Rodrigues de Almeida, Afonso Schimidt, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Plínio Salgado.
* Escultura – Vítor Brecheret, Hildegardo Leão Veloso, Haarberg.
* Pintura – Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Martins Ribeiro, Oswald Gueld, Regina Graz, John Graz, Castello e outros.
* Arquitetura – A. Moya e George Przyrembel.
E os destaques do programa oficial da Semana de Arte Moderna foram:

Segunda-feira, 13 de fevereiro
1ª PARTE – Conferência de Graça Aranha: A emoção estética na arte moderna, ilustrada com música executada por Ernani Braga e poesia de Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho (que declamou Os sapos, de Manuel Bandeira).
Música de câmara: Villa-Lobos, Sonata II para violoncelo e piano (1916), com Alfredo Gomes e Lucília Villa-Lobos; Tio Segundo para violoncelo e piano (1916), com Paulina d’Ambrósio, Alfredo Gomes e Fructuoso de Lima Vianna.
2ª PARTE – Conferência de Ronald de Carvalho: A pintura e a escultura moderna no Brasil.
Solos de piano por Ernani Braga: Valsa Mística (1917, da Simples Coletânea); Rodante (da Simples Coletânea); A fiandeira.

Quarta-feira, 15 de fevereiro
1ª PARTE – Palestra de Menotti del Picchia, ilustrada com poesias e trechos de prosa por Oswald de Andrade, Luiz Aranha, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida, Ribeiro Couto, Mário de Andrade, Plínio Salgado, Agenor Barbosa e dança pela senhorita Yvonne Daumerie.
Villa-Lobos: O ginete do pierrozinho.
Palestra de Mário de Andrade no saguão do Teatro.
2ª PARTE – Conferência de Ronald de Carvalho: A pintura e a escultura moderna no Brasil.
Palestra de Renato Almeida: Perennis poesia.
Canto e piano por Frederico Nascimento Filho e Lucília Villa-Lobos: Festim Pagão (1919); Solidão (1920); Cascavel (1917).

Sexta-feira, 17 de fevereiro
1ª PARTE – Villa-Lobos: Trio Terceiro para violino, violoncelo e piano (1918), com Paulina d’Ambrósio, Alfredo Gomes e Lucília Villa-Lobos.
2ª PARTE – Solos de piano por Ernani Braga: Camponesa cantadeira (1916, da Suíte Floral); Num berço encantado (1919, da Simples Coletânea); Dança Infernal (1920).

Referências Bibliográficas
Coleção Nosso Século. Brasil. 1910/1930 — Anos de crise e criação — 2ª parte. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
Almanaque Abril 2000. São Paulo: Abril, 2000.
Enciclopédia Compacta de Conhecimentos Gerais. São Paulo: Três, 1993.
Nova Enciclopédia Barsa. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Rio de Janeiro/São Paulo, 1997.

Sites
www.asemanade22.hpg.ig.com.br
www.folha.com.br/folha/almanaque/semana22.htm

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