Edição 58

Matérias Especiais

Afeto não paga imposto

Nildo Lage

Transitar pelos labirintos do íntimo humano sem deixar vestígios é um mérito exclusivo de Deus, que detém poderes para visitar o coração do homem sem deixar rastros, percorrer as entranhas da mente, os labirintos do íntimo… Mas os que vivem no nosso meio podem, com um simples gesto, nos entristecer; com um olhar, despertar sentimentos; com palavras displicentes, golpear o ego, abrir feridas, provocar traumatismos, conscientizando-nos de que relacionar-se com o outro exige regras, limites, parâmetros, cautela para que possamos amadurecer a ideia de que o gesto mais sublime é o que foi contido, a palavra mais sábia é a que não foi articulada.

São tantos os percalços que coexistir estabelece uma atenção constante na trajetória viver, pois esse caminho é apinhado de armadilhas, reentrâncias… Veredas que levam a um universo inusitado, um determinado eu… Um eu que sonha, anseia ser feliz… Um eu submerso nas profundezas do humano cognominado cidadão, e, para relacionar-se com essas diferenças, é preciso um suprimento de sensibilidade, tato, cuidado extremo… Tino para não destruir ideais e intentos.

Nessa busca pelo sinuoso caminho da realização, todos os sentidos entram em alerta, todas as setas direcionam para o mesmo ponto: a escola.

Neste mundo extraordinário, onde o conhecimento transita por intercessores e sequiosos, ser professor é um desafio… Pois, para a arte de transformar seres em formação em polidos cidadãos, não há fórmula, regras, direção definida… Mas determinam-se habilidades e competências como rota para que as marcas deixadas nesse percurso sejam apenas para guiar seres que dependem de cuidados e atenções especiais a transporem os obstáculos do eu sem atingir um dos mais valiosos tesouros humanos: o afeto.

Afeto que fortalece o eu, nutre o ego, acalenta o coração… Sem essa preciosa ferramenta, as competências do professor se limitarão a simplesmente comercializar aulas, proporcionando pouco “lucro” para seu “cliente” (aluno), pois o conhecimento sem desenvoltura dificilmente fará a conexão entre os paradigmas propostos pela escola e as ambições dos que buscam a Educação como caminho de crescimento humano e pessoal.

Nesse terreno vulnerável, cultivar o outro é converter-se em protagonista do enredo ensino-aprendizagem, no qual o preparo e o profissionalismo do educador fazem total diferença na intervenção para atingir o alvo humanista e não desviar o aluno desprovido de estrutura, principalmente familiar, da formação humana.

Daí a importância de inserir a afeição no recinto escolar, convidando professores, gestores, especialistas, família e comunidade para cultivarem a semente do comprometimento no infértil íntimo humano, cada vez mais frio, corrompido pelos transtornos da vida moderna, em que muitos se fragilizam, pois paciência é um sentimento escasso entre as pessoas. Isso vem permitindo a evasão de valores, a proliferação de males que atingem em cheio a instituição Escola: desequilíbrio familiar, que resulta em discórdias, desamores… Violência, desvanecendo um sistema que se depara com dificuldades para atrair um sedativo que possa amenizar o clima de tensão entre alunos, professores e funcionários.

Muitos buscam respostas científicas para os problemas da humanidade por acreditarem em soluções holísticas, crentes que tamanha metamorfose nos anseios, no comportamento humano é consequência da própria evolução num planeta onde os dispositivos tecnológicos estão robotizando homens, e esse olhar diferenciado permite o subterfúgio de sentimentos e valores, como respeito e amor pelo outro, fazendo da convivência um relacionamento frio. A tecnologia compactou o planeta, mas também elevou barreiras a ponto de pais e filhos manterem uma relação sem calor humano.

Esse gelo, que vem provocando o desequilíbrio social e familiar, estimula pesquisas, buscas para encontrar a dose certa da cura da indiferença humana… São tantas investigações que vêm gerando conceitos, teorias e mais teorias, para que a relação causa-efeito encontre uma saída humanístico-existencial.

Professor: começo ou recomeço?

A dificuldade maior é inserir na cabeça daquele professor que aprendeu apenas a elaborar aulas e aplicar provas a consciência de que deve atuar na sala de aula enfocando o humano, para educar sem afetar sentimentos.

Para se ter esse avanço, é preciso multiplicar o professor eficiente, que admite necessitar melhorar, evoluir, adquirir estrutura para se autoavaliar e reconhecer os erros, fracassos e, principalmente, que as suas práticas devem ser revistas, pois são essas (in)diferenças que impedem os alunos de progredirem, como afirma o filósofo e pesquisador francês radicado no Brasil Bernard Charlot:

Um aluno não é apenas uma criança de tal família, não é apenas o membro de um grupo sociocultural. Ele é também sujeito, com uma história pessoal e escolar. É um aluno que encontrou na escola tais professores, tais amigos, tais aulas e que teve surpresas boas e más. É uma criança cujos pais disseram que o que se aprende na escola é muito importante para a vida ou, ao contrário, que não serve para nada. É uma criança que tem irmãos e irmãs ou não, que são bem-sucedidos na escola ou não e que podem ajudá-la ou não…
Ainda há tempo para mudar… Ensinar com mais amor, mais respeito. O que não pode acontecer é trabalhar com crianças e adolescentes como se eles fossem máquinas. Humano é emoção, razão, sentimento, situação… É preciso respeitar essas limitações para que o conhecimento seja inserido num terreno fértil, mas que necessita de cuidados, especialmente do afeto que faz germinar o respeito, o carinho que aproxima aluno e professor, facilitando o processo de ensino-aprendizagem.

E os deveres da família… Onde ficam?

A educação da era globalizada está invertendo papéis, convertendo o professor num instrumento programado para vender o produto conhecimento no polo comercial Sala de Aula, cuja matéria-prima, o ensino — mesmo estando em alta no mercado —, é pouco valorizada e onde alguns professores não salientam uma preocupação com o aluno que vai ingressar no próximo ciclo, muito menos com o colega que receberá esse aluno.

Ante os problemas, muitos gestores esbravejam pelo fato de os pais não atenderem ao chamado da escola, mas esquecem-se de que o posto lhes delega responsabilidades; entre elas, atrair a família para a escola e criar programas e mecanismos para estimular a convivência no cotidiano da escola.

Para esses matemáticos, se o gráfico do Ideb está em ascensão, a “minha escola” está em franca evolução, e até mesmo os pais — que deveriam assumir um nível de responsabilidade que atingisse, ao menos, o interesse de acompanhar o desenvolvimento escolar do filho — não se manifestam, e a escola tradicional vai se afastando cada vez mais da sociedade.

Mas todos, especialmente os pais, têm uma desculpa convincente para justificar o distanciamento da escola: “Não tenho tempo nem com quem deixar o irmão menor”. Mas será que, dos duzentos dias letivos, não sobra um para dedicar ao futuro do próprio filho?

Com esse descaso, os problemas desabam num efeito cascata, a iniciar pela escola que não acolhe, por pais que não se envolvem, por um sistema que abre abismos que impedem a comunicação da escola com a comunidade, fazendo imperar as falácias, negando ao aluno o direito à estrutura para o convívio social.

É lamentável, mas há pais que raramente lançam um olhar para o material escolar do filho, nunca têm tempo para fazer uma visita à escola para conhecer o seu professor. Poucos tocam no assunto para averiguar como anda a vida escolar, leem ou têm interesse ou paciência para ouvir o filho ler as histórias elaboradas na escola; muito menos vão a uma reunião a convite da instituição.

É urgente a necessidade de despertar nos pais a consciência de que a maior parceira do filho na educação é a família. Essa presença estimula, ampara, proporciona segurança… Impulsiona o aluno a ir além.

É certo que a escola não é uma oficina com especialistas que ajustarão as falhas da sociedade; como também é certo que muitos pais não estão nem aí para o desempenho escolar dos seus filhos e ainda têm a cara de pau de culpar a escola pelos fracassos.

Mas o relacionamento imparcial da escola com a comunidade vem provocando um distanciamento que preocupa. Todos reclamam — gestores, professores, funcionários e pais —, dando início à guerra de “empurra a responsabilidade adiante”: pais acusam a instituição, alegando que a escola está uma baderna, que professores só pensam no salário no final do mês — ninguém respeita ninguém. Por sua vez, a escola se defende chegando a atribuir a culpa da indisciplina, do mau rendimento, da deficiência de valores e da falta de participação no não envolvimento dos pais com a instituição. E, no mesmo caminho, enveredam os professores.

Só que a escola, mesmo vislumbrando que esses comportamentos são efeitos de um dos maiores males do século, o desequilíbrio familiar, não assume atitudes para reverter esse quadro, que tende a piorar, pois o sistema de ensino insiste em adotar programas com prazo de validade, sem conseguir gerar políticas educacionais.

é necessário persistir nesse caminho e despertar as famílias para o fato de que o sucesso escolar dos filhos dependerá do seu envolvimento, reconhecendo que muitas famílias não se envolvem por não saberem como nem por quê… Ou por não conhecerem os próprios direitos e as obrigações.

Mas há uma “sujeirinha” que sempre é levada para baixo do tapete e que está edificando uma barreira imperceptível na comunidade escolar. Porém, é de conhecimento da maioria, principalmente do sistema de ensino, e se eleva entre as famílias e a escola: o gestor.

Alguns acreditam que, se houver um envolvimento em massa da comunidade para discutir os rumos da Educação, esta perderá autonomia. Essa sede de reter o poder está comprometendo a qualidade do ensino de muitas instituições.

Professores x gestores x sistema x família?

Infelizmente, a responsabilidade de educar está cada vez mais envolvida com um sistema que direciona o olhar para o gráfico e se preocupa em injetar combustível para que a máquina produza o suficiente para atingir um patamar que satisfaça os órgãos internacionais sem refletir na qualidade, e isso vem transformando o ambiente escolar num espaço artificial, onde o professor é cada vez mais desumanizado, desviando a escola do alvo fomentador da cultura universal, da inclusão, transformando o objetivo maior — a formação plena do indivíduo — numa utopia.

Se o sistema não reagir, reconstruindo esse espaço num local aquecido pelo calor humano, com profissionais que realmente queiram fazer a diferença, dificilmente mudaremos essa realidade, pois continuaremos com muitos professores frios que não se dão ao luxo de olhar nos olhos do seu aluno para capturar um pedido mudo de carinho, um gesto de motivação. Uma atitude que amplie os seus horizontes, que almeje o crescimento humano.

Mas os casos de descaso das instituições de ensino e de professores são alarmantes, e alguns chegam à beira do absurdo, como o episódio numa cidade do Espírito Santo em que um aluno veio no meio do ano, transferido, e simplesmente foi recebido. Um professor tomou-o pela mão, deu uma volta pelo pátio, enveredou pelo corredor, parou e disse com o dedo em riste “— Entre naquela sala!”. Ele obedeceu… Mas não foi notado, reconhecido nem identificado, porque a secretaria não o matriculou, e o professor não percebeu que o seu nome não estava lançado no diário.

Nos dois bimestres finais, esse aluno, do tipo “Não fede nem cheira”, foi esquecido a ponto de o professor não questionar, o coordenador esquecê-lo na Prova Brasil, ou seja, não existia para a escola, e só foi descoberta tamanha façanha quando os pais foram buscar o boletim ao final do ano letivo. Pais que são exemplo de omissão da vida escolar do filho.

Episódios de descaso com alunos por parte de professores e das equipes das escolas são cada vez mais comuns nas instituições de ensino. Mudar essa realidade exige propostas pedagógicas para autorregulamentar o ensino, leis que determinem o perfil do educador para que a afetividade, o respeito, o interesse pelo outro imperem no meio escolar, pois, com essa roupagem que apresenta a escola informatizada, adequada fisicamente, não há relacionamento professor-aluno, gestor-professor, escola-família, muito menos afetividade.

Família e escola = prazer de estudar

Melhorar a qualidade do ensino é trabalhar o relacionamento professor-aluno por meio do elo afetivo que determina mudanças, principalmente na ótica da escola, que deve proporcionar, através de gestores, coordenadores e do sistema de ensino condições mínimas para a realização de projetos com objetivos que atraiam as “ferramentas” essenciais na construção do conhecimento: a família e a escola.

Esse envolvimento, além de proporcionar subsídios para a escola passar a conhecer a realidade da sua clientela, aproxima educadores, coordenadores, pais e educandos, que terão a oportunidade de discutir problemas comuns da Educação, mas que vêm sendo um pesadelo para toda a equipe — a indisciplina, a violência —, os quais são fruto da carência de afeto, como acredita o psicólogo e psicanalista Claudio Saltini, um dos maiores estudiosos e pesquisadores da Escola de Genebra no Brasil:

As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores.
Se a escola não direcionar o alvo para o eu do aluno no intuito de conhecer o seu universo de sonhos e desejos, deficiências e dificuldades, exigindo do professor dedicação e cuidados, esse ser que acredita, sonha e ambiciona ser feliz dificilmente construirá o mundo que almeja através do amparo da escola, pois o foco da Educação é proposto pelo sistema, e o do aluno se choca contra a muralha da carência de afetividade. Assim, para muitos, tudo o que resta é o abandono dos estudos, dos próprios ideais.

É preciso amadurecer o conceito de que a afetividade no recinto escolar não contribui apenas para romper limites, aproximar professor e aluno, promover o ensino-aprendizagem… O afeto é uma interação que proporciona a relação de confiança, respeito, admiração, e, nessa troca, eleva-se a autoestima, tornando as buscas pelo saber mais interessantes, e o processo de aprender e ensinar rompe as barreiras da sala de aula, indo além do transmitir e absorver conhecimentos.

É nessa absorção que o potencial do aluno transparece, através do prazer de estar na escola, de ter contato com o professor, os colegas, pois o reconhecimento que motiva favorece a quebra de traumas, e as dificuldades passam a ser encaradas como desafios, aumentando gradativamente o rendimento escolar. Pois, assim como a carência de afeição provoca danos irreparáveis, o afeto é a mola que projeta seres frustrados em pessoas felizes e determinadas a buscarem sonhos nos lugares mais inusitados.

Contudo, alguns educadores são tão insensíveis às necessidades dos seus alunos que lhes negam o olhar que tira da escuridão do abandono social, familiar; o gesto que constrói a base da aprendizagem; a palavra que desperta o estímulo pelos estudos, contendo o ato mais importante no processo educacional: o respeito pelas opiniões dos alunos, impedindo, com essa negação, o sorriso que ilumina, o toque que faz avançar e que rompe a distância entre as pessoas, como salienta a professora Laurinda Almeida: “As relações afetivas se evidenciam, pois a transmissão do conhecimento implica, necessariamente, uma interação entre pessoas. Portanto, na relação professor-aluno, uma relação de pessoa para pessoa, o afeto está presente”.

Sistema doente, professor doente…

O que fazer?

Para superar essa crise e para que o professor tenha prazer em ensinar, é preciso reformular um sistema impiedoso que cobra números como resultado e não proporciona condições para os que fazem a Educação.

A ausência desse suporte provoca conflitos que desmotivam docentes, impedindo que o professor construa o seu espaço na escola, pois a maioria dos gestores age como se fosse dona da instituição, e não interventora, com responsabilidade de fazer funcionar os dispositivos para que os trabalhos sejam executados de forma correta.

A realidade mostra que, assim como o aluno, o professor também não é ouvido… Não tem autonomia, voz, apoio do gestor, do sistema e, perdido, sem saber a quem reclamar ou recorrer, “vende o seu peixe” à sua maneira.

Nesse universo onde o professor deveria ser valorizado e tratado pelo menos com respeito, não pode haver problemas pessoais, profissionais, dificuldades, muito menos autonomia para decidir a melhor forma de trabalhar com seus alunos, pois uma gama de profissionais veem além, impelidos pela força política que conduz a escola para o “desconhecido”.

Sem auxílio, tudo o que lhe resta é cumprir metas do sistema: executar tal programa, determinado projeto… Sob a ótica de gestores e um sistema consciente de que ninguém conhece o aluno como o professor e ninguém melhor do que o professor para discutir como trabalhar determinados problemas e conteúdos.

Como a regra é “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, intensifica-se a gravidade do câncer da Educação: acúmulo de tarefas que provocam estresse, mau humor, fadiga e, consequentemente, graves problemas de saúde, como complicações gastrointestinais, hipertensão arterial e depressão.

E, mesmo com tantos recursos e profissionais disponíveis, a inexistência de suporte ao educador propicia a proliferação do problema; o sistema deveria, no mínimo, oferecer programas de orientação educacional e suporte psicológico. Entretanto, para o sistema, um plano de cargos e salários e plano de saúde são mais do que o suficiente para que professores sintam-se valorizados e protegidos.

Mas, já que o afeto não paga imposto e o preço é a bagatela do querer construir um mundo melhor, que se dê o mínimo aos que chegam totalmente desprovidos de amor, carinho, afeto e necessitam de um gesto, um olhar, uma palavra de incentivo. Um pouco de afeição para despertar a autoestima, de diálogo para oportunizar a expressão do querer, de solidariedade para que aprendam a socializar e se encontrar num espaço que pode lhes proporcionar saltos gigantescos fariam total diferença.

Se a ferramenta “professor”, num ato de amor pelo ofício, pelo outro, trabalhar valores, uma vez que a mente da criança, do adolescente e do jovem está aberta e voltada para absorver o novo, essa interação pode transformar o ambiente escolar num local agradável, acolhedor e inclusivo.

O envolvimento, o contato fortalece o laço de confiança, rompe a barreira da insegurança e promove questionamentos e dúvidas que instigam professores a levarem seus alunos a irem além por meio de atos positivos para que descubram a escola como espaço que proporciona o crescimento humano.

Esses instantes podem ter significados intrínsecos para alunos e professores, pois, nesse intercâmbio, podem descobrir que valores como amizade, carinho, respeito e amor são ingredientes do prato que a escola deve servir no seu dia a dia para propiciar momentos de reflexão e despertar para a consciência de que a escola transforma comportamentos, atitudes e vidas, como afirma a professora e pedagoga Maria da Penha Bonfim:

Se a Educação não conseguir promover a construção do conhecimento por meio do afeto, do respeito às dificuldades e aos sentimentos do aluno, não será à base do autoritarismo e do castigo que formará cidadãos coerentes. Pois o afeto entre educador e educando é como uma semente lançada em terra fértil: germina numa rapidez surpreendente e produz frutos de qualidade.
Professor não é pai, professor não é mãe…

Tudo que não pode acontecer nesse processo é o paternalismo. Professor não tem obrigação de dar colo, suportar desfeitas nem violência de alunos. Professor tem que ter habilidades e autoridade para impor respeito, mas também a consciência de que deve acatar a cultura, a religião, as crenças e, assim, conquistar autonomia e exigir que regras sejam cumpridas. Entre elas, que a família assuma as suas obrigações na educação e formação do filho na trajetória escolar.

Esse envolvimento promove o equilíbrio da unidade de ensino, que consequentemente ganhará estrutura para oferecer uma educação que promova o crescimento intelectual, humano e pessoal por meio de conteúdos que atendam às necessidades dos alunos.

Essa junção propicia a exploração das riquezas e origens da comunidade escolar por meio do choque de comportamentos, de diferenças sociais, culturais, religiosas, tradições familiares, ressaltados em trabalhos que salientam problemas e aspectos do grupo, para somente então implantar regras de convívio no espaço escolar.

Para redirecionar tarefas para que os relacionamentos professor-aluno, aluno-aluno e professor-aluno equipe de apoio se estreitem e diminuam a tensão no recinto profissional, é imprescindível trabalhar e respeitar o humano como um todo: sentimento, emoção e razão. Para isso, o professor deve ser encarado como humano, com limitações, fraquezas e dificuldades, para que possa educar com os mesmos sentimentos, princípios e valores.

Esse equilíbrio é tão importante quanto as tecnologias, os programas e a própria valorização com o ajuste de salários, pois, para lidar com humanos, mesmo com suportes técnicos e recursos, os desgastes físicos, emocionais e psicológicos são inevitáveis. Daí a relevância de programas de autoavaliação emocional e psicológica periódicos desses profissionais para que não incidam em crises existenciais.

O mundo evolui numa velocidade tão alarmante que poucos conseguem acompanhar esse ritmo, fazendo com que profissionais sejam superados pelas próprias deficiências, pois muitos se entregam às situações cotidianas ou se satisfazem com o que têm até chegarem à frustrante conclusão de que o período em que deixaram de aprender para se tornarem profissionais mais eficientes foi o tempo exato em que os ambiciosos por conquistas se prepararam para as oportunidades que surgem num momento mágico da vida.

Com o professor, não é diferente: ele leva anos aquecendo a cadeira de uma universidade, crente de que está se preparando para edificar vidas, mas, no primeiro passo no mundo real, esbarra com dificuldades práticas, e muitos não conseguem edificar a própria identidade profissional.

Ser professor… Educador?

Ser professor é como qualquer outra carreira: exige requisitos, principalmente ética, compromisso, respeito à vida que está sob a sua responsabilidade para ser aperfeiçoada. Afinal, ninguém o obriga a ser professor… Tornou-se professor, se fez professor por convicção ou até mesmo por influência… Não é problema do aluno. Mas, a partir do instante em que assume a regência de uma sala, deve ter consciência de que a vitória ou o fracasso dos seus alunos vai depender do empenho, da dedicação, da dose de amor, do carinho e do afeto que oferecer nessa trajetória.

Assim, superar os desafios de ensinar requer preparação, aptidão. É preciso ser verdadeiramente educador para acionar a mola propulsora da motivação, sem deixar de ser um mediador que repassa conhecimentos, valores, igualdade. Educador com garra, audácia para romper barreiras, superar os desafios de educar com criatividade. Educador que encare o educando como uma janela aberta para a vida, sem atropelar sonhos, com razão, emoção e que esteja disposto a ensinar com sabedoria e aprender com a inocência.

Educador com capacidade para formar, reeducar, criar, recriar, quebrar paradigmas, transpor tendências, que ensine o aluno a amar a si mesmo sem perder o afeto, o respeito pelo outro… E que possa se descobrir através da arte de viver, relacionar-se inter e intrapessoalmente. Educador disposto a ser mais… Ser um “mais” tão valioso que seja capaz de pigmentar a vida daqueles que buscam o saber com uma dose de afeto, para que possam ser surpreendidos com a construção do próprio conhecimento. Conhecimento este que desfaça as diferenças, as chantagens, as pressões emocionais… Pois aluno bonzinho não se faz com ameaças nem afetividade barata, mas com trocas que multipliquem horizontes. Ser educador para saciar os que buscam, na “árvore” escola, o fruto que alimenta, que faz crescer, num clima de acolhimento. Paciência para plantar o agora com a perspectiva de colher um amanhã mais justo.

O autêntico educador é o que se eterniza na vida daqueles que cruzam o seu caminho, como declara Rubem Alves: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor não morrerá jamais”.

Afinal, ser educador é ter amor pelo que se faz, orgulho pelas conquistas… Habilidade e competência para transformar o dom de ensinar no desafio de promover o saber, construir sonhos para realizar sonhos… É ser mestre para ensinar com maturidade… É ser super-herói, com força para gerar a energia que ilumina vidas… É ser mágico para converter sonhadores em idealizadores… É ser cientista para inventar, reinventar, convertendo a arte de ensinar no objetivo maior: fazer da Educação um instrumento da ambição de realização, de crescimento humano, para que possa abrir caminhos para a formação de cidadãos que se tornarão destaque na história da humanidade, como finaliza o matemático e filósofo grego Pitágoras: “Os afetos podem, às vezes, somar–se. Subtraírem-se, nunca”. Enfim, pelo afeto não se paga imposto. É de graça… E todos têm para dar…

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