Edição 85

Reunião de Pais e Mestres

Aprendi a dizer sim! NÃO!

Tião Souza

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Um clássico da música popular brasileira, imortalizado na voz forte e franca de Jair Rodrigues (1939–2014), que venceu o Festival da Canção de 1966, começa assim: “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar…”. A letra da música encontra-se num contexto marcado de perseguição e de dor; eram tempos da Ditadura Militar no Brasil. A esperança precisava ser cantada porque reinavam o desespero e o medo.

Fazendo um contraponto dessa canção com um outro tema da atualidade, vamos observar que prepara-se o coração para ouvir e dizer coisas que precisam ser ditas e ouvidas, mesmo que vivenciadas com dor. É muito importante, e isso precisa começar cedo, aprender a dizer não às crianças quando o não for necessário. E, embora se diga que o sim é a melhor resposta que se deseja ouvir, é improvável que um adulto de bom caráter tenha sido formado ouvindo só sim.

Outro dia presenciei um pai oferecendo dinheiro ao seu filho, de aproximadamente 7 anos, para que ele realizasse a tarefa escolar. A proposta inicial era de 5 reais semanais. O menino negociou esse valor diariamente, e o acordo foi fechado em 15 reais. Ambos ficaram satisfeitos. Eu diria que os dois perderam uma grande oportunidade de aprender e de ensinar uma lição para a vida inteira. Aquele atalho iria custar caro para muita gente.

Os pais e as mães de família têm tido todos os seus dias corridos, e este é o álibi encontrado para justificar a pouca presença e participação na formação dos filhos. No intuito de compensar essa ausência, a permissividade acaba sendo a aliada mais comum. Diz-se sim a todas as atitudes dos filhos para atender, com pouca ou nenhuma dificuldade, às demandas por eles, os filhos, apresentadas.

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A falta de tempo e de paciência, o cansaço e até mesmo a força do hábito levam os genitores a dizerem também o não sem nenhum critério: “Não pode porque não pode. Pronto, acabou!”. Essa atitude é tão comum que até parece natural… Agindo dessa forma, não se está levando em consideração o senso de curiosidade que é natural em toda criança e que a move. Dizer não só para impor a autoridade não educa. É educativo e saudável quando o sim ou o não é explicado. “Não se deve subir na mesa porque é perigoso, você pode se machucar.” “Pode mexer no controle da televisão, mas tem que ter cuidado porque, se cair, quebra.” É mais trabalhoso? É. Mas muito mais educativo e construtivo; cria o diálogo e ajuda a construir o entendimento do certo e do errado, do que pode ou não, e do que é dever. Você pode desarrumar a gaveta, mas tem o dever de colocar tudo no lugar novamente.

Aprender a dizer não pode significar preparar o coração para coisas que serão contadas. As histórias e estórias que os mais velhos nos contavam iam preparando o nosso caráter. Os enredos das historietas apresentavam os personagens bons como exemplo a ser seguido, e os pais faziam questão de ressaltar os valores para que eles ficassem registrados no coração. O mal, nessas fábulas, geralmente, era punido, para ensinar que ele não compensa. Preparar o coração, o caráter, exige tempo. Não se preparam os filhos para serem bons cidadãos deixando-os todos os dias, o dia todo, em frente ao computador e à televisão; lá, os personagens maus se dão bem, são bem recompensados. Lá, os corações são preparados para o mal, para a violência, o desamor.

Crianças e adolescentes inadequados e deseducados são construídos, eles não nascem assim, são frutos dessa relação sem tempo e compromisso, relações aceleradas, tipo restaurante fast-food (comida rápida). É necessário temperar os sins e nãos com as explicações devidas, elas são os ingredientes ideais para ajudar na formação dos valores que desejamos que os nossos filhos aprendam e vivam. Quando os pais, os primeiros educadores dos filhos, não assumem a aliança de estabelecer os limites, não só eles em casa sofrerão as consequências, mas, nos outros espaços que farão parte da vida dessas crianças, quem tiver a oportunidade de conviver com elas experimentará a irreverência e rebeldia advindas da ausência do diálogo e da determinação das fronteiras que o dizer sim e o dizer não ajudam a construir.

A escola é a segunda instituição onde a criança, provavelmente, passará a maior parte do seu tempo. E ali, diante do educador que precisará lhe dizer não e sim, revelam-se a criança e o adolescente infantilizados, pois não foram exercitados para lidar com as fronteiras do que pode e do que deve, do que é ou não permitido. A proposta dos limites sugeridos pela instituição acaba sendo acolhida pelo estudante como um constrangimento; diria mais: como um ato violento, uma imposição.

As pesquisas têm apresentado um índice crescente de violência aos professores em sala de aula. Muitos profissionais acabam desistindo da Educação por causa de violências sofridas nos espaços onde trabalham. A agressividade sofrida pelos professores é o terceiro fator que mais tem induzido ao desencanto pela Educação, ficando atrás apenas dos baixos salários e da falta de incentivos.

Muitas crianças se deparam, pela primeira vez em sua vida, com a determinação de um não quando dito pelo professor. Acostumadas a ouvir sim e a não serem contrariadas, sentem-se frustradas quando não podem fazer tudo o que desejam. Por não saber ou por falta de tempo, os pais acabam não ensinando os filhos a lidarem com as frustrações. Qualquer pessoa, em qualquer fase da vida, pode aprender uma ou muitas lições com uma frustração. O filósofo Jean-Jacques Rousseau disse, lá no século XVIII, que “A maneira mais certa de deixar seu filho infeliz é acostumá-lo a receber tudo”. Receber tudo sem o esforço da conquista, sem ao menos precisar pedir e muito menos agradecer.

Os pais não devem ignorar nem transferir a tarefa de educar os seus filhos a outras pessoas ou instituições, porque os filhos são escolhas que são feitas pelos próprios pais. Delegar para terceiros o compromisso de instruir os nossos filhos é, no mínimo, descuido. Saber ouvir e acolher um não vai ajudar na formação adequada para as interações sociais, essa atitude colaborará nas escolhas individuais e coletivas que são realizadas cotidianamente. Prepare o seu coração para dizer não aos seus filhos, porque eles precisam saber que as atitudes por eles tomadas têm consequências. Crianças educadas ouvindo não terão menos dificuldade para enfrentar a escola, a vida e, no futuro, podem vir a ser pais e mães estabelecendo relacionamentos em que as diferenças e limitações serão aceitas e compreendidas como um processo de aprendizagem.

A maneira mais certa de deixar seu filho infeliz é acostumá-lo a receber tudo

Jean-Jacques Rousseau

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