Edição 34

Projeto Didático

Argila como fonte de conhecimento – Uma experiência interdisciplinar

Ellen Suzi, Fátima Cruz e Micheline Dias

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Há milhares de anos, o processo de envelhecimento geológico das rochas vem formando um dos materiais mais abundantes do planeta: a argila. Encontrada em 75% de toda a crosta terrestre, até mesmo nos pólos, é utilizada nas mais diversas atividades humanas com distintas funções e aplicações (Lemos e Santos, 1996).

A argila é a matéria-prima da cerâmica. Possivelmente, as primeiras pessoas que povoaram o nosso planeta se deram conta de que seus pés deixavam marcas no barro, e que este, ao secar, conservava suas formas. A argila úmida é macia e maleável; quando seca, fica frágil, quebra e se desgasta com facilidade. Também não comporta líquidos, porque a água desfaz a argila seca. A descoberta do fogo foi essencial para o surgimento da cerâmica e da olaria. É preciso uma temperatura de aproximadamente 850oC para que objetos de argila se tornem resistentes e possam servir para cozinhar e para colocar líquidos.

Além da argila, o solo contém outros componentes: areia, pedra e húmus. Por isso, os oleiros e ceramistas costumam recorrer a canteiras de argila, lugares onde se pode encontrá-la mais limpa e sem mistura. A argila pura encolhe muito ao secar e se quebra. Por esse motivo, eles preparam uma pasta cerâmica (mistura de argila pura com outras substâncias que facilitam a modelagem), tornando o material mais resistente (Coll, 2000).

O artesanato de barro é uma produção espontânea. A capacidade de transformar o barro com as mãos foi também empregada para expressar os gestos e as crenças dos povos aos quais pertenciam os artistas ceramistas. Eles modelaram figuras que representavam seus deuses, seus semelhantes ou cenas de vida cotidiana, deixando marcas próprias, que serviam para se reconhecerem entre si e para serem reconhecidos pelos outros (Coll, 2000).

O esforço para produzir objetos bonitos, agradáveis ao olhar, atraentes e harmoniosos está em todas as culturas, em todas as civilizações, em nosso dia-a-dia. Os artesãos construíram e constroem não só coisas úteis, mas também belas. Eles se esmeram tanto em seu trabalho que conseguem transformar objetos de uso cotidiano em autênticas obras de arte (Oliveira e Garcez, 2006).

A cultura escolar, na qual o educando aprende do mais simples ao mais complexo, com avanços lentos, exige pouco pensamento. Por isso, é necessário superar essa cultura, ter uma visão mais ampla, e não fragmentada. É preciso que a escola se torne um espaço de pensamento, acabando com a fragmentação do conhecimento, pois somente dessa maneira pode ter uma cultura interdisciplinar e desenvolver projetos interdisciplinares.

Como nos encontramos na famosa Era da Informação, nada melhor do que saber obter e produzir informações com rapidez. Devido ao volume cada vez maior de dados produzidos, é importante saber selecionar o que interessa a cada um. Nesse sentido, a Internet propicia um desenvolvimento mais dinâmico de numerosas atividades (Sobral, 1999).

Fazenda (1993) afirma que a interdis-ciplinaridade pode ser compreendida como reciprocidade entre as disciplinas ou ciências, ou melhor, áreas do conhecimento, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ressaltam que trata-se de recorrer a um saber diretamente útil e utilizável para responder às questões e aos problemas sociais atuais.

Portanto, contextualizar o conteúdo é trazer importância para o cotidiano do estudante, mostrar que os conhecimentos gerados dentro de uma sala de aula têm aplicação prática na vida das pessoas como um todo. Em suma, visar à construção de conhecimentos que rompam as fronteiras entre as disciplinas.

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Justificativa

A ação pedagógica da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma escola participativa onde o professor tem um papel fundamental no avanço construtivo do aluno. É ele quem pode perceber necessidades do estudante e o que a educação pode proporcionar ao mesmo. A interdisciplinaridade do professor pode envolver e instigar o educando a mudanças na busca do saber. Nesse sentido, este projeto teve por objetivo trabalhar um tema sobre diversos olhares, buscando o desenvolvimento da motivação e oportunizando o trabalho com autonomia.

Metodologia

Com o tema propulsor Argila fonte de conhecimento, foi realizada uma experiência pedagógica interdisciplinar (artes, ciências, história, geografia, química e informática educacional) com alunos dos ensinos Fundamental II e Médio de uma escola da rede privada de ensino no Recife/PE.

Inicialmente, alunos foram incentivados a pesquisar sobre a argila no que diz respeito a propriedades químicas e físicas, fins medicinais, aspectos geológicos, fatos históricos, o barro na arte popular brasileira, técnicas de modelagem de cerâmica, o torno (tecnologia pré-histórica, ferramenta-chave de trabalho para o oleiro), ceramistas populares de Pernambuco. Mais ainda: foi trabalhada a visão humanística, pois o barro é citado várias vezes na Bíblia como, por exemplo, no Gênesis (2,7): “Então, formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente”, corroborando com a filosofia vicentina da escola.

Em um segundo momento, os alunos, no laboratório de informática, desenvolveram atividades com a poesia de Avaniel Marinho O oleiro e os vasos. O terceiro momento foi marcado pela palestra de um artesão pernambucano, Mestre Uruda. O artista centrou sua palestra na metáfora do oleiro e seus vasos, transmitindo a idéia da Criação Divina. Deus criou o homem e lhe deu o poder também de criar na vida. O homem, como oleiro próprio, vai nascendo, crescendo, madurecendo e, com ânimo no conhecimento de si mesmo, consegue, com esforços, polir os erros, os defeitos mais importantes, na tentativa de melhorar a si mesmo. Mas, na sua certa impotência, entrega seus problemas a Deus, para que o ajude quando se sente incapaz nas suas superações, pois, como humano, não é perfeito.

O momento mais esperado ocorreu na aula de artes, em que, com o torno e a ajuda do Mestre Uruda, os alunos produziram suas obras de arte como: jarras, vasos, potes, moringas, cinzeiros, tigelas, etc. Durante a modelagem da argila, percebeu-se que alguns alunos não queriam participar. Os motivos eram os mais diversos: vergonha, medo, nojo da argila ou até mesmo incapacidade de produzir a obra. Possivelmente, esses alunos estavam com uma baixa auto-estima.

No torno (máquina com um prato redondo e plano, que gira com força e velocidade), os alunos colocam a argila e utilizam as mãos para pressioná-la, dar volume ou abrir covas. Como a peça gira continuadamente, todas as formas feitas ficam simétricas e arredondadas. Enquanto o torno gira, o aluno muda a posição das mãos e dos dedos para moldar a peça. Os alunos personalizaram suas peças com traços e com pinturas.

O artesão Uruda levou as peças produzidas para o cozimento em seu ateliê. Ao retornarem à escola, as peças foram expostas na praça de alimentação, juntamente com outras obras de arte produzidas durante o ano letivo. A exposição foi visitada pelos alunos das escolas e pela comunidade escolar, inclusive os pais, marcando assim o término do projeto.

Avaliação

O projeto com a argila procurou desenvolver, nos alunos, motivação, sensibilidade, percepção, imaginação, autonomia e cognição. Alunos com auto-estima baixa vivem na frustração porque têm uma negação de suas capacidades dentro do próprio eu. Nesse sentido, eles foram estimulados a participar da atividade, e muitos extrapolaram seus limites. Uma boa maneira para o aluno manter-se em grau elevado de auto-estima é tentar se conhecer na obra de arte construída, é sentir as pessoas e o mundo ao seu redor.

Nesse sentido, pode-se mencionar que trabalhar com argila na escola foi uma experiência criativa, que propiciou o aprendizado de um conteúdo sob vários aspectos. Envolver as mãos no barro foi uma atividade muito prazerosa para os alunos, que construíram com muito entusiasmo sua obra de arte. Foi um espaço aberto à aprendizagem do conteúdo nos aspectos científico e cultural. Mais ainda, tiveram a oportunidade de realizara reflexão filosófica de que nós somos um vaso sempre a modelar, nunca pronto, sempre necessitado do Divino Oleiro. Por todas as questões descritas, acredita-se que o projeto desenvolvido configura-se como propulsor de conhecimento e oportunidade para troca de saberes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental: introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.
COLL, C.; TEBEROSKY. A. Aprendendo arte: conteúdos essenciais para o Ensino Fundamental. São Paulo: Ática, 2000.
FAZENDA, Ivani C. A. Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1993.
LEMOS, R. C.; SANTOS, R. D. Manual de descrição e coleta de solo no campo. 3. ed. Campinas: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 1996.
SOBRAL, A. Internet na escola: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
WERNECK, Hamilton. Educar é sentir as pessoas. São Paulo: Idéias & Letras, 2004.

autora elenEllen Suzi Cavalcanti Lima Constantino – Mestre em Educação nas Ciências (UFRPE), especialista em Metodologia no Ensino de Biologia (UFRPE), bióloga (Fafire), professora de Ciências no Colégio Maria Tereza, professora de Ciências e Biologia na Escola Estadual Maria Rita da Silva Lessa, Recife/PE.
ellensuzi@bol.com.br

autora fatimaFátima Batista da Cruz – Graduada em Pedagogia pela Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire), pós-graduada em Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo), graduada em História pela Universo. É professora do Colégio Maria Tereza, onde leciona Ensino Religioso e Artes; do Colégio Anchieta, ensinando Direito e Cidadania e Artes; e do Colégio Santa Catarina, ensinando Ética Religiosa.
fbtcruz@bol.com.br

autora elenMicheline Cavalcanti Lima Dias – Mestre em Educação nas Ciências (UFRPE), mestre em Novas Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação (UB), especialista em Metodologia no Ensino de Biologia (UFRPE), especialista em Informática na Educação (UFPE), bióloga (Fafire), coordenadora de Informática Educacional no Colégio Maria Tereza, professora de Informática Aplicada da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais do Cabo de Santo Agostinho (Fachuca), professora de Ciências e Biologia na Escola Estadual Professora Inalda Spinelli, Recife/PE, coordenadora de Química do Projeto Ciência Livre, do Espaço Ciência.
mcldias@bol.com.br

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