Edição 44
Profissionalismo
As Contadeiras – Uma dupla apaixonada por crianças e histórias
Marúcia Coêlho e Tania Oliveira
Boa-tarde, querido público!
Boa-tarde às fadas também!
Aqui estamos, As Contadeiras.
Para cantar, contar e encantar!
Cantando esses versos, invocamos os fluidos mágicos da fantasia e iniciamos o nosso caminhar lúdico. Fomos batizadas contadoras de histórias em curso promovido pela Fundação Gilberto Freyre. Naquele laboratório do imaginário, despertamos o nosso contador adormecido e resgatamos a criança interior que, felizmente, hoje, está bem viva dentro de cada uma de nós.
Dessa iniciação, atravessamos o portal das histórias do tudo-pode, o reino onde tudo é possível, e não paramos mais de trilhar os caminhos do encantamento.
E, para que pudéssemos criar identidade, surgiu a necessidade de dar nome à dupla. Começamos a pesquisar, e um livro nos chamou a atenção, Cazuza, de Viriato Corrêa (Ed. Companhia Nacional, São Paulo, 27. ed., p. 24). Nele, encontramos o capítulo intitulado A Contadeira de Histórias, no qual o autor retratou, de maneira saudosa, a vovó Candinha, que “Devia ter seus setenta anos: rija, gorda, preta, bem preta, e cabeça branca como algodão em pasta” e que, de tempos em tempos, visitava a fazenda, figura que nunca se apagou da sua recordação porque “Ninguém no mundo contava melhor histórias de fada do que ela”. E, assim, batizamos a dupla de As Contadeiras, em reverência às primeiras contadoras de histórias: as pretas velhas.
As nossas contações acontecem em diversos locais: escolas, creches, asilos de idosos, praças, instituições que acolhem crianças em situação social de risco, eventos de literatura, faculdades, entre outros. O nosso público, portanto, é bem diversificado. E, cada vez mais, está sendo reconhecida a importância do nosso contar.
Uma outra atividade que nos enche de alegria é a de contribuir para a formação de professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental de alguns municípios, quando vivenciamos a literatura e a contação de histórias como instrumentos essenciais para o despertar de futuros leitores.
Há dois projetos, ainda, dos quais fazemos parte e que são bastante significativos por sua inovação e ousadia: o Ler na Praça, da Biblioteca Pública do Estado (às primeiras sextas-feiras do mês, às 10:00 e às 15:00, no Parque 13 de Maio – Centro do Recife) e o Encontro em Conto, que se realiza nos diversos prédios do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
Nas nossas apresentações, temos um cuidado especial em “aquecer” o público para transportá-lo, de modo suave e cativante, ao mundo das histórias. Músicas, danças, brincadeiras e adivinhas precedem à magia dos contos.
Nesse nosso caminhar, estamos em contínua renovação, sempre nos fazendo contadoras, em busca de novas emoções. E a nossa esperança, como maior recompensa, é a de estarmos contribuindo para que mães e educadores sintam que a criança precisa brincar, vivenciar o lúdico, e que a literatura infantil faz parte desse prazer. Há uma visão distorcida de que brincar, ler e escutar histórias são coisas irrelevantes, de somenos importância. Mas fazemos nossas as palavras de Marly Amarilha, para quem “Brincar é coisa muito séria, e, além de tudo, a atividade lúdica que a literatura oferece desenvolve na criança uma atividade positiva para com a aprendizagem, com a sala de aula, com a escola, pois o lúdico é estimulante, apaixonante, envolvente, mobilizador” (Estão Mortas as Fadas? Petrópolis: Vozes, 2004. p. 56). E, parafraseando Amarilha, deixamos um convite para que brinquem com palavras, brinquem de contar histórias, de ler histórias. Brinquem com literatura e sejam felizes.
Para provocar a sua imaginação, leia o reconto!
O vestido rasgado
De Figueiredo Pimentel, reconto de As Contadeiras
Ivone voltou hoje muito triste da escola. O que teria acontecido? Teria feito algo errado? Não. A professora ficou muito satisfeita com ela.
Foi isto: quando ela se levantou da cadeira, rasgou o vestido sem querer.
E que buraco! A menina precisava consertá-lo porque sua mãe, uma pobre lavadeira, voltava para casa sempre muito cansada.
Como estava escuro, Ivone acendeu o candeeiro e foi procurar a caixa em que a mãe costumava guardar todos os retalhos.
“Aqui está um azul, da cor do meu vestido”, pensou Ivone, estendendo o retalho.
Tirou o vestido, colocou um xale nos ombros e pôs mãos à obra com tanto empenho que nem notou a chegada da mãe.
— Aconteceu alguma coisa?, perguntou-lhe chegando perto da filhinha. Está consertando o vestido? Você o rasgou? Olha que seria uma desgraça, porque você não tem outro nem há nenhum pedaço de pano azul.
— Há, sim, mamãe, respondeu a menina, mostrando-lhe o vestido.
— Pois eu pensava que não havia, mas estou contente, pois você sabe muito bem fazer o conserto.
— Já sei, respondeu Ivone, brilhando-lhe os olhos.
Naquela manhã, levantou-se, tomou banho, vestiu-se, olhou para o vestido e chegou até a janela para examiná-lo de mais perto.
— Olhe! Mamãe! Mamãe!, gritou ela chorando. Venha cá ver. Não é que coloquei um retalho verde no meu vestido azul? O que vou fazer agora? Não posso ir à escola com esse vestido assim!
— Como foi isso? Você não sabe que, às vezes, à luz do candeeiro, o azul se confunde com o verde, e o verde com o azul? Mas, por causa disso, você não vai deixar de ir à escola. E a mãe de Ivone teve uma ideia:
— Coloque seu avental, talvez ele esconda o remendo.
Ivone vestiu o vestido e colocou o avental. Que nada! O avental era pequeno, e o retalho verde continuava à mostra.
— Lembrei-me de uma coisa! Coloque a bolsa da escola mais para trás e, assim, não se verá mais o remendo.
E, assim, lá se foi Ivone para a escola e, com o cuidado que ela teve durante a aula, ninguém reparou nada.
À saída, porém, esqueceu-se do vestido remendado. Colocou a bolsa da escola num canto e começou a brincar com as colegas. Não brincou muito tempo, porque logo notou duas meninas que olhavam para ela às gargalhadas.
De repente, lembrou-se do vestido, ficou muito envergonhada, e duas lágrimas rolaram pelo seu rosto. Pegou a bolsa e saiu.
* * *
Gostou? Aguarde o restante do reconto na publicação, em breve, do livro de As Contadeiras.
Marúcia Coêlho é contadora de histórias, procuradora da Fazenda (aposentada), pós-graduada em Literatura Infanto-juvenil.
E-mail: coelhomarucia@gmail.com
Tania Oliveira é contadora de histórias, pedagoga, pós-graduada em Psicopedagogia.
E-mail: taniaoliveira1403@gmail.com