Edição 94

Espaço pedagógico

CÉLESTIN FREINET: o homem e suas ideias A reinvenção da prática docente

Denise Tinoco

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Um grande educador! Essa máxima deve ser conhecida e reconhecida por todos que ousam pensar e fazer educação pelo mundo afora. Porém, antes disso, é preciso conhecer o homem: Célestin Freinet. Suas primeiras experiências com a escola, na condição de aluno, foram detestáveis e frustrantes. Freinet, como ficou conhecido, nasceu no dia 15 de outubro de 1896, numa família de oito filhos, na vila de Gars, povoado da região da Provença, nos Alpes Franceses. Viveu sua infância e parte de sua juventude na área rural. Sua condição de vida, humilde, mais tarde influenciou na sua pedagogia. Foi pastor de rebanhos, desenvolveu ideias e estilo de vida, forjado pelo modo de produção artesanal, bem como comportamentos e valores de homem do campo. Assim que iniciou seus estudos no curso para o Magistério, teve seu sonho interrompido pela explosão da Primeira Guerra Mundial. Foi obrigado a se alistar no Exército Francês. Porém, uma intoxicação por gases, nos campos de batalha, o deixou com uma lesão pulmonar para o resto da vida. As tristes experiências da Guerra, aliadas à sua condição de inconformado social, foram determinantes no fortalecimento do seu modo de ser. Tornou-se um pacifista e, ao mesmo tempo, um homem engajado nas causas sociais.

Foi um crítico feroz da escola e dos métodos tradicionais de ensino. Em 1920, Célestin Freinet começou a lecionar na aldeia de Bar-sur-Loup, onde pôs em prática alguns de seus principais experimentos, como a aula-passeio e o livro da vida. Com a compra de um tipógrafo, em 1925, Freinet intensificou sua escrita e seu modo de pensar e fazer educação. Começou a escrever jornais com seus alunos, a dialogar sobre formas de aprender e a trocar correspondências com escolas da região, sempre questionando o modo de pensar e fazer educação e compartilhando suas ideias, para a época, revolucionárias.

Neste mesmo ano, conheceu sua mulher, a artista plástica Élise, que entrou em sua vida como ajudante na escola e foi sua companheira da vida inteira. Élise tornou-se também a maior incentivadora do trabalho de Freinet. Ao seu lado, viveu momentos de alegria, como o nascimento de sua filha Madeleine, a fundação da escola do casal (1930) e a disseminação das ideias que Freinet tinha sobre educação. Porém, viveram também momentos tristes. Com o crescimento da troca de correspondências entre Freinet e outras escolas da região, com a difusão de suas ideias sobre educação, apareceram também grande hostilidade e desconfiança sobre suas intenções, principalmente pelos conservadores franceses. E Freinet foi exonerado do seu cargo de professor na escola em que atuava. Sem se abalar, ele e sua fiel companheira fundaram a Escola Freinet. Além das perseguições ideológicas, sofreu com a prisão, em 1940, na Segunda Guerra Mundial. Freinet, já comunista, tornou-se uma ameaça ao ideário da época. Mesmo preso não deixou de lecionar. Na cadeia, ensinou aos companheiros. A prisão, no campo de concentração de Var, trouxe o agravamento do seu estado de saúde, sendo acometido por grave doença. E, mais uma vez, Élise foi decisiva em sua vida. Com muita luta, sua esposa conseguiu sua libertação. No final dessa década, fundaram a Cooperativa do Ensino Leigo(Icem) e lutaram por uma educação melhor, voltada para a transformação social. Suas ideias de escola moderna foram rapidamente absorvidas por vários países, inclusive pelo Brasil, com a criação do Movimento da Escola Moderna. Freinet morreu em 1966.

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Célestin defendia que os alunos fossem em busca do conhecimento de que necessitassem em bibliotecas nas escolas. Defendia autocorreção para exercícios de Matemática, dentre outros

Após (re)conhecer a vida e os feitos do homem Célestin Freinet, fica fácil entender a força de suas ideias. Freinet se inscreve, de forma histórica, entre os educadores que fizeram parte do Movimento da Escola Nova (1920). Percebiam a escola como aberta à sociedade e centrada nas necessidades do aluno. Mas Freinet foi além. Para ele, era necessário e urgente transformar a escola por dentro, pois é exatamente ali que se manifestam as contradições sociais. Na teoria desse educador francês, o trabalho e a cooperação vêm em primeiro plano, a ponto de defender, em contraste com outros pedagogos, incluindo os da Escola Nova, que “Não é o jogo que é natural da criança, mas, sim, o trabalho”. Seu objetivo declarado é criar uma “escola do povo”. Dessa forma, aproximou-se dos ideais da Escola Moderna.

Formar um cidadão livre e criativo que seja capaz de conhecer e transformar sua realidade, de forma emancipatória, não é tarefa fácil, por isso Freinet acreditava que a escola deveria educar pela prática, o mais próximo possível da realidade das crianças e dos jovens. Vale lembrar que o pedagogo francês era contrário ao uso de manuais em sala de aula, sobretudo as cartilhas, por considerá-los genéricos e indiferentes aos anseios e às necessidades das crianças. Defendia que os alunos fossem em busca do conhecimento de que necessitassem em bibliotecas nas escolas. Defendia autocorreção para exercícios de Matemática, dentre outros.

Sua teoria deu o devido valor ao êxito, e não ao erro. Pois, em sua concepção, o fracasso desequilibra e desmotiva o aluno. Foi um grande incentivador da leitura e escrita emancipatória. Afirmou que esta deve servir como mediação cultural. Pois, por meio dela, pode-se entrar em diferentes culturas, enriquecer a experiência pessoal e a do outro também. Sendo a escola, dessa forma, parte da comunidade e facilitadora dos anseios do povo.

Ao longo do meu cotidiano docente, já experimentei várias práticas docentes inspiradas em sua teoria. Porém destaco um projeto realizado com crianças da Educação Infantil, pais e colegas de trabalho, numa escola onde trabalhei. Ele teve como objetivo aproximar os pais da escola e fazer com que eles participassem mais da vida do filho no cotidiano escolar, realizando atividades como Hora da Leitura (quando um pai, uma mãe ou outro membro familiar lia um livro, escolhido pela criança, para toda a turma); entrevista sobre o trabalho deles, com confecção de murais feitos pelas crianças; receita deliciosa da minha família (resume-se em apreciar um bolo, biscoito ou outro prato preferido da criança e trazido para a partilha com os pequenos pela família). Mas a prática mais querida por mim foi sem dúvida o Dia da Família, quando todas as família e tipos de famílias se reuniam para uma manhã repleta de partilha e atividades lúdicas na escola. Isso parece corriqueiro na atualidade, porém tais atividades foram desenvolvidas nos meados do ano de 1997 e me renderam até reconhecimento por mérito, junto à escola.

É isso! As práticas de Freinet possibilitam a modernização da escola e os fazeres dos professores. Para ele, a curiosidade, a criatividade e a cooperação são as principais molas para a condução de uma prática responsável, crítica e social. Pedagogia do trabalho, do êxito e, acima de tudo, a pedagogia do bom-senso marcaram sua teoria. Suas práticas mais conhecidas, difundidas e até mesmo utilizadas, sem o devido reconhecimento, principalmente na Educação Infantil, são: aula-passeio, elaboração de cartas correspondência entre turmas ou escolas (para que os alunos possam não apenas escrever, mas serem lidos), jornais de classe, mural, livros da vida, textos livres, experimentações e cooperativa escolar.

Na docência universitária, não me afastei das ideias de Freinet. Destaco um trabalho desenvolvido em 2013, quando desenvolvi um projeto com minhas alunas, explorando as músicas de Vinicius de Moraes. Depois de contextualizar a música Samba da Bênção, propus uma exposição de fotografias autorais que expressassem a ideia da música: “É melhor ser alegre que ser triste”. A atividade foi um sucesso, e o mural foi muito visitado pelos alunos da Pedagogia.

Professor, você conseguiu se reconhecer ou pensou em se inserir na prática de Freinet? Ele influenciou e continua influenciando todos nós, quando nos obriga, por meio de seu legado, a repensar, cotidianamente, nossas práticas e a forma com que nos relacionamos com nossos alunos e com a comunidade que nos cerca.

Denise Tinoco é pedagoga, professora universitária e especialista em Educação Infantil e Psicopedagogia.

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