Edição 30

Em discussão

Competência Estratégica da Liderança

Armando Correa de Siqueira Neto

Resumo

Grandes dificuldades são encontradas em cada trabalho que demanda a cooperação de membros que atuam numa determinada equipe. As pessoas têm demonstrado uma visão mais crítica acerca de sua participação nas atividades profissionais e, por essa razão, desejam compreender melhor o que as motiva, consciente ou inconscientemente, a se harmonizar e encontrar caminhos para a solução em grupo, através de propósitos compartilhados de seus problemas cotidianos. Algumas estratégias educacionais focalizam o uso adequado de dinâmicas cuja finalidade é provocar a autopercepção e compreensão a respeito dos aspectos psíquicos e da sua implicação na rede de relacionamentos. Para tanto, o papel da liderança assume uma responsabilidade vital, baseada em competências que ultrapassam, em muito, a referência oferecida apenas pela posição hierárquica.

Abuso de poder e reflexão crítica

Não é tarefa simples desenvolver atividades que envolvam duas ou mais pessoas. Ao se tratar de um único ser humano, já se tem uma complexidade de fatores presentes em seus processos psíquicos, tais como motivação, criatividade, objetividade, bom senso, etc. O que dizer quando há mais gente, formando, assim, um grupo de trabalho? Essa preocupação é antiga e ainda requer uma boa dose de estudos e acompanhamento por parte de uma liderança competente. O papel do líder é crucial para a equipe que pretende potencializar os seus recursos em prol de um determinado objetivo.

Deve-se ponderar a respeito de alguns aspectos presentes nas relações interpessoais da vida grupal, a exemplo do tipo de política que uma organização possui, levando muitos de seus profissionais a se relacionarem com determinado grau de competição entre si. Tal fato, muitas vezes, acontece de maneira sutil, tendo em vista a dimensão que possui a hierarquia organizacional e o seu poder. Contudo, alguns colaboradores já questionam, de forma crítica, as razões pelas quais se dá este processo invisível do uso abusivo do poder. O pesquisador social Gareth Morgan descreve:

Vivo numa sociedade democrática. Por que deveria ter de obedecer a ordens do meu patrão, oito horas por dia? Ele age como um ditador sanguinário, dando ordens à nossa volta, dizendo aquilo que deveríamos pensar e fazer. Que direito tem ele de agir dessa forma? A companhia paga os nossos salários, mas isso não significa que tenha o direito de comandar todas as nossas crenças e os nossos sentimentos. Certamente ela não tem o direito de nos reduzir a robôs que precisam obedecer a todo comando.

As pessoas desenvolvem uma nova mentalidade e, com isso, transformam-se, fortalecem-se e ganham em autonomia. Demonstram, portanto, os seus reais desejos. E, ainda, modificam, conseqüentemente, a sua concepção acerca de si próprias, levando em consideração sua subjetividade, suas capacidades, sua consciência crítica e suas necessidades de auto-realização.

Motivação e gestão de equipes

Há evidências que apontam para uma reestruturação no modelo de como gerir pessoas, especialmente as equipes. Note-se que o modelo de liderança baseado apenas na posição hierárquica organizacional já não consegue estimular a motivação daqueles que participam de uma dada tarefa. Isso é explicado pelo fato de o ser humano agir dinamicamente com a sua consciência e inconsciência. Nos relatos de Freud, encontram-se as explicações para muitos comportamentos humanos, sobretudo aqueles de que não se tem controle e chocam por sua natureza agressiva. Ou seja, está presente, no ser humano, o Princípio do Prazer, que o leva a buscar tudo o que lhe apetece. Por outro lado, a educação e as regras recebidas cerceiam muitos desses desejos, através do que se denominou Princípio da Realidade. Portanto, quando alguém sofre algum tipo de pressão — que é sentida conforme a estrutura e a dinâmica pessoal —, contrariando, assim, a sua natureza, a resposta colhida virá por meio de algum mecanismo de defesa. Um exemplo que ilustra bem essa passagem é quando alguém é forçado a participar de uma atividade em grupo sem ao menos ser consultado sobre as suas necessidades e aspirações — como se a ordem dada bastasse para tal — e, de maneira inexplicável, esse membro causa um mal-estar no conjunto, ao manter-se fora do ritmo coletivo, ou, pior, desconcentra e irrita os outros, usando um tom de voz de pouca amabilidade, ou faz sugestões despropositadas ao que se tem como foco de discussão. Nesses casos, a motivação encontra-se represada ou mal dirigida no colaborador pressionado. Ele não consegue reunir a sua carga motivacional ou a usa na via contrária das finalidades estabelecidas. Ele é julgado pela severidade dos olhares ou até das queixas oriundas dos colegas ou do chefe. E, nesse processo bola-de-neve, os mecanismos de defesa ganham em força e ação, piorando, gradativamente, a situação, que emplaca em conflitos altamente estressantes. O líder despreparado e com pouca competência de suas pertinentes funções nada percebe de profundo, não alcança as causas ou, lamentavelmente, não evita o desencadeamento do triste fenômeno — que nasceu, em boa parte, da sua ignorância acerca dos princípios básicos que regem a psicologia humana e as suas teias de relacionamento. Ser líder requer muito mais do que é apregoado por aí!

O que se focaliza nesta análise é a motivação presente nas atividades grupais; peça-chave para a abertura da porta mental que faz desabrochar grandiosidades mediante o clima que se instala favoravelmente. Segue-se que saber a respeito dessas relevantes questões pode aumentar as chances de êxito nas relações pessoais e, destacadamente, nas organizacionais.

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Estratégias de liderança para a mobilização humana

Sabe-se que a mistura de alguns itens essenciais ao trabalho em grupo conta com uma boa definição sobre o que se pretende, determinando, assim, os objetivos a serem alcançados. A confiança entre os seus membros e a liderança deve embasar o relacionamento. A abertura e a comunicação estimulam o processamento da criatividade e o fluxo das idéias. O respeito à diversidade estreita os laços de cordialidade. A aprendizagem livre estimula todos à mudança. O método oferece amparo e margem de segurança, sem tolher a gênese criativa. Todavia, lança-se um pouco mais de luz sobre o tema quando se considera a maneira pela qual se constrói a tarefa no grupo. Ou seja, a estratégia adotada para mobilizar o máximo de colaboradores. Trata-se da utilização de dinâmicas de grupo nos cursos ministrados, as quais oferecem uma enorme fonte de aprendizagem. Não obstante, elas podem servir muito mais como um entretenimento do que como uma oportunidade de se abstrair o essencial das pessoas e a sua unidade no conjunto. A percepção, o conhecimento e a articulação dos dados presentes na dinâmica são vitais para o diagnóstico, a reflexão, a interpretação e a devolutiva, haja vista os avanços que podem ocorrer em cada um dos membros que fazem parte deste momento educacional. A falta de compreensão sobre essa situação e a inexperiência de quem conduz os trabalhos pode ocultar bens valiosos que surgem durante o processo do jogo educacional: a expressão de idéias, aspectos da personalidade, originalidade, problemas, etc. Isso faz muita diferença.

Relato de caso sobre o autoconhecimento compartilhado

Ao longo de algum tempo, aplicando variadas dinâmicas de grupo, foi possível observar o comportamento treinado dos colaboradores, fruto do polimento recebido no convívio social. Entretanto, o inconsciente também se apresenta, por meio dos comportamentos, com maior liberdade, visto as atenções estarem voltadas para a solução dos problemas apresentados. É feito o registro de cada movimento evidente, e pergunta-se aos participantes o que sentem durante o evento, podendo, então, ser objetivo e mais seguro quanto às anotações dos elementos subjetivos. Normalmente, o ambiente é inundado pelo espírito de missão, maior nível de concentração, percepção mais aguçada, unidade grupal, motivação, liderança situacional, colaboração, sintonia, entre outros. Todavia, com o transcorrer da dinâmica, conforme a dificuldade proposital se avoluma, percebe-se a desmotivação em algumas pessoas, relativo desentendimento e, principalmente, a desconfiança. Tal fato é explicado pela análise psicológica que aponta a desconfiança como um mecanismo de defesa mediante o grau de frustração vivida, o estresse da pressão ocasionada pela competitividade e a autocobrança. Em alguns casos, chega-se a evidenciar a desistência, através da postura de cruzar os braços e silenciar, eliminando qualquer tipo de contribuição.

Posteriormente, a discussão se desenrola baseada nos registros realizados, dando credibilidade a todos os presentes. A compreensão de que se pondera com base no que aconteceu entre os colaboradores, naquele momento, dá testemunho acerca da veracidade. Abrem-se os canais de comunicação para a análise do raio X ali exposto. A cada passo dado nessa direção construtiva, novos e intensos insights surgem. É como ter a chance de olhar para dentro de si — também com o reforço comunitário e desinibitório — e compreender coisas que antes não se permitia, em virtude de o autoconhecimento ser pouco difundido e praticado, além dos estímulos externos, que sempre nos mantêm mais voltados para o mundo externo.

Outra consideração feita é sobre a harmonia que se instala durante alguns momentos da atividade, levando os grupos de colaboradores a se coordenarem com excelência entre si, a exemplo das mãos que manipulam o material de exercício. Percebe-se afinamento e empenho. As pessoas se auto-regulam, e isso também é percebido em seus tons de voz, tornando-os um convite à participação dos demais da equipe e, em escala maior, não atrapalhando os outros grupos. Todos trabalham dessa forma. É como se houvesse uma percepção mais refinada e sutil, que percebe e controla a dinâmica das equipes, permitindo, assim, o avanço dos exercícios. Raramente alguém se dá conta desse interessante fenômeno. Os membros tomam consciência do ocorrido na hora da discussão e da análise. Contudo, nos momentos de alta concentração, eles não têm a menor noção do fato. Embora a concentração motivada roube-lhes o cenário ao redor, a refinada percepção capta e manipula as variáveis presentes. Nesta altura das ponderações, os olhos dos participantes encontram-se com um brilho incomum. Entende-se que é possível extrair mais de si quando se tem um objetivo à frente, compreendendo-se as suas razões claramente. As pessoas não querem mais realizar tarefas sem entender do que se trata exatamente. Também se releva o desafio que elas terão durante a execução da dinâmica. Outro aspecto é a liberdade que elas têm, levando-as à quebra de paradigmas, tanto de utilização dos espaços (mesa, cadeira, chão, outros ambientes próximos, etc.) quanto das criações emergentes e sempre bem-vindas.

A liderança competente aprende a cada nova situação, compartilhando todas as descobertas com os seguidores, que, por sua vez, são influenciados e influenciam nesse tipo de atmosfera. As dificuldades de uma gestão de liderança demonstram estar mais centradas no conhecimento e na prática das relações humanas mais aprofundadas. Está no relacionamento e no que se aprende com ele, o saber necessário para aperfeiçoar o crescimento e a dinâmica dos membros da equipe. Propósitos compartilhados abrem uma dimensão sutil para que a comunicação entre as pessoas ganhe em fluxo e compreensão, reduzindo, portanto, as distorções e as meias-palavras. Os efeitos dessa harmoniosa operação grupal são refletidos em resultados mais brilhantes e, destacadamente, na evolução e na motivação dos colaboradores.

Referências Bibliográficas

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Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo e diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas. É mestre em Liderança
pela Unisa Business School.
E-mail: selfcursos@uol.com.br

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