Edição 19

Matérias Especiais

Construindo ou reformando a escola

Fabiana Barboza

“O espaço da arquitetura interfere no comportamento das pessoas, inclusive, modificando-o.” Foi a partir dessa premissa que o arquiteto Ênio Eskinazi, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), começou a pesquisar e a propor soluções arquitetônicas para os edifícios escolares, procurando dotá-los de espaços felizes.

Arquitetura é arte vivenciada! Para compor os espaços ela se vale das matérias de outras expressões artísticas. Utiliza as cores da pintura, mas faz a leitura das cores na tridimensionalidade, diferente do bidimensional da pintura. Utiliza o volume da escultura, mas as pessoas estão dentro dele, e não apreciadoras como na escultura. Utiliza o som da música, mas ordena e conduz a propagação do som nos espaços, nos ecos, nas abissais, e não na emissão do som, nas partituras, nas regências, como na composição musical. Utiliza a fotografia e o tempo do cinema, mas as imagens não são eternas, pois a cada instante, em sua eternidade, elas são diferentes, apesar da perenidade das construções. Utiliza as cenas e a marcação do teatro, porque determina, para todos os sujeitos no ambiente, situações que acontecem nos espaços projetados, e não dispõe de atores nem direção de cena.

Para transformar as escolas em edifícios mais eficazes, em espaços mais felizes, é necessário que o sistema funcional esteja bem definido em seus conceitos de atividade e função. Cada caixa consciente de sua importância no organismo. Necessária, também, a observância da austeridade e a precisão nos aspectos técnicos que se referem ao programa de necessidades e dimensionamento dos espaços, sua organização física e, principalmente, o fator emocional, traduzido pela adequação da escala humana e as proporções adotadas para os ambientes. Contemplando esses aspectos, as pessoas sentir-se-ão felizes ao usar os espaços, seja na escola ou em qualquer outra edificação.

Se pensarmos nos aspectos emocionais da escala e das proporções, perceberemos sua importância no simples ato de definir o pé-direito (altura do teto) dos ambientes. Pelo fato de ele ser muito alto, tanto o aluno como o professor sentirão a sensação do espaço intangível, grande, como se fossem incapazes de dominá-lo. No caso do pé-direito ser muito baixo, professor e aluno sentirão a sensação de peso, opressão, desconforto, como se não coubessem ali, naquele espaço, e a permanência tivesse que ser rápida e “ofegante”, não proporcionando-lhes tempo e clima para o aprendizado.

Daí, pode-se observar o quanto é importante essa definição da altura nos ambientes, para que se possa interagir com os espaços, explorá-los em sua totalidade, onde escala e proporção se refletirão positiva ou negativamente na emoção de cada pessoa.

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Organizar os espaços da escola em setores, de maneira a ajudar o desenvolvimento cognitivo do aluno, é fundamental. A forma como o espaço é definido possibilita ao aluno saber o que pode ou não pode, os caminhos a percorrer, estimula a democracia. Essa ordenação se traduz em um sistema funcional da escola, que é basicamente uma linha com a seguinte seqüência: espaço de acesso e setores administrativo, de serviços, pedagógico e de lazer.

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Desenvolvendo esse caminho, teremos o pórtico de entrada, onde estará definido o lugar de acesso à escola. A seguir, um ante-recreio, que conduzirá as pessoas para os locais administrativos – secretaria, sala de professores ou para os locais das atividades didáticas e pedagógicas – salas de aula, biblioteca, salas de atividades especiais. Mais adiante, teremos os espaços de lazer e de serviços – quadras, cantinas, sanitários e outros eventuais. Aqueles que se encaminharam para os locais das atividades didáticas e pedagógicas ainda passarão pelo recreio coberto (espaço de recepção), onde poderão se cumprimentar, se encontrar, conversar um pouco, e, só depois, se dirigir para as salas de aula ou outra atividade.

No pórtico, é preciso tomar o cuidado para que a cobertura seja ampla, tanto para fora, como para dentro do limite de acesso, pois, sendo um lugar onde haverá concentração das pessoas, elas poderão ficar abrigadas do sol e da chuva. E, se possível, deve haver um prolongamento desse mesmo pórtico até a construção do edifício-escola.

Não deve haver circulação em corredores com salas de aula dos dois lados para se evitar a sensação de confinamento e também situações em que alunos que por aí transitem perturbem os outros que estão em aula. A circulação de acesso às salas de aula mais adequada deve ser aquela onde, de um lado, teremos as salas em si e, do outro, uma área aberta (voltada para o pátio, por exemplo), por onde as pessoas circularão e para onde olharão, proporcionando uma sensação de conforto por estarem num ambiente “maior”. Caso isso não seja possível, sugere-se que as portas fiquem alternadas – de um lado, no início da sala, e do outro, no final – com um desencontro entre as portas, facilitando, inclusive, o acesso às salas de aula sem grandes tumultos.

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Outro cuidado é com as portas, que devem abrir para fora, porque na sala de aula, onde há concentração de pessoas, se houver qualquer problema (tumulto, por exemplo) e todos tiverem que sair ao mesmo tempo, ao abri-la, não serão impedidos. Caso fosse ao contrário (abrindo para dentro), seria bem mais complicado, pois, para sair, as pessoas teriam que “recuar”.

É importante cuidar das colunas e das paredes da circulação. As colunas devem ser circulares, sem quinas, para evitar acidentes. Nas paredes, geralmente se coloca uma “barra” em cerâmica, azulejo ou tinta a óleo, muitas vezes em cor escura, na tentativa de evitar que a escola fique suja. Propõe-se uma solução mais criativa: transformar a barra num espaço educativo. Ela pode ser um grande mural de cortiça, de material de lousa branca, de papel ou outro material no qual os alunos possam pintar, rabiscar, desenhar, expor seus trabalhos, enfim, fazer arte! Deve haver um cuidado com a altura dessa barra, ela não pode ser alta demais, para o aluno não se sentir “enterrado”, confinado, nem baixa demais, para ele não perder o interesse. Assim, toda a escola, na fachada, terá painéis. Independentemente do material aplicado, deve haver um arremate de madeira, para dar a idéia de moldura, já que estamos tratando das produções dos alunos. Quando isso não pode ser feito, é sugerido colocar uma barra de cor clara mantendo o arremate.

O conjunto das salas de aula deve ter um desenho retangular, para que as salas sejam “gordas”, visando uma melhor interação entre o grupo através da concentração de pessoas. Podendo adquirir, individualmente, a forma quadrada, circular ou hexagonal e nunca ser comprida, fina ou estreita, pois dificulta o trabalho pedagógico, já que as pessoas ficariam distantes umas das outras. As salas de aula devem ter aberturas (janelas) ou aplicação de elementos vazados (combogós) próximos ao teto, com cerca de 30 cm, para proporcionarem boa iluminação natural e garantir a circulação de ar.

O fator iluminação deve ser cuidado de forma especial, pois a luz natural incidirá em determinados locais de acordo com a posição do sol. Além disso, essa é uma luz forte que, ao invés de ser favorável à leitura, torna-se prejudicial devido à sua intensidade. A luz solar incidindo diretamente “queima” o material. O importante é fazer um trabalho com a angulação dos raios solares, de maneira que só penetre a luz no ambiente.

Estudos de incidência e reflexão da luz são fundamentais para obter-se a iluminação mais adequada: a luz zenital. Esse tipo de luz fica distribuída igualmente em todos os locais de trabalho (sala, biblioteca, etc.) e na quantidade ideal, nem mais nem menos. Tudo fica iluminado, mas não vemos a luz. Uma dessas soluções seria interferir na coberta, seja de telhas ou laje, onde aberturas deixariam a luz passar de forma indireta, iluminando todo o espaço igualmente.

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Outra opção é fazer a coberta em planos diferentes, inclinados ou não, com aberturas e proteções laterais, não deixando os raios incidirem diretamente, mas permitindo uma boa iluminação e exaustão do ar quente e conferindo qualidade de luz e conforto térmico.

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Há a possibilidade, ainda, de colocar no teto um assoalho convexo em lambri ou em PVC em cores claras, de preferência branca, para que a luz seja refletida, iluminando todo o ambiente.

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Quando nenhuma solução diferenciada dessas puder ser aplicada, a sugestão é colocar telhas de vidro ou plásticos translúcidos, nunca transparentes, para se ter o mínimo de iluminação garantida. O importante é lançar mão da luz zenital, pois a luz que entra só pelas janelas torna-se insuficiente, fazendo-se, quase sempre, uso de luzes artificiais (lâmpadas fluorescentes ou incandescentes), economicamente mais caras e qualitativamente deficientes como solução.

Ainda no que se refere às salas de aula, pode-se aproveitar o recuo do terreno, que geralmente “sobra” entre as salas de aula e o muro, integrando-o à sala, criando um pátio interno. Ampliando o ambiente interno, dando a sensação de liberdade sem confinamento e aproveitando o pátio interno para atividades pedagógicas (construção de horta e/ou jardim), o ensino–aprendizagem será favorecido e os acidentes por problemas físicos, como quebra de vidros ou de venezianas, serão evitados.

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Na coberta desses pátios internos, devido ao aspecto da segurança, podem ser colocados elementos vazados (pergolados, grades de ferro ou material similar) para facilitar e ampliar a ventilação e a luz. Além da horta e/ou jardim, esses espaços podem, também, se destinar às exposições de esculturas, pinturas, painéis nas paredes, aulas de arte, etc., sempre fruto dos trabalhos dos alunos.

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A biblioteca deve ficar em local estratégico, de transição, de forma que, ao fechar a escola (nos finais de semana), ela seja acessível à comunidade pelo lado de fora. Esse local, em geral, é no espaço logo após o pórtico de entrada, com dois acessos: um para dentro da escola (acesso direto dos alunos, quando a escola estiver funcionando) e outro para o ante-recreio (espaço após o pórtico), para o acesso da comunidade e dos próprios alunos nos finais de semana e feriados, proporcionando, inclusive, uma maior integração escola–alunos–comunidade.

Os banheiros precisam de cuidados especiais. Devem ser localizados na transição entre o recreio coberto e as salas de aula e ter bastante água disponível. Deve ser observado o aspecto de saneamento com o uso de cisternas, caixa de bomba e fossa, se for o caso, porque manter o banheiro sempre limpo é uma forma de educar a criança, já que é com esse exemplo que ela aprende como e por que deve mantê-lo asseado. A luz nesses espaços é importante, mas as janelas devem ser altas, garantindo privacidade. A ventilação desses ambientes também é fundamental para deixá-los sem cheiros ou mofo, tornando-os arejados, pois são locais úmidos por causa da água. O dimensionamento e o funcionamento das peças também são importantes, devendo ser regulada a altura das pias e dos espelhos para que todos os alunos, incluindo os menores, possam bem usá-los. Prestar atenção ao tamanho e à localização das lixeiras, para que atendam à demanda da quantidade de papel utilizada e estejam sempre em local estratégico, também é importante, impedindo a desorganização e a sujeira, sendo mais um elemento para a educação do aluno. Nos banheiros devem existir materiais de limpeza para facilitar a manutenção, mas, por serem tóxicos, devem ficar guardados em um móvel ou local fechado, evitando acidentes com as crianças e ficando fora do alcance delas. Prateleiras devem ser instaladas nas cabines, para que se possa, durante o uso, colocar bolsas, livros, etc. Solicitar aos alunos que produzam molduras criativas para os espelhos, pintem as lixeiras e confeccionem saboneteiras com material reaproveitado faz com que eles sejam responsáveis pela decoração e manutenção do ambiente. Um pequeno mural informativo nas portas dos banheiros não faz mal algum, e assim podem ser colocados avisos, fotos, recados. A escolha e a utilização de espécies de plantas adequadas para esse ambiente também o torna mais agradável.

No setor destinado ao lazer, o recreio coberto, geralmente tratado sem muita atenção ou interesse, a construção principal é a coberta, que tem que ser diferenciada das outras nos seus aspectos plástico e construtivo, envolvendo forma, altura, material, acabamento e cores. Quase sempre ele é um espaço aberto, sem muitas paredes, resultando num espaço lúdico de importância social e educativa para os alunos. Para as escolas que não têm recreio coberto, mas desejam construí-lo, a opção é a cobertura em forma de “onda”, podendo, ainda, utilizar diversas cores na sua pintura. Dessa forma, é possível estimular a sensibilidade e, conseqüentemente, a aprendizagem do aluno. Ainda para melhor aproveitamento, é possível a pintura embaixo do teto, de painéis criados pelos próprios alunos.

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No espaço contíguo ao recreio, o pátio, pode ser construído um palco tipo arena (porque proporciona maior interação entre o público e os atores) para apresentações artísticas ou esportivas.

Deve-se ter cuidado quanto à escolha do local de realização das atividades esportivas. Esse espaço deve ficar separado das salas de aula, de maneira que os alunos que estiverem estudando não vejam os outros jogando, correndo, pulando, etc., para não perderem a concentração nem ficarem se sentido “mal” na sala porque estão com vontade de estar no lugar dos que estão na aula de Educação Física ou de Recreação, por exemplo.

As cantinas devem ficar junto ao recreio coberto, com as mesas corridas e coletivas, proporcionando maior interação entre os alunos. Esse espaço pode ser considerado um dos mais importantes locais de aprendizagem, já que nele os alunos poderão exercitar o respeito ao limite dos outros, os horários das refeições, as possibilidades de brincadeira ou não, os comportamentos à mesa, etc.

As lixeiras devem seguir as especificações da coleta seletiva, para que o lixo reciclável seja realmente aproveitado. Cuidados também devem ser dirigidos à escolha correta do local e dos recipientes destinados ao lixo orgânico, que devem ser tampados e facilmente manipuláveis, para melhor deslocamento até a coleta. Inclusive, pode ser feita uma composteira na escola para transformar o lixo orgânico em adubo, abastecendo os pátios internos (horta e jardim) e a comunidade. A quantidade de lixeiras será determinada pela observação e pelo bom senso, dependendo do volume de lixo produzido, mantendo o hábito das pessoas de jogar o lixo nos lugares corretos. Sugere-se que a cada dez metros seja instalada uma lixeira. Todos esses cuidados, além de serem educativos, buscam evitar odores desagradáveis, contaminação e atração de moscas, insetos, ratos, etc.

O piso de toda a escola deve ser nivelado, permitindo maior acessibilidade das pessoas, e em lençóis (grandes pisos inteiros, sem juntas, resistentes, de fácil manutenção e antiderrapantes), incluir rampas, onde fique garantido o fácil acesso aos portadores de necessidades especiais. Reconhecer essas diferenças significa valorizar a cidadania e, nesse aspecto, as edificações devem eliminar todas as barreiras arquitetônicas que impeçam a acessibilidade aos ambientes e o seu uso por pessoas que apresentem qualquer dificuldade de locomoção. As soluções devem atender às normas técnicas brasileiras, que legislam sobre rampas, corrimãos, sanitários, portas, maçanetas, comunicação visual e muitos outros.

A arte nas calçadas, nos corrimãos, nas molduras dos espelhos, nas porta-lixeiras, nas paredes, traduzida em cores, mosaicos, colagens, feita pelos próprios alunos e em todos os locais, é fundamental para que os ambientes sejam mais receptivos e aconchegantes.

O paisagismo deve estar sempre presente, mas sempre vinculado ao conforto ambiental da escola, utilizando-se mudas regionais e frutíferas, proporcionando sombras e oportunidade de reconhecimentos didáticos, afetivos e científicos.

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Enfim, a ordenação desses espaços de forma clara é imprescindível para a construção do conhecimento do aluno, da qual a arquitetura se tornará um instrumento, um recurso de ensino–aprendizagem através da percepção da ordem, dos limites, das possibilidades, dos direitos e deveres na formação de um cidadão feliz.

Serviço: Ênio Eskinazi é arquiteto, professor de planejamento arquitetônico na UFPE, com pós-graduação em Ensino e Aprendizagem Superior (UFPE) e Conforto Ambiental (USP), membro do Colegiado de Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, coordenador de planejamento físico da UFPE e participante do convênio UFPE/Prefeitura do Cabo – Secretaria de Educação 1997/1998.
Colaboração: Simone Thé, arquiteta, graduada pela UFPE.
E-mail: aquatromaos@bol.com.br.

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