Edição 60

A fala do mestre

Consumo… Logo existo

Nildo Lage

Em meio às crises mundiais, potências econômicas se desfalecem em consequência do poder de destruição dos sismos e tsunamis que assolam cidades, estremecem vidas, podam sonhos, interrompem caminhadas… O Brasil ostenta uma economia em ascensão e está fora da rota dos fenômenos naturais, tendo garantia de segurança e consumo em elevação.

E, por ser peculiar do humano “vender o almoço para comprar o jantar” sem se inquietar com o café da manhã do dia seguinte, com a geração do “Clico, já existo” não seria diferente, pois, numa sociedade onde aparências abrem portas, a desenvoltura é a competência para se esquivar das bocas vorazes e não se converter em alimento da própria espécie.

Como a grandeza do homem tem a dimensão dos seus sonhos, a magnitude do seu “pensar” é tão poderosa que estar “na fita” é o ápice e, para tal, basta se posicionar no portal do universo das causas possíveis para carimbar o passaporte que permite o acesso ao mundo dos devaneios. Consumir é a consolidação que nutre o anseio do “ser destaque”.

Para medir esse grau de influência, com muitos se candidatando a ser capturados pelos flashes, uma lista de exigências é posta na passarela — a iniciar pela roupa, o prato, o carro, a casa: a posição social. Elas direcionam a pontaria para atingir o alvo mirado: status. Ponto estabelecido pelo ego, que, com um simples gesto, se inflama; com um toque, se exalta; um momento de encantamento é o suficiente para ser e se sentir no centro do Universo.

A necessidade de experimentar esse júbilo impele muitos a apelarem para o consumo por crerem que o existir está no ter e a buscarem esse ter para ratificar conquistas que salientam às pessoas, ao mundo, que o seu poder emana do querer. E, como querer é poder, eles querem e podem, indiferentes a quantos e tantos terão que ultrapassar.

É com essa convicção de poder, para atender à vontade do íntimo, que o eu perde o vínculo com a razão para viver o agora como instante último de uma trajetória onde o “ser destaque” é simplesmente tudo. Seja para sobrepujar desenganos, traumatismos, adversidades, fracassos… Para muitos, consumir é um sedativo capaz de suavizar as dores da existência.

Desse desejo insaciável de receber a geração de esfomeados, nasceu, na América do Norte, o primogênito do capitalismo: o marketing, que não mediu esforços nem poupou recursos e artimanhas para converter marcas em desejo de consumo, tornando-as referência na vida das pessoas a ponto de criar um elo entre a marca e eu — consumidor compulsivo. Essa ligação de fidelidade converte-se num relacionamento íntimo, no qual um se torna o complemento do outro, gerando manias em mentes condicionadas.

E assim se transformou num vilão que não preservou idade, não poupou classe social, não respeitou cultura ou religião… O seu poder é incalculável. Ninguém o conteve do propósito de fazer dos Estados Unidos o país mais consumista do mundo.

A sua eficácia foi tamanha que impeliu o ex-presidente George W. Bush a criar uma trincheira de defesa para abrigar consumidores compulsivos, sancionando a lei que pune, com uma salgada multa, a empresa de telemarketing que ligar para telefones cadastrados no Sistema Nacional Contra Ligações oferecendo produtos ou serviços.

Mas o marketing é um universo de habilidades e competências capaz de criar saídas estratégicas, veias de escape para atingir o alvo almejado, satisfazer os que têm fome e traz sempre à mão o prato para saciar a vontade de estar, gerar a energia que move o mundo capitalista, pois na sua fantástica vitrine se encontra de tudo, para todos os gostos e condições financeiras: vende-se saúde, beleza, longevidade, a fórmula da felicidade e uma lista extra para atender a vaidades, caprichos… O próprio orgulho, que determina que altos preços sejam pagos simplesmente para sobressair: “Se não obtiver o computador lançado na semana passada, meu filho entrará em crise”; “O vizinho comprou um carro novo, preciso trocar o meu nem que tenha que vender as calças ou me endividar até o pescoço”; “A minha amiga comprou um vestido naquela loja chique da Avenida Tal e é a mulher mais feliz e comentada do bairro… Também quero um”; e, assim, o “sedutor” atrai as suas vítimas, que se prostram diante das vitrines, da tela da televisão, para identificar tendências e comprar para agradar anseios e obstinações.

Mas o consumo indisciplinado não ameaça apenas o meio ambiente com seus resíduos. Esse devorador detém poderes para provocar terremotos em lares e abalar estruturas familiares. Quando um dos membros — filho, esposo ou esposa — é vulnerável às influências do marketing — que investe bilhões de dólares por ano para atingir principalmente o público infantil —, toda a família entra na mira.Esse descontrole gera brigas, disputas, conflitos entre pais e filhos, esposo e esposa, e muitos apelam para desvios — como furtos — para adquirirem o revolucionário produto anunciado no intervalo da novela.

Por que muitos permitem ser consumidos pelo consumismo?

A necessidade de consumir domina o humano de tal maneira que, para muitos, torna-se dependência; este abre mão de projetos e sonhos para, simplesmente, atender à necessidade de obter, fazendo do consumo um artifício para que seja notado.

O mercado tem pressa para saciar os desejos mais ardentes e os anseios mais inusitados e atua como um vírus no ego humano: tem uma opção sob medida para a mulher estressada com o relacionamento, a rotina, as decepções; um sedativo eficiente para a criança hiperativa; um consolo para o adolescente frustrado com as crises existenciais; e, para o homem, vicissitudes que relaxam, canalizam conflitos em momentos de júbilo; e até soluções para os problemas das famílias da era moderna, nas quais pais se suportam e criam os seus filhos com artificialidade.

De tal modo, ensinam suas crias a serem consumistas desde os primeiros passos, pois a necessidade de entretê-las é tamanha que as cobrem de mimos: videogames com jogos capazes de prender a atenção e acalmar… Celular, computador, aparelhos sofisticados pra execução de música… Uma parafernália tecnológica para suprir a atenção, o afeto, o amor e o carinho roubados pela azáfama de acompanhar o corre-corre da vida.

É impressionante como os pais contemporâneos educam suas crianças para se tornarem dependentes do consumo, dando a largada para a disputa do “quem faz mais”, pois se tornou comum chegarmos a parques e praças e nos depararmos com pequenos que são verdadeiros outdoors: na cabeça, tiaras e bonés que custam fortunas; na orelha, brincos de ouro; do ombro à cintura, blusas e camisas pelo custo que daria para vestir vários com marcas menos famosas; da cintura para baixo, calças, saias e sapatos valiosos. E, se explorarmos mais, chegaremos às partes íntimas e encontraremos fraldas e peças que fazem da Geração Z a geração das logomarcas, como ataca Frei Betto:

O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social.

Ou a abnegação do mestre Sócrates, que, passeando pelo comércio de Atenas, foi assediado pelos vendedores e dissimulou: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!”.

Há um problema que escassamente se discute: o homem não é mais um “ser no mundo” com autonomia para administrar a vida, construir sonhos e liberdade para edificar a felicidade, pois se tornou um “ser do mundo” — mercadoria rotulada e submetida a padrões sociais. O capitalismo cobra um preço que é subdividido numa sociedade cuja contabilidade é a soma de cifras, com a subtração de valores e princípios.

De quem é a responsabilidade de tamanha degradação?

Se enveredarmos pelas trilhas da sociedade do consumo — na qual somos o que vestimos, o que compramos, o que comemos; valores são negociados por méritos pessoais; e as dores e decepções são dissimuladas com maquiagens, para imperarem os aspectos —, um “banho de loja” pode fazer total diferença para prender olhares, despertar cobiça e interesse.

Essa orexia banaliza o consumo, fazendo com que a mídia se torne um instrumento de inseminação que lança raios de interferência em todas as direções para despertar emoção, sentimento, prazer, satisfação… E intervém no radar humano, que se desorienta, levando a própria vida por desvios onde muitos se perdem, fracassam e não reencontram a porta de saída, transformando o extraordinário em pesadelo quando essa vontade ultrapassa os limites da razão e se converte em doença.

A partir desse ponto, não se domina a vontade, o desejo… pois quem define o ritmo é a convulsão que asfixia a consciência. Comprar e consumir passam a ser ações involuntárias, dominadas pela aspiração compulsiva de ter, que, se não for contida, tornar-se-á crônica, exigindo internação e tratamento psicológico, além de auxílio com antidepressivos e ansiolíticos.

Mas o surto de oneomania avança com tamanha velocidade que especialistas não conseguem medir sua proporção. Muitos chegam a sofrer alteração de humor, crises de ansiedade e, para se esquivarem, recorrem a substâncias psicoativas como drogas, álcool e medicamentos para se libertar de transtornos, como os alimentares.

Para o professor Cleicson Barbalho, do Instituto Menino Deus:

A humanidade evoluiu além da sua capacidade, e muitos não conseguem se mover se não for pela força das parafernálias tecnológicas — como celular —, cujos dispositivos fazem o mundo girar na palma da mão, substituem o trabalho humano, preveem o tempo, antecipam as tragédias… Mas esse mesmo mecanismo não proporciona a garantia de segurança para protegê-lo da febre do consumo nem protegê-lo das reações da natureza contra os atos do consumo desenfreado que vêm fazendo do planeta um espaço sem vida. Se não houver consciência para uma restauração em massa, a humanidade consumirá as suas últimas reservas para saciar a fome insaciável, sem atingir a consciência de que deveria consumir apenas para se sustentar, e não praticar o consumismo para se autodestacar.

Os resultados dificilmente agradam, pois o consumismo desenfreado leva muitos ao banco das financeiras para negociarem dívidas, como finaliza o professor:

Consumir tornou-se questão de sobrevivência, e muitos brincam de comprar, fazendo do talão de cheque e do cartão de crédito instrumentos do bel-prazer, conscientes de que, ao final do mês, a conta ficará no vermelho, pois o importante é o presente, e o presente exige sentir-se bem no agora, mesmo comprando algo que não será usado.

Esse “sentir-se bem” para muitos é consumir mais. E, dessa paixão avassaladora, nasce a classe do tipo “chegamos para devorar”, induzindo muitos a se enveredarem para um terreno que satisfaça a um desejo ainda maior para agradar o fino paladar da vaidade e a investirem alto no propósito de atrair os olhares do mundo. Olhares que provoquem discussões, gerem questionamentos, despertem inveja. Esses mandamentos são transfigurados esporadicamente para acompanhar os passos de uma sociedade fragmentada pelo “consumo, logo existo”.

A gênese do problema…

Se tentarmos chegar à procedência do enigma pela ótica biológica, encontraremos a definição, pois é impossível viver sem consumo. Afinal, a matéria exige nutrientes, água para que funcionem os mecanismos que garantem a vida aos que absorvem o ar da atmosfera — exceto algumas espécies e exemplares como o emblemático indiano Prahlad Jani, de 83 anos, que garantiu ter sobrevivido sete décadas sem ingerir comida ou água, servindo-se de suculentas refeições à base de “brisas”, no seu sofisticado restaurante macrobiótico.

No entanto, se partirmos para o terreno ambientalista, encontraremos uma legião de criminosos para condenar, a principiar pelas empresas que estimulam o consumo, mas não sabem o que fazer com o lixo da sua produção — principalmente os eletrônicos —, praticando uma sustentabilidade forjada.

Por outro lado, compreender o termo que nasceu em meio à analogia cartesiana é se arriscar por caminhos repletos de atalhos e reentrâncias, pois o homem está habituado a pensar e fazer a conexão com ideias, ambições e propósitos. Enveredar pelas alamedas do psíquico humano é de uma complexidade que desnorteia, uma vez que o ser humano pensa ser e arduamente existe, pois nem sempre pensar e querer podem levar ao lugar almejado. Do contrário, o mundo seria um aglomerado de planetas, onde cada um determinaria o clima, a rotação, a geografia e os seletos habitantes do seu universo pessoal, edificado com um simples “eu quero” acionado pelo dispositivo do pensamento.

Mas a vontade, o desejo, a ambição, a necessidade de devorar pode ser despertada por influências de agentes, confirmando que pensar e consumir podem não ser sinônimo de existência.

Esse conflito de ideias nos atira ao inusitado universo dos animais em busca da compreensão do pensamento abstrato para encontrarmos respostas em pesquisas cientificamente comprovadas, as quais fazem com que os especialistas, cada vez mais, creiam que os nossos parentes não muito distantes — gorilas, orangotangos e chipanzés — têm tamanha semelhança com os humanos que a inteligência de um desafia a intelectualidade do outro, estimulando estudos para asseverarem a grandeza dessa similaridade.

O desafio de encontrar respostas para correlacionar tamanhas paridades adiciona mais imprecisões de que a capacidade de pensar e consumir podem não proporcionar o existir, principalmente aos nossos parentes — que, segundo a ciência, são a nossa origem —, que praticam as mesmas ações e nem por isso ocupam postos de destaque no planeta.

Essas insinuações são demonstrações de que o pensar pode não ser a ponte que leva ao ser. Exceto na ficção científica, que avança no tempo para fazer o paralelo dessa evolução, como a simbolizada no filme O Planeta dos Macacos, do diretor Tim Burton, no qual o personagem Leo Davidson, um astronauta que parte para um voo rotineiro, chega a um planeta essencialmente primitivo e governado por macacos. Ele se torna refém dos guerrilheiros e, para a sua surpresa, é mantido em jaulas onde outros humanos estavam presos e eram escravizados por Thade — o comandante —, que crê que os humanos são seres inferiores e cuja serventia no planeta é servi-los como escravos.

Desse caráter, o “pensar” e o “existir” são corpos separados por barreiras para muitos que pensam e, quando avançam para a existência, tropeçam nas limitações e não conseguem existir, como acredita o filósofo dinamarquês Soren Aabye Kierkegaard, que plantou a semente do existencialismo no século XIX:

A existência corresponde à realidade singular, ao homem singular; ela (a existência) permanece fora do conceito, que, de qualquer forma, não coincide com ela. Para um animal singular, uma planta singular, um homem singular, a existência (ser ou não ser) é algo decisivo.

Esse paradigma bilateral abre questionamentos de que “pensar e existir” é um desafio, um fator de momento… Mas “consumir e existir” pode chegar a uma questão de poder, principalmente aquisitivo ou de audácia para adquirir, pois uma das regras sociais é avaliar o indivíduo pelo que ele consome.

Se desviarmos o olhar para correlacionar com a Filosofia, pela qual muitos adquirem sabedoria e habilidades para brincar com as palavras, fazer malabarismos com as frases ao ponto de transformar citações em energia para muitos, ficaremos ainda mais anfibológicos. Mas a famosa passagem “Penso, logo existo”, do desolado filósofo e matemático francês Descartes — que não acreditava na consistência do próprio eu a ponto de colocar em xeque a existência e que, na ânsia de escapar dos seus aios, recorreu a artifícios, na tentativa de materializar pensamentos que amenizassem fracassos e frustrações —, não é o caminho para quem ambiciona superar desafios.

O fato é que “pensar e existir” vira ao avesso a polaridade do dualismo “existir-ser” e “ser-existir”, como o próprio René Descartes tentou provar ao mundo com a nobre frase “Penso, logo existo”, por entender que o pensamento pode elevar o humano ao seu alvo mais alto: a felicidade plena; por crer piamente na ideia de que o cérebro habita no ponto culminante do humano: a alma — que transita num paredão onde Deus semeia o bem e Satanás o arranca, plantando o mal —, afirmando ser impossível corpo e alma se acoplarem, pois a essência que faz o homem respirar jamais atingirá a capacidade de se atrelar à matéria, provocando uma colisão violenta contra os princípios teológicos.

Mas de quem é a culpa da perversão da saúde do planeta ocasionada pelo consumismo?

Ninguém responde, pois quem ouve olha para o lado e repassa o encargo para o mais próximo ou questiona: “A responsabilidade é de quem mesmo?”.

O consumidor contemporâneo tem sempre uma desculpa convincente para justificar o seu “não fazer”. Para isso, é capaz de ir além, chegar à gênese do capitalismo para apontar esse monstro como vilão de um planeta que está sendo vítima do seu maior feito: a globalização, que popularizou produtos e, com o excesso de informações, confunde pessoas, que, simplesmente, consomem por consumir, porque consumir tornou-se moda, e ninguém quer ser encarado como antiquado.

Para atender a essa fome de comprar, o mercado não poupa tempero, pois há opções para todos os gostos: de fast-food e equipamentos eletrônicos a diversão e lazer, dando origem a uma nova cultura global, principalmente nos países cujo desenvolvimento econômico está em ascensão. Esse cuidado para atender a todos — sem exceção — tem sempre uma alternativa, pois, mesmo quando a situação chega ao extremo, quando todos choram, há um na multidão que sorri de felicidade por ter lenços para vender e secar as lágrimas daqueles que comeram tanto que se indigestam com a própria vida.

Por onde começar?

É preciso preencher os vácuos da Era do Vazio para sanar problemas invisíveis, como a depressão provocada pelos transtornos do dia a dia, a deficiência de afeto, carinho, que são ponto de partida de fracassos, tornando cada vez mais difícil compreender o comportamento do consumidor pós-
-moderno.

Administrar consumo e consumismo é missão para Sherlock, que, além de faro apurado, terá que pedir auxílio à psicossociologia e colocar em prática as estratégias de biopoder para falar a língua de uma geração que se rebela contra o próprio tempo, entusiasmada por uma mídia que visa atingir a meta das empresas — promover o consumismo —, fazendo com que o humano — vulnerável às tendências — alimente-se do agora.

Como consumir está na cultura, muitos deixam de ser humano para ter humano e enfraquecem a capacidade de reflexão, pois o íntimo, a mente, o ego quer sempre mais por ser a concepção metafísica da natureza humana, quer evoluir para ser evidência no seu meio.

Para encontrar a saída para muitos que necessitam de artifícios para serem entretidos e não se flagelarem no próprio universo, é preciso que cada um se encontre num mundo fantástico denominado eu. Pois é nesse universo que encontramos o caminho que conduz pelas sinuosas trilhas do ser e leva ao encontro de nós para existirmos como cidadãos, profissionais, através da experiência de que conquistar é importante, mas ter pode não ser o essencial para viver.

Essa consciência pode ser um alerta aos que vivem a Era do Ter Humano, pois a maioria desiste de “ser humano” para conservar o ego, que garante a ascensão da autoestima e deixa um questionamento perante tamanho apetite da Geração Z: uma vida apenas será o suficiente para satisfazê-lo?

Em meio ao transe de ter ou não ser, consumir e pensar torna-se sinônimo de existência, e é imperioso aos meios de comunicação, às escolas, às famílias e ao governo ampliarem seus olhares para promover mudanças para o consumo consciente. Pois se, de um lado, a estabilidade econômica estimula o consumo; do outro, mantém como refém muitos que não são beneficiados pelos ventos da bonança que sopram em direção contrária aos considerados “banda pobre”.

Nessa cadência de conflitos que desequilibram os que acreditam que a força para superar se centraliza no ter, atenta-se para um dos maiores males da humanidade: o vazio de sentido. É aí que o consumo se torna energia, um reflexo que ilumina os que desabam no abismo das crises existenciais e que, para não submergirem no lamaçal da própria vida, consomem na ânsia de fazer uma projeção externa de felicidade, pois somente assim conseguem conter a hemorragia do íntimo que sangra.

Mesmo com o avanço da ciência — que encontrou na engenharia genética a saída para males considerados incuráveis —, auxiliada pela biotecnologia e pelas parafernálias tecnológicas, que criaram alternativas químicas e biológicas, não se obteve a fórmula para gerar uma qualidade de vida sem destruir, pois nenhum governo conseguiu conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade. A vereda que leva à evolução promove o extermínio da fonte da vida: o meio ambiente.

E, visando não curar esse mal, o marketing assume com o mercado uma posição privilegiada, com a responsabilidade de gerar subsídios através da dose exata do remédio para os males da humanidade: montando uma clínica especializada para o tratamento da inveja pelo que não se tem e da insatisfação com o que se tem; fragmentando uma sociedade de direito, o que permite o surgimento da classe SSA — SER x SER x Achar que pode TER —, o que significa pagar em prestações a perder de vista, gastando o que ainda não ganhou para atender aos caprichos do ego.

O movimento hippie dos anos 1960 já nos alertava que o consumismo seria um passo decisivo rumo à redução da capacidade de produção do planeta se não desacelerássemos a máquina do consumo. Os que sobreviveram levam uma vida alheia ao mundo: admirados por poucos, respeitados por uma minoria e criticados por muitos.

Vivendo num mundo de predadores e destruidores, sem perspectivas de empreendedorismo, onde o alvo é exclusivamente o crescimento econômico, dificilmente a sustentabilidade reinará, e não demorará para chegarmos ao ponto que transformará o planeta num mundo de canibais, pois a humanidade passará a consumir os seus por falta de alimento. Quando chegarmos a esse estágio, a Constituição dos Direitos Humanos terá uma única lei: “Quem tiver a boca maior engole o outro”.

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