Edição 60

Ambiente-se

Crítica sobre consumo desenfreado pautado no texto de Frei Betto

Eric Renan Ramalho

Trata-se de um texto de Frei Betto e um apelo meu, na tentativa de sensibilizar as pessoas para a necessidade de olharmos para os outros e enxergar bem mais do que uma grife. Somos todos moldados por essa cultura do consumismo, esquecemos até de existir. Parece que nossa existência se resumiu a comprar, comprar e comprar…

Na sociedade neoliberal, cresce a produção de bens supérfluos, oferecidos como mercadorias indispensáveis. O consumidor, massacrado pela publicidade, acaba se convencendo de que a saúde de seu cabelo depende de uma determinada marca de xampu. Melhor cortar a cabeça do que viver sem o tal produto…

Para o neoliberalismo, o que importa não é o progresso, mas o mercado; não é a qualidade do produto, mas seu alcance publicitário; não é o valor de uso de uma mercadoria, mas o fetiche que a reveste.

Compra-se um produto pela aura que o envolve. A grife da mercadoria promove o status do usuário. Exemplo: se eu chego de ônibus à casa de um estranho e você desembarca de um BMW, acredita que seremos encarados do mesmo modo?

Para o neoliberalismo, não é o ser humano que imprime valor à mercadoria; ao contrário, a grife da roupa “promove” socialmente seu usuário, assim como um carro de luxo serve de nicho à exaltação de seu dono, que passa a ser visto pelos bens que envolvem sua pessoa.

Em si, a pessoa parece não ter nenhum valor à luz da ótica neoliberal. Por isso, quem não possui bens é desprezado e excluído. Quem os possui é invejado, cortejado e festejado. A pessoa passa a ser vista (e valorizada) pelos bens que ostenta.

O mercado é como Deus: invisível, onipotente, onisciente e, agora, com o fim do bloco soviético, onipresente. Dele depende nossa salvação. Damos mais ouvidos aos profetas do mercado — os indicadores financeiros — que à palavra das Escrituras.

Idolatrias à parte, o mercado é seletivo. Não é uma feira livre, cujos produtos carecem de controle de qualidade e garantia. É como um shopping center, onde só entra quem tem (ou aparenta ter) poder aquisitivo.

O mercado é global. Abarca os milhardários de Boston e os zulus da África, os vinhos da mesa do Papa e as peles de ovelha que agasalham os monges do Tibete. Tudo se compra, tudo se vende: alfinetes e afetos; televisores e valores; deputados e pastores. Para o mercado, honra é uma questão de preço.

Fora do mercado, não há salvação — é o dogma do neoliberalismo. Ai de quem não acreditar e ousar pensar diferente! No mercado, ninguém tem valor por ser alguém. O valor é proporcional à posição no mercado. Quem vende ocupa maior hierarquia do que quem compra. E quem comanda o mercado controla os dois.

O mercado tem suas sofisticações. Não fica bem dizer “Tudo é uma questão de mercado”. Melhor o anglicismo marketing. É uma questão de marketing o tema da telenovela, o sorriso do apresentador de TV, o visual do candidato e até o anúncio do suculento produto que prepara o colesterol para as olimpíadas do infarto. Vende-se até a imagem primeiro-
-mundista de um país atulhado de indigentes perambulando pelos sertões à cata de terra para plantar.

Outrora, olhava-se pela janela para saber como andava o tempo. Hoje, liga-se o rádio e a TV para saber como se comporta o mercado. É ele que traz verão ou inverno à nossa vida. Seus arautos merecem mais espaço que os meteorologistas. Dele dependem importações e exportações, inversões e fugas de capitais, contratos e fraudes.

É, no mínimo, preocupante constatar como hoje se enche a boca para falar de livre-mercado e competitividade e se esvazia o coração de solidariedade. Se continuar assim, só restarão os valores da bolsa. E em que mercado comprar nossas mais profundas aspirações: amor e comunhão, felicidade e paz?

O mercado desempenha, pois, função religiosa. Ergue-se como novo sujeito absoluto, legitimado por sua perversa lógica de expansão das mercadorias, concentração da riqueza e exclusão dos desfavorecidos. Já reparou como os comentaristas da TV se referem ao mercado? “Hoje o mercado reagiu às últimas declarações do líder da oposição.” Ou: “O mercado retraiu-se diante da greve dos trabalhadores”.

Parece que o mercado é um elegante e poderoso senhor que habita o alto de um castelo e, de lá, observa o que acontece aqui embaixo. Quando se irrita, pega o celular e liga para o Banco Central. Seu mau humor faz baixar os índices da bolsa de valores ou subir a cotação do dólar. Quando está de bom humor, faz subir os índices de valorização das aplicações financeiras.

Fonte: http: //www.overmundo.com.br/overblog/consumo-logo-existo.

cubos