Edição 51

A LEI Nº 11.645/08

Desde a origem,Reprodução a presença do negro

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O primeiro editor do Brasil foi um negro, o responsável por fazer circular as primeiras produções de nosso maior escritor, Machado de Assis, entre tantos outros. Mesmo assim, durante muito tempo, personagens e autores negros circularam entre nós discreta e silenciosamente, muitas vezes inviabilizados.

Há duzentos anos, em dezembro de 1809, nascia Francisco de Paula Brito. Típico menino negro do século XIX, filho de carpinteiro, iniciou sua vida profissional como aprendiz na Tipografia Nacional, que sucedeu a Imprensa Régia de D. João VI e antecedeu a atual Imprensa Nacional. Talvez o seu nome tivesse se perdido, como tantos outros na história, não fosse o seu interesse pelas artes e pelas letras. Contista, poeta, teatrólogo e tradutor, Paula Brito tornou-se, ainda muito jovem, conforme disse Machado de Assis, “o primeiro editor digno desse nome que houve entre nós”. Antes da segunda metade do século XIX, a loja do jovem editor sediava também a Sociedade Petalógica, constituída por poetas, compositores, atores, entre outras personalidades e intelectuais que tiveram grande contribuição para os rumos da história e da literatura brasileira.

Foi como aprendiz na loja de Paula Brito que Machado de Assis, por exemplo, teve os primeiros contatos com os escritores aos quais, pouco tempo depois, se juntou para escrever capítulos importantes de nossa história literária. Anos depois, o mesmo Paula Brito editou os primeiros trabalhos desse autor, cuja obra permanece tão atual e polêmica quanto à forma como ele viveu, no século XIX, a experiência de ser descendente de negros.

Fruto da resistência

Felizmente, duzentos anos depois do nascimento de Paula Brito — e mais de cem anos depois da morte de Machado de Assis —, é possível observar, no mercado editorial, a presença mais efetiva de autores e personagens negros protagonizando situações cotidianas características de uma sociedade ainda fortemente marcada pelos preconceitos.

Entre os anos de 1950 e 1980, um movimento de resistência teve seu auge com os diversos grupos que, no País inteiro, reeditavam a experiência vivida na primeira metade do século XIX. Certamente, é fruto desse movimento uma importante, mas ainda hoje pouco conhecida, produção que foi e continua sendo fundamental para que, aos poucos e lentamente, a presença do negro, personagem e autor, lance suas raízes e passe efetivamente a ocupar espaço na literatura brasileira.

Desse período, é preciso destacar alguns nomes, apenas a título de exemplo, uma vez que muitos outros também mereceriam citação: Solano Trindade, o Poeta do Povo; Oswaldo de Camargo; Oliveira Silveira; Adão Ventura; Geni Guimarães; Paulo Colina; Cuti. Esses autores são hoje referências importantes para todos aqueles interessados em conhecer um pouco do percurso realizado por artistas e intelectuais negros. Artistas que dedicam sua obra e parte significativa de sua vida para inscrever, na história e no mercado editorial brasileiro, uma produção de autores que se enunciaram como negros. Eles possibilitaram a crianças, jovens, adolescentes e adultos a experiência estética fundamental de reconhecer-se em um personagem com o qual é possível identificar-se também fisicamente, assim como acontece com a narradora-personagem de A Cor da Ternura, de Geni Guimarães, ou o narrador-personagem de Na Cor da Pele, de Julio Emílio Braz, para citar obras mais atuais e facilmente encontradas nas livrarias.

Luta viva

Produções mais recentes e especialmente dedicadas a crianças e adolescentes são assinadas por autores como Edmilson de Almeida Pereira, em seu Histórias Trazidas por um Cavalo Marinho, por exemplo. É preciso mencionar também obras como O Negro em Versos, coletânea de poemas de diversos autores do século XVIII ao século XX. E não é só isso: assim como a Petalógica, de Paula Brito — famosas rodas de poema que revelaram tantos escritores fundamentais de nossa história —, atualmente as tardes e noites das periferias das grandes cidades são marcadas pelos saraus. Estes são organizados por jovens escritores e artistas que se encontram para compartilhar sua produção e para ler, ouvir e trazer novamente à cena autores e obras que, durante muito tempo, circularam clandestinamente entre poucos.

Com esse movimento, torna-se possível falar do universo brasileiro e de suas origens a partir de perspectivas diversas, de olhares informados por outras estéticas, por outros valores. Este é, certamente, um gesto fundamental, condição para que crianças, jovens, adolescentes e mesmo adultos encontrem um pouco de suas origens e, com isso, sintam-se representados e encontrem-se, como nos diz Oliveira Silveira.

Para saber mais sobre o tema:

SANTOS, Luiz Carlos; GALAS, Maria; TAVARES, Ulisses (Org.). O Negro em Versos. São Paulo: Moderna.
BRAZ, Julio Emílio. Na Cor da Pele. Editora Imprenta.
GUIMARÃES, Geni. Da Cor da Ternura. FTD.
SANTOS, Joel Rufino. Gosto de África: Histórias Daqui e de Lá. São Paulo: Global.
PEREIRA, Edmilson de Almeida. Malungos na Escola: Questões sobre Culturas Afrodescendentes e Educação. São Paulo: Paulinas.

Sites:

www.museuafrobrasil.com.br
www.irohin.org.br

Filmes:

Kirikue: a Feiticeira (1998). Direção de Michel Ocelot. 71 min. França, Bélgica, Luxemburgo.
As Filhas do Vento (2005). Direção de Joel Zito Araújo. 85 min. Brasil.
Os Doze Trabalhos (2007). Direção de Ricardo Elias. 90 min. Brasil.
Neide A. de Almeida é socióloga e Mestre em Língua Aplicada ao Ensino pela PUC, São Paulo, SP.

E-mail: neide.dalmeida@gmail.com

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