Edição 91

Matérias Especiais

Educação sexual nas aulas de Ciências no Ensino Fundamental II

Ana Paula Santos Fidelis

Introdução

Em pleno século XXI vários cenários das escolas continuam os mesmos, embora os protagonistas das histórias tenham mudado. A comunidade escolar ainda apresenta bastante dificuldade em debater com os jovens a questão da sexualidade, dificuldades essas que são as mesmas enfrentadas nos séculos passados, ou seja, a predominância dos preconceceitos, tabus e hipocrisias que a nossa sociedade carrega em sua educação doméstica. As famílias julgam a sexualidade como algo impróprio, vulgar e pecaminoso, nos fazendo reféns de uma mídia que educa os nossos jovens de acordo com a sua necessidade de ampliar o público de consumidores do mercado sexual, que está sendo exposto em nossas casas através dos programas de televisão, dos sites e das conversas informais que existem entre os grupos de adolescentes. Segundo Egyto (2012), “Estamos sempre sendo educados sexualmente, seja em casa, com a postura e as opiniões de pais e filhos, seja por meio da mídia, assistindo a programas na televisão, lendo reportagens nas revistas e jornais, navegando na internet”.

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A família acredita que a escola é a única responsável pela orientação sexual de seus filhos, mas sabemos que a sexualidade do indíviduo é construída de acordo com o contexto social em que esse indivíduo se encontra inserido. Então, tanto a escola quanto a família são responsáveis pela educação sexual dos jovens. Não adianta querer jogar a responsabilidade de uma instância para a outra; o que devemos fazer é uma união entre elas, pois sabemos que escola e família são domínios que se complementam na educação dos jovens. Com essa transferência de responsabilidade, estamos negando o direito da sexualidade saudável do jovem, pois sabemos que o fato de não participarmos da sua educação sexual não significa dizer que os jovens não estejam construindo
sua sexualidade.

O silêncio em relação à educação sexual é responsável pela vulnerabilidade dos jovens. As escolas acreditam que o fato de as aulas de Ciências e Biologia promoverem projetos para combater a gravidez na adolescência ou projetos que incentivem o uso de preservativos seja suficiente para garantir a educação dos nossos jovens. Esse modo de planejar não foi eficaz no século passado, imagina no século XXI, quando os jovens têm mais facilidades de buscar informações em tempo real na internet. Precisamos mudar nossas atitudes. Os nossos jovens que ocupam as salas de 6° ano já expressam sua sexualidade de maneira indireta, ou seja, por meio de danças que exigem a questão da sensualidade tanto das meninas quanto dos meninos ou até mesmo indagando a questão da sexualidade dos animais.

E quando não falamos sobre o sexo também estamos educando. Estamos diizendo que sexo é uma coisa proibida, que não se fala disso abertamente, que não é um assunto que caiba à escola. Estamos reprimindo ou omitindo, mas, de alguma forma, estamos educando as pessoas sexualmente (EGYPTO, 2012).

Em nossas salas de aulas, enfrentamos as dificuldades de uma sexualidade que ainda não foi resolvida, mascarada em atitudes altamente preconceituosas. É incrível como os nossos jovens chamam a nossa atenção com esses tipos de comportamento expressos no seu contexto social. E mais incrível ainda é como nós, adultos, fazemos de conta que esse comportamento preconceituoso é normal e que não existe nada imoral nessa situação. Cada vez se torna mais comum encontrar jovens deprimidos por não saberem lidar com os conflitos que sua sexualidade expressa. Sabemos que esses jovens são alvos de brincadeiras preconceituosas, e o pior é que expressamos apenas verbalmente nossas indignações, pois atitudinalmente não fazemos nada para mudar esse cenário de preconceitos.

25É modismo nas escolas se tratar da sexualidade dentro de um contexto biológico, tentando fazer com que os nossos alunos entendam que a sexualidade é uma questão puramente biológica. Neste século, as escolas deixaram de lado o discurso de que a homossexualidade seria uma questão de escolha, que o indivíduo deseja viver suas experiências sexuais. Sabemos que não adianta mudar o discurso se não temos conhecimento do que realmente acontece. A escola não deve passar informações aos jovens; o dever da escola é oferecer condições para que os nossos jovens possam refletir suas atitudes e que cada um construa sua sexualidade de forma que não se sinta inconfortável.

Para resolvermos essa situação, temos que primeiramente assumir nossos preconceitos e deixar de tratar o sexo como o tabu que a nossa sociedade expressa atualmente. Segundo Valladares (2001), muitas escolas incluem no currículo de Ciências o aparelho reprodutor abordando apenas informações anatômicas e fisiológicas, essa inclusão ocorre no 8º ano do Ensino Fundamental e acaba não atingindo as expectativas dos alunos, muito menos uma visão libertadora da sexualidade.

Para eliminar qualquer tipo de preconceito de nossa sociedade, precisamos de profissionais da área de Educação que sejam capacitados para coordenar debates com os nossos alunos sobre a questão da sexualidade, sem mostrar nenhum posicionamento para que não haja indução de opiniões; quando o profissional transfere conceitos prontos está multiplicando sua opinião. Então, o papel do educador é mediar o debate entre os jovens para que cada um julgue o que é certo ou errado de acordo com os valores que carrega de sua educação doméstica, pois somos heterogêneos, e a sexualidade é uma particularidade de cada indivíduo. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p.128): “Será por meio do diálogo, da reflexão e da possibilidade de reconstruir as informações, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao outro, que o aluno conseguirá transformar e/ou reafirmar concepções e princípios, construindo de maneira significativa seu próprio código de valores”.

Metodologia

O presente trabalho foi executado durante os meses de outubro e dezembro de 2015, com a participação de aproximadamente 35 alunos do 9° ano do Ensino Fundamental II. A turma é equilibrada em relação ao quantitativo de estudantes do sexo feminino e masculino.

O primeiro momento do nosso projeto apresentou o tema à turma de forma a firmar os acordos com os estudantes.

Os acordos citados pela turma foram os seguintes:

• O assunto tratado em sala de aula deveria ficar na sala de aula.
• Os alunos não poderiam constranger nenhum colega com comentários maldosos.
• Todos deveriam participar dos debates, levantar as mãos para falar e ouvir a opinião do próximo com atenção.

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No final da aula, cada aluno recebeu uma tirinha de papel para colocar sugestões de assuntos que desejaria trabalhar. Todos os alunos deveriam depositar esse papel na caixinha que a professora levou, até mesmo o papel em branco deveria ser depositado para incentivar aqueles alunos que desejariam perguntar algo, mas tivessem vergonha. Assim, iríamos respeitar o anonimato de cada aluno, que só assinaria o papel se desejasse.

Ao abrir a caixa, a professora foi surpreendida com as sugestões de assuntos. Para atender à necessidade de todos os alunos, foi preparada uma aula com título A vulnerabilidade da juventude. De início, os alunos foram questionados sobre o que seria vulnerabilidade. Alguns não sabiam o significado da palavra, então foram instigados a pesquisarem. Depois, foram questionados novamente com a indagação: E por que os jovens estão em situações vulneravéis?. A partir desses questionamentos, entraram no tema que aborda o modismo do ficar em vez de namorar, e que nesse tipo de relacionamento não há um parceiro fixo e que, se feito de forma impensada, pode acarretar em problemas. Nessa aula, percebemos que algumas meninas também propagavam atitudes e pensamentos machistas, pensamentos que estavam enraizados em sua educação doméstica. Outras meninas que se diziam adeptas do feminismo tinham uma concepção errada do movimento devido à sua falta de informação.

27Já no terceiro encontro, foi debatido um texto selecionado previamente pela professora de Ciências, que fala da autoidentificação do ser humano. Esse encontro foi o que mais gerou polêmicas em sala de aula, pelo fato de alguns alunos julgarem a homossexualidade como algo pecaminoso, imoral e vergonhoso para nossa sociedade. Também tínhamos meninos extremamente machistas que visualizam a mulher como um objeto de consumo, devendo ser totalmente submissa ao homem.

Conclusões

O projeto se mostrou extremamente eficaz pelo fato de instigar os alunos a refletirem em relação às condições sociais nas quais a comunidade estava inserida, realidade esta que julgava as pessoas de acordo com critérios preestabelecidos por uma sociedade que exclui os que apresentavam comportamentos “incomuns” aos considerados “normais”. A partir dos comentários machistas de algumas meninas, o projeto mostrou que o machismo é também praticado pelo sexo feminino, pois é uma condição cultural de nossa sociedade, pelo fato de nossos alunos expressarem opiniões de seus pais, já que sabemos que a cultura familiar é essencial na formação do aluno. Eles aprenderam que a principal forma de se estabelecer uma sociedade igualitária seria respeitando as opiniões adversárias.

Já em relação à prevenção de DSTs e gravidez indesejada, a comunidade escolar entendeu que o preservativo é necessário para prevenir doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Mas acreditamos que os jovens precisam de acompanhamento contínuo em relação à sexualidade, pois apenas as aulas de Biologia não são suficientes para conscientizá-los sobre a importância de ter uma vida sexual sadia.

 

Referências

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/ SEF,11997, 164 p.
EGYPTO, Antonio C. Orientação sexual na escola um projeto apaixonante. São Paulo: Saraiva, 2012.
RIBEIRO, C. R. Gênero e sexualidade na escola: relato de uma educadora. Revista Ciência em Tela, Vol 1, p. 1-9, 2008.
RIBEIRO, P. R. M. (Org.). Sexualidade e educação: aproximações necessárias. São Paulo: Arte e Ciências, 2004.
VALLADARES, K. K. Orientação sexual na escola: de acordo com os novos Parâmetros Curriculares Nacionais. MEC. 2. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2001.

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