Edição 01

Matérias Especiais

Era uma vez… Leitura e escrita de contos tradicionais

“Os contos de fadas são ímpares, não só como uma forma de literatura, mas como obras de arte inteligentemente compreensíveis para a criança, como nenhuma outra forma o é.

Como sucede com toda grande arte, o significado mais profundo do conto de fadas será diferente para cada pessoa, e diferente para a mesma pessoa em vários momentos de sua vida.

A criança extrairá significados do mesmo conto de fadas, dependendo dos seus interesses e necessidades do momento.

Tendo oportunidade, voltará ao mesmo conto quando estiver pronta a ampliar os velhos significados ou substituí-los por novos.”

Bruno Bentelheim

Há muitos e muitos anos o homem já narrava. “A narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, não há em parte alguma povo algum sem narrativa” (Roland Barthes). “Na África ocidental existem os griôs, uma casta de contadores de histórias cuja missão de contar passa de pai para filho. Lá, onde a maioria das culturas é ágrafa, quando morre um velho, morre uma biblioteca. Esta tradição foi trazida ao Brasil pelos africanos e até hoje, no interior, encontramos a figura do preto velho ou preta velha” (Rufino, 1993).

Contar histórias é uma arte. Muitos de nós fomos por elas embalados e, com certeza, ainda guardamos na memória a doce recordação da infância, dos momentos carregados de afeto quando a família se reunia em volta de um livro ou simplesmente para ouvir o outro: a avó, a mãe, ou o pai, como foi o meu caso.

O mundo mudou. Primeiro foi a TV; depois, as pessoas passaram cada vez mais a sair para trabalhar, criando a dupla jornada, mudanças na família, nas relações; agora, os computadores. Não há mais tempo, dizem, as atividades passam a ser mais solitárias.

No entanto, o ser humano continua passando pelos mesmos problemas que sempre o afligiram. Os contos de fadas falam dessas questões e, como diz Betelheim (1980), junto com as narrativas míticas, os contos de fadas respondem às questões eternas: O que é o mundo? Como posso viver nele? Como posso ser eu mesmo nele?

Escolhi os contos de fadas como tema desse trabalho porque eles fazem parte da cultura universal e, portanto, a escola tem obrigação de assumi-lo; e também porque lidam com nossos arquétipos.

Perrault, Grimm e Andersen. Falar deles é falar dos primórdios da literatura infantil. Nesse gênero de texto, o leitor implícito, virtual, é sempre uma criança, que influencia no tema, na linguagem, na sintaxe, na programação visual e na visão de mundo. Todos os três recolheram histórias do povo, mas Andersen, além disso, criou muitas outras. E, por isso, é considerado o “pai” da literatura infantil.

Coube a Perrault, no entanto, criar o primeiro núcleo de literatura infantil ocidental, com a obra Histórias da Mamãe Gansa, em 1697 (Contes de Ma Mére L’Oye). A Mamãe Gansa era um personagem de velhos contos populares e muito familiar aos franceses; sua função era contar histórias para os seus filhos fascinados.

Por analogia ao costume popular europeu de as mulheres contarem histórias enquanto fiavam durante os longos serões ou dias de inverno, a vinheta que ilustrava a capa do livro mostrava uma velha fiandeira em lugar de uma gansa. Mére L’Oye passou a designar, então, não a gansa dos contos populares, mas uma velha contadora de histórias que, ao imigrar para outros países, ganhou diferentes nomes.

“A analogia contadora-de-histórias/fiandeira não era gratuita. Conhecedor da mitologia pagã, Perrault, sem dúvida, teria associado a tarefa das Parcas (tecer a vida dos homens) com o ‘tecer histórias’, que forma a rede da vida humana. Aliás, este relacionamento já deveria existir na Antiguidade, pois nos costumes europeus, desde a Idade Média, o ato de fiar (com fuso e roca) foi sempre associado à mulher, isto é, foi estritamente vinculado ao feminino (poder tecer o abrigo dos corpos e principalmente o tecer novas vidas)” (Nelly Novaes Coelho, 1991)

Olga Guimarães Germano – Pedagoga, Professora do CAP/UERJ

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