Edição 51

Esportes no âmbito escolar

Esportes no âmbito escolar:transformações, didáticas e pedagógicas

Moacir Pereira Junior

Os esportes, atualmente, são vistos como uma fonte essencial na formação
humana, porém é preciso saber introduzi-los na escola de uma forma que alcancem
os objetivos traçados pelo professor.

Um esporte não necessariamente precisa ser tematizado com vistas ao rendimento,
mas, sim, com a intenção de desenvolver competências imprescindíveis
na formação de sujeitos livres. É realizado predominantemente de forma cada
vez mais normatizada e padronizada, visando atender ao rendimento cobrado
pelas sociedades industriais.

É válido lembrar que a Educação Física é uma disciplina curricular
obrigatória, por isso se vai à aula para aprender, e
não para treinar. Muitas vezes, o contexto no qual a escola
está inserida não é levado em consideração nas aulas de
Educação Física.

Serão tratadas como foco principal, nesta pesquisa, as questões
do esporte de alto rendimento, bem como suas possibilidades
de transformação didático-pedagógica.

Entende-se que, através da transformação didático-pedagógica
do esporte, o aluno pode ter uma melhor organização da realidade
da modalidade em questão e proporcionar vivências
que não se restrinjam apenas à mecanização dos movimentos.

O objetivo a ser alcançado por essa transformação é de que
o aluno possa ter uma formação humana, aprenda valores
dentro da aula de Educação Física, como cooperação, coletividade,
confiança, determinação, prazer pela atividade física,
ou seja, valores que contribuem para sua formação humana.
Por fim, é de suma importância destacar que, na Educação
Física escolar, em especial nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
é essencial trabalhar as questões afetivas, cognitivas,
sociais, entre outras. Através da transformação didático-
pedagógica do esporte, podem-se alcançar os objetivos
citados acima nas aulas de Educação Física.

O “movimentar-se humano”

É importante que a Educação Física escolar tenha consideração
pelas experiências anteriores da criança e também pelas
experiências fora do contexto escolar, em especial ao mundo
de movimentos, como elemento facilitador na relação
professor-aluno, assim como na metodologia de ensino.

Entende-se que o movimentar-se humano é uma inerente necessidade
que estabelece uma conexão com o mundo em que
vivemos. O movimento é sempre uma conduta para algo. De
acordo com Kunz e Trebels (2006), o movimento humano,
como um “movimentar-se”, é um fenômeno relacional de
“ser humano-mundo” e concretiza-se, sempre, como uma
espécie de diálogo. A exploração e o desenvolvimento desse
diálogo abrem horizontes impressionantes para crianças
e jovens, na vivência de relações não apenas profissionais,
mas especialmente afetivas e emocionais e de sensibilidade
com a natureza e a cultura.

Nessa perspectiva, o movimentar-se é entendido como uma
forma de comunicação, que contém e constrói cultura; deve
ser entendido e estudado como uma complexa estrutura
composta de contextos e processos sociais, históricos, filosóficos
e antropológicos. O ser humano é composto de uma
cultura, de seus contextos social e histórico, e esses contextos
fazem parte direta do seu movimento, do seu “eu-mundo”.

Outra proposta da importância do movimento humano seria
na variável de um “conhecimento de si”. Esse “conhecimento
de si” é quebrado através dos movimentos feitos de forma
sistemática e técnica, das atitudes e dos comportamentos, o
que torna a criança inapta a desenvolver o “quem sou eu?”.

Um exemplo claro da permissão do “conhecimento de si”,
das possibilidades de integrar os valores através do movimento,
segundo Betti (1992), é que não basta apenas correr
em volta da quadra, e sim entender o porquê de estar correndo,
o que se pode aprender através do correr, como mensurar
a frequência cardíaca, que recomendações são feitas
em relação à duração e à intensidade da corrida, a relação
da hidratação com o exercício, entre muitos outros aspectos
que podem ser trabalhados.

Portanto, Santos (2003) ressalta que ensinar os movimentos
corporais aos alunos é muito mais do que apresentar uma
técnica correta de execução. É preciso transcender o movimento
para além da técnica, para alcançar o encontro do
aluno com seu próprio corpo.

Em todas as culturas, podem ser encontradas as mais diferentes
expressões de danças, jogos, competições, brincadeiras,
teatros movimentados. Essas manifestações e expressões
culturais se dão pela conduta e pelo sentido do
movimento humano e devem ser trazidas para dentro da
aula de Educação Física.

A tarefa da Educação Física é tornar o aluno um ser praticante,
lúdico e ativo, que incorpore o esporte e os demais
componentes da Educação Física em sua vida, levando-o,
assim, a descobrir motivos nas suas práticas. Além disso, a
Educação Física deve assumir a responsabilidade de formar
um cidadão crítico e emancipado diante de novas formas
de movimentos corporais. Como componente curricular,
deve integrar e introduzir o aluno nas mais diversas possibilidades
de movimentos e exploração corporal, para que o
aluno possa usufruir dos jogos, das atividades rítmicas, da
ginástica, das demais vertentes da área da Educação Física,
resultando em benefícios à qualidade de vida.

O esporte de alto rendimento na escola

O conceito de esporte, muitas vezes, é interpretado na visão
de treinamento, competição, rendimentos e performances.
Esse conceito se reforça através dos meios de comunicação,
que colocam o esporte como mercadoria, como espetáculo.

A preocupação com a questão pedagógica do esporte na escola
é que, em certos momentos, é posta de lado, quando,
na realidade, é necessário um incentivo à prática prazerosa
da iniciação esportiva. O que mais interessa aqui, na proposta
de Kunz (1998), é a relação do tratamento dado ao conteúdo
do esporte como um conhecimento pedagogicamente
transmitido nas escolas pela Educação Física.

Segundo o autor, o esporte, que é tratado com vistas ao
rendimento dentro do âmbito escolar, acarreta uma série
de problemas, como: formação escolar deficiente; a unilateralização
de um desenvolvimento que deveria ser plural;
reduzida participação em atividades, brincadeiras e jogos do
mundo infantil, que são indispensáveis para o desenvolvimento
da personalidade na infância.

Bracht (2000) complementa afirmando que, no esporte de
alto rendimento, as ações são julgadas pura e simplesmente
pelos resultados finais, pela derrota e pela vitória, pelo
máximo e pelo mínimo; tudo é medido por resultados como
objetivos a serem alcançados. A prática e o processo que
levam a esses resultados não assumem importância significativa
para o sistema.

Mesmo assim, é evidente que existem fatores positivos do
esporte dentro do âmbito escolar, todavia é necessário salientar
que o esporte tratado dentro da escola não deve visar

o rendimento e os resultados, deve evidenciar o caráter lúdico
e prazeroso com o intuito de desenvolver características
de formação humana.

Os aspectos positivos para quem leva o esporte de maneira
saudável e coerente são, de acordo com Kunz (1998): estimulação
do desenvolvimento corporal, psíquico e social; valorização
das capacidades individuais de imagem e concepção de
vida; vivências coletivas e atuações sociais; e ampliação de
vivências e experiências enquanto atividades de tempo livre.

É fato que, através do esporte, muitas virtudes podem ser
trabalhadas, e, consequentemente, diversos objetivos podem
ser alcançados. E, sabendo-se dessas repercussões, diversas
questões do cotidiano social dos indivíduos podem
ser trazidas para a escola e pedagogicamente trabalhadas de
forma a serem compreendidas e proporcionarem maneiras
de as crianças atuarem nesta sociedade.

Transformação didático-pedagógica dos esportes

Os esportes transformados didático-pedagogicamente podem
possibilitar ao aluno uma compreensão ampla destes,
ensinando, durante as aulas, valores que vão além de simples
movimentos mecânicos, para que, no futuro, o aluno se
torne um praticante por prazer e espontaneidade. As atividades
dos alunos ficam condicionadas aos fatores materiais
e às suas precondições físico-esportivas. Portanto, é esse
esporte, com vistas ao rendimento e à competição, que se
pretende ensinar para os alunos? Será que as brincadeiras
infantis, os jogos, as danças tradicionais não poderiam ser
um tipo de esporte?

O esporte não tem como objetivo somente a formação de
características técnicas, mecânicas; tem sentido na formação
do homem que se movimenta, o homem que tem
a necessidade de relacionar-se com o mundo à sua volta,
constituído de vida, e não um ser abstrato, possuidor de
uma história, de uma classe social ou de uma condição psicológica.
Dessa forma, Kunz (1998) afirma que o esporte tem
um compromisso educacional, um papel de encenação, ele
pode ser encenado em qualquer lugar, a qualquer momento.
E sempre que o esporte é encenado, independentemente do
motivo, possui um caráter educacional.

Toma-se, então, o foco central da discussão do esporte, que
é a competição. Em outras palavras, os alunos são preparados
para vencer, para competir, sob qualquer circunstância.
Dessa forma, o esporte é aplicado com preocupações
acerca dos gestos técnicos, busca-se a máxima perfeição da
execução de todos os movimentos para formar um futuro
aluno-atleta.

Assim, entende-se que o esporte, como conteúdo escolar,
pode possibilitar muito mais que apenas ensinamentos técnicos:
ele pode educar; pode proporcionar, ao aluno que pratica,
uma reflexão das possibilidades existentes de encarar o esporte
e praticá-lo de acordo com suas necessidades e vontades.

Aquele aluno que aprende o esporte de forma crítica e reflexiva
estará pronto para se organizar, respeitar as regras
preexistentes de cada esporte, porém estará carregado de
intenções positivas para as suas práticas, sendo flexível a
mudanças, com o intuito de que o sucesso através da prática
esportiva esteja ao alcance de todos os seus companheiros
e adversários.

Nas aulas de Educação Física, seria possível transformar os
esportes em jogos, brincadeiras, em que, especialmente,
prevaleça o lúdico, para que o aluno possa, através de ativi
dades de esportes transformados didático-pedagogicamente,
aprender não só o movimento em si, mas, sim, todos os
valores que possam estar inseridos nele, como cooperação,
coletividade, respeito, entre outros.

Considerações finais e indicações pedagógicas

Ao realizar este estudo, afirmo que a Educação Física, como
poucos acreditam, tem a tarefa de promover um ser humano
mais completo. Esse completo que ressalto é aquele ser
humano que não somente está apto a desenvolver qualidades
técnicas e mecânicas, mas, sim, qualidades cognitivas
e afetivas.

Entretanto, para essa formação — que chamei de formação
completa do ser humano —, é necessário conscientizar as pessoas
da importância do movimentar-se humano. Então, o
esporte tratado na escola como cópia irrefletida do esporte
formal e de alto rendimento é apenas uma reprodução daquilo
que já existe na sociedade e um fator que rompe o
poder de criatividade e de reflexão dos alunos.

O esporte deve ter uma proposta didático-pedagógica que
seja transformada para que os alunos possam vivenciar a
maior quantidade de movimentos possíveis de sua cultura
de movimento, explorando ao máximo as características de
tudo que possa envolver uma aula de Educação Física, como
contextos social e histórico dos alunos, contexto da escola
em si, entre outros.

Outro ponto de destaque é a importância da Educação Física
para a instituição escolar. Através dela, outras disciplinas
e o próprio contexto escolar poderão ser trabalhados
nas aulas, como Geografia, História, Ciências, Matemática,
Língua Portuguesa e Língua Estrangeira; enfim, através dos
movimentos, dos jogos, das brincadeiras e dos esportes, há
a possibilidade de trabalhar tudo isso numa aula.

Por fim, a Educação Física já conquistou muitos espaços
dentro da escola, todavia ainda há muito o que mudar e

crescer, e isso só será possível se o profissional de Educação
Física tiver uma formação voltada para o ensino de “formação
humana integral” dos seus alunos, para que eles se
tornem seres humanos lúdicos e ativos e para que suas atividades
futuras sejam prazerosas e alegres.

 

Referências Bibliográficas

BETTI, M. Ensino de Primeiro e Segundo Graus: Educação Física
Para Quê? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 3, n. 2, p. 282—287, 1992.

Esporte na Escola e Esporte de Rendimento. Porto Alegre: Movimento.
Ano VI, n.12, p.14—19, jul. 2000. 

KULLOCK, M. G. B. Relações Professor-Aluno: Contribuições à Prática
Pedagógica. Maceió: Edufal/Inep. v. 01. 2002.

KUNZ, Elenor. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. 2. ed.
Ijuí: Unijuí, 1998.

(Org.). Didática da Educação Física. Ijuí: Unijuí, 1998.

A Imprescindível Necessidade Pedagógica do Professor: o Método
de Ensino. , Florianópolis: Motirivência, 1999. v. 2, n. 13, p. 63—81.
KUNZ, Elenor; TREBELS, Andréas H. (Org.). Educação Física Crítico-
emancipatória. Ijuí: Unijuí, 2006.

SANTOS, Sérgio Oliveira dos. Educação Física: Diversidade da Cultura
Corporal. São Bernardo do Campo: Umesp, 2003.

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