Edição 80

Entrevista

Eu vim para servir

Augusto França

Há pouco mais de 1 ano, Dona Beré desenvolve um trabalho voluntário na Rua Leandro Barreto — em Jardim São Paulo, Recife/PE, próximo ao Colégio Monte Líbano — que é um verdadeiro exemplo de como servir ao próximo.

Ela é de parar o trânsito! Berenice Eiras, ou Dona Beré, como prefere ser chamada, vem conquistando o coração de todas as pessoas que transitam na Rua Leandro Barreto na hora do rush. Todos os dias, de segunda a sexta-feira, as pessoas que precisam atravessar a rua se sentem um pouco mais seguras graças ao trabalho desenvolvido por Dona Beré, socióloga aposentada que dedica algumas horas do seu dia a serviço das pessoas.

Em um ano em que a Campanha da Fraternidade trabalha o lema “Eu vim para servir” (Mc 10.45), a revista Construir Notícias viu em Dona Beré um exemplo de serviço em prol dos necessitados. Alunos e familiares, funcionários do colégio e até condutores que por ali trafegam já têm um carinho e uma admiração muito grande pelo seu trabalho.

Convidada por nossa redação, Dona Beré, gentilmente, nos cedeu uma entrevista em que fala um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido naquela localidade. Confira.

Revista Construir Notícias: Nossa revista viu o seu trabalho através de um programa de tetevisão local e o achou muito interessante. Sempre trabalhamos a Campanha da Fraternidade em nossa primeira edição do ano, e, este ano, seu trabalho tem muito a ver com o lema da CF. Como surgiu o interesse em ajudar as pessoas que atravessam a avenida ao saírem da escola?

Dona Beré: Eu via a necessidade de meus ex-alunos, mães, avós, pais de alunos e pessoas com deficiência física de atravessar. Uma faixa de pedestre, nos outros lugares, dura em média 2 anos, enquanto lá não dura nem 2 meses. Não tem guarda nem sinal de trânsito. Lá próximo tem dois hoteizinhos, tem mães que chegam às 6 horas da manhã para deixar as crianças e assim irem trabalhar, e, quando voltam para buscá-las depois das 16 horas, ninguém consegue atravessar mais. Para completar, quando dá 17 horas, toca a sirene do Colégio Monte Líbano. Aí eu senti a necessidade de fazer algo por esse povo.

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RCN: E como a senhora faz para os carros respeitarem e darem passagem aos pedestres?

Dona Beré: Eu estava indo sem nada. Como tenho ex-alunos que se aposentaram pela Compesa, me deram um colete, da cor daqueles dos guardas de trânsito. O apito comprei em uma loja de instrumentos musicais; e o sinalizador, os moradores, vendo a necessidade, porque eu ia morrendo atropelada por uma moto, se reuniram, compraram e me deram.

RCN: As pessoas reconhecem a importância de seu trabalho?

Dona Beré: Eu faço isso de graça, quem me paga é Deus! (Não estou reclamando, só comentando). Nada falta na minha mesa, porque, o que eu faço por aquelas pessoas, Deus me dá em dobro. Eu fico até emocionada quando falo sobre isso, porque sinto uma satisfação tão grande quando eu estou trabalhando e vejo uma mãe com quatro, cinco crianças, que vem trazê-las para o colégio, desce na parada de ônibus lá de longe, a uns 100 metros de onde eu fico, e vem para perto de mim, dizendo: “Eu só atravesso aqui, Dona Beré, porque eu confio na senhora”. Alunos de um colégio do Estado cruzam o viaduto e só atravessam comigo, me dizem: “Tia Beré, eu só confio quando a senhora para, porque, em outros lugares, muitas vezes, não param, mesmo tendo faixa e sinalização”.

RCN: E como os condutores tratam a senhora?

Dona Beré: Os motoristas já me conhecem, e todos param. A única coisa de que eu tenho receio, às vezes, é das motos, porque, não são todos os motoqueiros, mas alguns não respeitam e avançam, mesmo com o perigo de eu ou de alguma mãe de aluno ser atropelada. Eu faço isso com o maior amor e digo a vocês o seguinte: vou continuar fazendo enquanto Deus me der saúde e força, porque eu não sou mais nenhuma menina, já passei dos 60 faz tempo (risos).

RCN: Como a senhora se sente tendo seu trabalho reconhecido pelas pessoas?

Dona Beré: Fiquei muito feliz em receber esse convite de vocês, porque é uma divulgação e um reconhecimento da importância do meu trabalho, que está sendo útil. Costumo dizer que o meu lema é “Quem não vem para servir não serve para viver”. É por isso que eu digo a vocês: sou muito feliz e dou graças a Deus todos os dias quando eu levanto da cama. Posso estar onde estiver, às 4 horas da tarde eu tenho que estar em casa para me vestir, botar o meu colete, pegar meu apito e meu sinalizador e ir parar o trânsito. Nas eleições do ano passado, eu transferi minha seção eleitoral para o Monte Líbano, e, no dia de ir votar, o pessoal ficava perguntando: “Cadê o apito, Dona Beré?”. Várias pessoas de idade precisavam atravessar a avenida; eu fui em casa, peguei o apito e, no primeiro turno, parei. No segundo turno, tive umas coisas para resolver e não parei. Mas eu digo o seguinte: estou muito feliz com isso que eu faço e tenho orgulho do meu trabalho!

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RCN: O que a senhora tem a dizer às pessoas sobre o lema da CF 2015?

Dona Beré: Só de você servir sem olhar a quem é uma satisfação muito grande. A gente vive em uma sociedade em que, infelizmente, muita gente diz: “A senhora tá ganhando o que com isso?”. E outra coisa: enquanto não vêm pessoas para atravessar, para todos os carros que passam eu digo “Obrigada, obrigada”, aí faço um coraçãozinho assim com as mãos. Quando eu subo no ônibus, o motorista diz: “Essa é aquela senhora que para o trânsito em frente ao Monte Líbano, fazendo um coração com as mãos”. Para você ver, gentileza gera gentileza. Tudo vai depender do modo com que você pede. Você tem que tratar as pessoas bem. Não se ganha nada tratando mal. Se todo mundo pensasse e agisse assim, meu trabalho não seria notícia, seria comum.

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