Edição 108
Como mãe, como educadora, como cidadã
Eu vou para o céu!
Conversando com uma amiga, disse-lhe com tanta certeza “Eu vou para o céu!” que, com surpresa no olhar e na fala, perguntou-me: “Como você pode ter tanta certeza de que irá para o céu?”.
Respondi dizendo-lhe: “Pelo que acredito, pela minha fé, por ter Jesus como meu Salvador, pelos valores que aprendi com a vida e com meus pais e pelo que pratico”.
Continuei afirmando: “Eu vou para o céu!”.
Ela silenciou, e acredito que não a convenci com minha fala. Mudamos de assunto.
Por alguns dias fiquei a pensar que sentido tem o nosso caminhar aqui na Terra se, com o nosso dia a dia, não tivermos o objetivo de ir aos céus.
Acredito que muitas vezes o céu e o inferno também sejam aqui na Terra como consequência dos nossos atos. Não nos cansamos de dizer: “Que inferno de vida”, “Que inferno de trabalho”, “Que inferno de marido/esposa”. São tantos infernos que acreditamos que só isso basta.
Mas continuo afirmando: “Eu vou para o céu!”. Mesmo diante das minhas fraquezas, quedas, intolerâncias, da autossuficiência e de muitos outros comportamentos que me levam a viver o inferno terrestre. Na maioria das vezes, são escolhas nossas; errei, erro e provavelmente errarei, mas continuo vivendo na certeza de que um dia quero ir para o céu.
Sei para onde estou indo e fico a imaginar como deve ser belo o que me aguarda para me sentir motivada a continuar subindo, pois confio que a luz no fim da minha trajetória me receberá de braços abertos.
Eu acredito!
Para ilustrar este artigo, lembrei-me da palestra Os Quatro Pilares da Educação, que ministrei em Brasília, onde contei para os educadores a história de uma professora pedindo para entrar no céu, de Celso Antunes, que fez uma releitura de Irene no Céu, de Manuel Bandeira, e de sua simplicidade pedindo a bênção a Manuel Bandeira.
Se encante com essa história e tenha o desejo de ir ao céu (claro, quando chegar a hora).
Irene no Céu
Manual Bandeira
Irene preta.
Irene boa.
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(Com um humilde pedido de bênção a Manuel
Bandeira, poeta maior.)
— Bom-dia, São Pedro. O senhor me dá licença?
— Pois não, minha filha! O que você deseja?
— É que morri lá na Terra, meu Santo, e aqui estou me candidatando a um lugarzinho no céu.
Queria ver se posso entrar.
— Vamos ver, meu bem! Você foi boa menina, crédula, piedosa, não cometeu pecado capital algum? Foi moderada nos pecados veniais? Doou parte de seus ganhos a outros, dividiu seu pão com irmãos famintos, acolheu em sua casa velhos e doentes? Sempre ofereceu ao outro tudo quanto para si mesma desejou? Foi caridosa em todos os instantes? Não se dobrou pela cobiça, não esmoreceu nas esperanças, jamais praguejou?
— Desculpe, meu Santo. Minha vida na Terra não foi como minha mãe ensinou. Pensando melhor, até acho mesmo muito grande a pretensão em procurá-lo. O Senhor me desculpe, penso que não mereço o céu. Afinal, lá na Terra fui apenas uma professora…
— Uma professora? Interessante, minha filha; professores quase nunca reivindicam o céu. Conte o que você fazia lá na Terra, fale de seu trabalho…
— Bem, São Pedro, lá na Terra, eu procurava ensinar os meus alunos a olhar e ver, eu refletia constantemente sobre meu trabalho, buscava inová-lo sempre, derramava toda ternura em minhas aulas. Aprendi a aprender com os outros, com meus alunos, com suas experiências. Busquei ensiná-los a decifrar símbolos, a resolver problemas, a se relacionar com outras pessoas, a trabalhar juntos. Creio, meu Santo, que fui uma pequena artesã que construía e reconstruía permanentemente meu saber profissional. Enfim, procurei ser uma fazedora de perguntas e uma construtora de sentidos… Acho que foi só isso, meu bom São Pedro. Peço desculpas, foi uma alegria descobri-lo, assim tão manso, tão branco…
— Calma, minha filha, não se vá. Entre. O céu é todo seu…
— Mas, São Pedro???? O Senhor me dá, mesmo, licença para entrar?
— Entre, minha filha. Para entrar no céu, um verdadeiro professor jamais precisa pedir licença.
Grande abraço,
Zeneide Silva