Edição 58

Lendo e aprendendo

Explorando o ensino da Matemática no Ensino Fundamental

Geraldo Ávila

A Matemática está presente na vida cotidiana de todo cidadão, por vezes de forma explícita e, por vezes, de forma sutil. No momento em que abrimos os olhos pela manhã e olhamos a hora no despertador, estamos “lendo” na linguagem matemática, exercitando nossa abstração e utilizando conhecimentos matemáticos que a humanidade levou séculos para construir. É quase impossível abrir uma página de jornal cuja compreensão não requeira um certo conhecimento matemático e um domínio mínimo da linguagem que lhe é própria: porcentagens, gráficos ou tabelas são necessários na descrição e na análise de vários assuntos. Na sociedade atual, a Matemática é cada vez mais solicitada para descrever, modelar e resolver problemas nas diversas áreas da atividade humana. Um médico que interpreta um eletrocardiograma está utilizando um modelo matemático; ao dar um diagnóstico, está utilizando o raciocínio matemático e empregando conhecimentos de estatística. Um pedreiro utiliza um método prático para construir ângulos retos que já era empregado pelos egípcios na época dos faraós. Uma costureira, ao cortar uma peça, criar um modelo, pratica sua visão espacial e resolve problemas de Geometria.

Apesar de permear praticamente todas as áreas do conhecimento, nem sempre é fácil (e, por vezes, parece impossível) mostrar ao estudante aplicações interessantes e realistas dos temas a serem tratados ou motivá-lo com problemas contextualizados. O professor quase nunca encontra ajuda ou apoio para realizar essa tarefa de motivar e instigar o aluno relacionando a Matemática com outras áreas de estudo e identificando, no nosso cotidiano, a presença de conteúdos que são desenvolvidos em sala de aula. Para isso, é importante compartilhar experiências que já foram testadas na prática, e é essencial que o professor tenha acesso a textos de leitura acessível que ampliem seus horizontes e aprofundem seus conhecimentos.

Fazendo contas sem calculadora

Introdução

A calculadora de bolso é, hoje em dia, um instrumento de fácil acesso a qualquer pessoa. Já vai longe o tempo em que se discutia se os alunos podiam ou não usá-la, pois eles a têm em mãos com a maior facilidade. O importante é saber quando seu uso é recomendado, por que ajuda e quando a calculadora em nada contribui e deve ser evitada. A Revista do Professor de matemática (RPM) já tratou do uso da calculadora em artigos que contêm informações importantes e pouco divulgadas sobre o quanto pode fazer a “calculadora do feirante”.

Como dizem muito bem os autores de um dos artigos, a calculadora deve ser introduzida “quando o aluno estiver dominando completamente os algoritmos das operações”. Isso nos traz à mente certas habilidades de cálculo que não usam a calculadora, mas que, por serem muito importantes, devem ser cultivadas desde os estágios mais elementares do aprendizado. É sobre isso que desejamos falar aqui.

Vamos fazer as contas de cabeça

Isso mesmo, vamos começar com problemas que podemos resolver “na hora”, quando estamos no meio de uma conversa e não dispomos de lápis e papel, muito menos de calculadora. É o que se costuma dizer: “Fazer as contas de cabeça”.

Vamos começar com contas de subtrair, usando a técnica da translação. Por exemplo, subtrair 34 de 61 é o mesmo que subtrair 30 de 57 (veja, estamos transladando os dois números para a esquerda de 4 unidades) ou, ainda, o mesmo que subtrair 40 de 67 (agora somamos 6 unidades a ambos os números). Em ambos os casos, é fácil ver que a diferença é 27.

Problema 1

Meu avô nasceu em 1872 e faleceu em 1965. Quantos anos viveu?

Por que pegar lápis e papel para fazer a conta? Use a técnica da translação: a diferença entre 1965 e 1872 é a mesma que entre 1963 e 1870. Ora, de 1870 a 1900 são 30 anos; a estes somo os 63 que vão de 1900 a 1963. Meu avô viveu 93 anos.

Posso também raciocinar assim:
1965 – 1872 = 165 – 72 = 163 – 70 = 63 + 30 = 93.

Outro modo: de 1965 a 1972 (quando meu avô completaria 100 anos de idade) são 7 anos. Então ele viveu 100 – 7 = 93 anos.

Podíamos também ter transladado para a frente, assim (mas tudo de cabeça):
(1965 + 8) – (1872 + 8) = 1973 – 1880 = 20 + 73 = 93.

Outro modo: de 1872 a 1962 são 90 anos (pois só faltam mais 10 para chegar a 100 anos em 1972); aos 90, acrescento 3 para chegar a 1965, obtendo os 93 anos.

Problema 2

Em 1942, meu avô completou 70 anos. Em que ano ele nasceu?

Somo 30 a 1942 e obtenho 1972, quando meu avô completaria 100 anos; logo, ele nasceu em 1872, ou seja, 100 anos antes.

Outro modo: se o ano fosse 1940, eu voltaria 40 anos ao ano de 1900, do qual volto mais 30 e chego a 1870; agora somo os 2 anos que tirei no início e chego ao ano do nascimento de meu avô: 1872.

Alguns desses problemas de calcular a idade de uma pessoa são muito fáceis de resolver quando os anos de nascimento e morte têm formas bem particulares. Veja, por exemplo, o caso de Nicolau Copérnico, que nasceu em 1473 e faleceu em 1543. Aqui é fácil ver que faltam 30 anos para se chegar a 1573, quando Copérnico completaria 100 anos; logo, ele viveu 70 anos, 100 – 30.

Problema 3

Outro dia, encontrei-me com um senhor que foi muito amigo de meu pai. Eu lhe perguntei a sua idade, e ele me disse: “Estou com 83 anos”. Em que ano ele nasceu?

Vejamos: supondo que estamos em 2005, tenho de subtrair 83 de 2005. Pela técnica de translação, basta subtrair 80 de 2002, o que é fácil fazer de cabeça. O resultado é 1922, ano do nascimento desse amigo de meu pai.

Outro modo: somo 7 a 2005 e vou para 2012, quando ele terá 90 anos; mais 10, e chego a 2022, quando ele terá 100 anos; volto 100 anos até 1922, que é quando ele nasceu.

Problema 4

Lúcia tinha 10 anos em 1917. Qual era sua idade em 1998?
Se, em 1917, Lúcia tinha 10 anos, em 1910 ela estava com 3 anos. De 1910 a 1995, são mais 85 anos; portanto, em 1995, ela estava com 88 anos de idade, logo 91 anos em 1998. De tanto resolver problemas como esses, o aluno vai, por si mesmo, inventando maneiras de fazer as contas.

Contas de somar

Quando usamos a técnica da translação nas contas de subtrair, temos de aumentar ou diminuir os dois números, simultaneamente, na mesma quantidade. No caso da soma, aumentamos um e diminuímos o outro na mesma quantidade. Por exemplo, somar 47 com 39 é o mesmo que somar 46 com 40 ou 50 com 36, resultando em 86. Somar 143 com 234 é o mesmo que somar 140 com 237, que é o mesmo que 40 + 337, que é 377; mas tudo isso de cabeça, nada de lápis e papel.

A resolução mental desses probleminhas é um bom exercício para desenvolver bem a compreensão das operações de soma e subtração. E é coisa que pode ser exercitada durante a aula, num clima agradável e de brincadeira com as crianças, introduzindo questões como estas: “Vai ver que, embora Luciana seja mais velha que Francisco, o avô deste pode ter nascido antes do avô de Luciana. Vai ver que Gabriel nem sabe a idade da avó ou do pai dele! Então terá mais um dever de casa: trazer amanhã a idade de seu pai e de sua avó”.

Mas não lhes vá perguntar em que ano nasceram, isso fica para ser resolvido durante a aula…

A importância da tabuada

A calculadora não dispensa uma boa compreensão das operações nem o aprendizado da tabuada. O aluno precisa aprender a tabuada hoje tanto quanto no meu tempo de menino, quando não existia calculadora. Qualquer um deve saber responder — e responder rapidamente — as perguntas que me faziam na escola primária (o que hoje são os primeiros cinco anos do Ensino Fundamental): 7 vezes 8?, 9 vezes 6?, 5 vezes 8?, e assim por diante. É preciso ter cuidado para que o uso da calculadora não deixe de lado o aprendizado da tabuada e uma boa compreensão das operações.

Digo isso porque o aprendizado da tabuada tem sido muito negligenciado ultimamente, depois que surgiu a calculadora. Houve mesmo casos de muitos professores que pensavam (ou ainda pensam?) que agora, com a calculadora, a tabuada perderia sua importância. Não é assim. Não é apenas porque alguns de nós somos mais velhos que insistimos no aprendizado da tabuada, mas é porque esse aprendizado continua tão importante hoje como antigamente. Se não, vejamos: você vai à padaria, compra 7 pãezinhos, a R$ 0,12 cada um, e paga com uma moeda de R$ 1,00; quanto vai receber de troco? Esse é o tipo de situação que qualquer pessoa deve resolver de cabeça; são cálculos triviais. Se alguém me disser que ninguém tem de saber 7 vezes 12 de cabeça, eu respondo: então deve saber que 5 vezes 12 é 60; agora some mais 12, vai para 72; e some outros 12, vai para R$ 0,84. Pronto, 7 pãezinhos custam R$ o,84; R$ 1,00 menos R$ 0,84 (que é o mesmo que R$ o,96 menos R$ 0,80 dá R$ 0,16, que é o troco devido. Esta última conta do troco poderia também ser feita assim: de 84 até 90 são 6, ao qual somamos 10 para chegar até 100, ao todo 0,16.

Cálculos como esses são necessários na vida de qualquer cidadão, por isso é importante saber a tabuada e saber fazer contas simples sem recorrer a lápis, papel ou calculadora. E, como já dissemos acima, é um bom exercício para desenvolver bem a compreensão das operações. Eu pergunto: não seria o caso de passar boa parte das aulas fazendo tais exercícios? E depois organizar os alunos em grupos e fazer competições entre os grupos? Seria um modo de tornar a aula descontraída, engraçada e agradável, ao mesmo tempo que estimularia o interesse dos alunos nesses exercícios de compreensão das operações e de memorização.

Decorar é preciso

As pessoas que consideram desnecessário decorar a tabuada talvez pensem que decorar, de um modo geral, seja uma atividade menos nobre e sem valor algum. Isso não é verdade. Decorar é um importante exercício para a memória. E uma boa memória — privilégio de poucos — é um valioso auxiliar da atividade intelectual. O grande matemático Leonhard Euler (1707–1783) tinha excelente memória, a ponto de saber de cor, dentre outras coisas, toda a Eneida, de Virgílio. Em latim! Qualquer cidadão brasileiro sabe (ou deve saber), de cor, o Hino Nacional. Convém lembrar que atores de teatro decoram peças inteiras. Sabendo a peça de cor, e não dependendo de alguém (o “ponto”) para auxiliá-lo, o ator fica “dono de si”; portanto, mais capaz de fazer uma boa interpretação do personagem que irá representar.

Cálculos aproximados

Voltando a falar de cálculos, é claro que não faz mais sentido, hoje em dia, insistir com os alunos para que aprendam a fazer, manualmente, cálculos como 3,21897 x 9,38 ou 2,801799 ÷ 1,98, como era exigido de mim no 4º ano do curso Primário (Fundamental, atualmente). Mas, embora não tenha de fazer contas como essas, o aluno de hoje deve estar preparado para saber, por um rápido exame, que a primeira dessas contas resulta em aproximadamente 3 x 10 = 30, enquanto a segunda se aproxima de 2,8 ÷ 2 = 1,4. Conferindo com a calculadora, vemos que a primeira dá 30,193938, e a segunda, 1,41505.

Essa questão do cálculo aproximado é muito importante e deveria merecer a devida atenção nos programas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Outras habilidades de cálculo

Há certas habilidades valiosas e importantes com cálculos que ilustraremos concretamente em dois problemas a seguir. O primeiro deles foi, na Antiguidade, um dos grandes sucessos de aplicação da Matemática para a obtenção de um resultado decisivo para o conhecimento humano, qual seja o tamanho do planeta em que vivemos.

Problema 5

Para calcular a circunferência terrestre, no século III a.C., o sábio Eratóstenes valeu-se da distância conhecida de 800 km entre as localidades de Alexandria e Siena, no Egito (A e S, respectivamente, na figura), situadas no mesmo meridiano terrestre. Ele sabia que, quando em Siena os raios solares caíam verticalmente, em Alexandria eles faziam um ângulo de 7,2 graus com a vertical. Calcule, com esses dados, a circunferência terrestre, isto é, o comprimento de uma volta completa em torno da Terra.

Resolução

A principal questão na resolução desse problema é a proporcionalidade: ângulos centrais estão entre si como os arcos correspondentes determinados na circunferência. Sendo C o comprimento da circunferência, isso significa que:

Nesse ponto, antes de fazer qualquer conta, devemos notar o que pode ser simplificado: 72 é múltiplo de 36, o que nos permite cancelar o fator 36 em cima e embaixo, assim:

Portanto, a relação (1) nos dá:
C = 800 x 50 = 40.000 km

O raciocínio de Eratóstenes ressalta ainda a proporcionalidade de ângulos e arcos, quando vista na sua forma original, assim: se uma volta completa corresponde a 360 graus, que é 50 vezes 7,2 graus, o comprimento dessa volta também será 50 vezes 800 km, isto é, C = 40.000 km.

De posse do conhecimento da circunferência terrestre, o raio da Terra é obtido facilmente dividindo-se o comprimento encontrado de 40.000 km por 2π ≈ 6,28, resultando em, aproximadamente, 6.370 km.

A aproximação de valores numéricos, como fizemos acima no caso do ângulo (que foi propositadamente ajustado em 7,2 para facilitar os cálculos), é um procedimento que ajuda a obter estimativas rápidas e é frequentemente usado em cálculos numéricos: muitas vezes, pequenas mudanças nos dados simplificam consideravelmente os cálculos.

Problema 6

Uma rampa — como a que dá acesso ao Palácio do Planalto, em Brasília — tem 4 metros de altura na sua parte mais alta. Tendo começado a subi-la, uma pessoa nota que, após caminhar 12,3 metros sobre a rampa, está a 1,5 metro de altura em relação ao solo. Calcule quantos metros a pessoa ainda deve caminhar para atingir o ponto mais alto da rampa.

Resolução

Uma simples figura nos mostra que, sendo X o comprimento total da rampa, vale a proporção:

Novamente, aqui, antes de fazer qualquer cálculo, deve-se procurar simplificar: 123 e 15 são ambos divisíveis por 3; depois, 40 é divisível por 5. Assim,

32,8 metros é o comprimento total da rampa; portanto, falta à pessoa caminhar mais 32,8 – 12,3 = 20,5 metros.

Esse problema da rampa foi proposto em um vestibular da Unicamp. Vários vestibulandos cometeram erros grosseiros de ajuste das casas decimais, encontrando para a rampa o comprimento total de 328 metros ou 3,28 metros.

Ora, sem fazer qualquer conta, pode-se estimar o comprimento da rampa; dessa forma, a altura total da rampa (4 metros) é pouco mais de 2 vezes a altura de 1,5 metro; logo, o comprimento total da rampa há de ser pouco mais do que o dobro de 12,3 metros, ou seja, pouco mais de 24,6 metros, o que é verdade. Um raciocínio mais preciso seria este: 4 ÷ 1,5 está entre 2 e 3; logo, o comprimento da rampa está entre 2 x 12,3 = 24,6 e 3 x 12,3 = 36,9, ou seja, por volta de 30 metros.

Conclusão

Os exemplos discutidos aqui já são suficientes para mostrar que há muitos cálculos interessantes que o professor pode ensinar a seus alunos. Como se vê, há vários recursos simples que muito facilitam as contas e que vão sendo aprendidos à medida que o aluno se exercita na resolução numérica dos problemas. Portanto, não é verdade que, com o advento da calculadora, o professor esteja dispensado de ensinar a fazer contas. Há muito o que ensinar sobre isso, e coisas muito úteis. Se hoje em dia não há por que ocupar os alunos em trabalhosas contas de multiplicar ou dividir, como se fazia antigamente, não só as operações e suas propriedades têm de ser ensinadas, mas as técnicas de cálculo também merecem igual cuidado.

Agora, quando lidamos com cálculos complicados, envolvendo raízes quadradas, logaritmos, funções trigonométricas, etc., o uso da calculadora é indispensável e se revela um “alívio” para o usuário.

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