Edição 94

Gestão Escolar

Gestão democrática na educação brasileira: descentralização ou manipulação do poder?

Fernanda Barbosa da Silva
Lívia Maria Serafim Duarte Oliveira
Uglaneide Mahátima Marinho Juvino
Virgínia Fernanda de Sousa

Introdução

No âmbito educacional, há um crescente avanço no interesse por debates que focam a gestão democrática e sua efetivação nas escolas públicas. Nessa perspectiva, a instituição de ensino é vista como um organismo aberto cuja estrutura e processos de organização e gestão são constantemente construídos pelos que nela trabalham e pelos seus usuários, garantindo um espaço de autonomia, participação, transparência e descentralização.

No entanto, compreender esse processo requer uma análise e reflexão de como as escolas e o próprio sistema de ensino estão vivenciando esse modelo de gestão. E, nesse campo, surgem questionamentos sobre a importância da gestão democrática na educação, as políticas de descentralização existentes no contexto educacional e a presença da manipulação ou não do poder na gestão escolar.

Nesse sentido, o foco principal do estudo é investigar como é efetivada a descentralização do poder nas escolas públicas. E, dessa forma, contribuir para o esclarecimento da necessidade de uma gestão participativa na escola, enquanto local de formação do senso crítico cidadão, bem como diferenciar as formas de descentralização existentes na política educacional.

Dentro da perspectiva multifacetada da gestão, a qual se dá de forma centralizadora, autônoma ou participativa, abordaremos no decorrer desta pesquisa o processo de descentralização da mesma, a difícil operacionalização das políticas públicas que a garantem, assim como a necessidade da existência da autonomia dos agentes envolvidos e a garantia da efetivação da democracia no
espaço escolar.

A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa do tipo documental e bibliográfica, que, segundo Oliveira (2007, p. 69), “[…]é uma modalidade de estudo e análise de documentos de domínio científico”. Para a consolidação das ideias abordadas, tivemos apoio teórico em autores dos quais destacamos Gadotti (2004), Lück (2008), Libâneo (2008), entre outros que discutem a temática.

Diante do estudo, foi possível compreender que os processos de gestão escolar superam a questão administrativa e colocam a instituição como local de aprendizagem significativa e de atividade cidadã, com a democratização das relações institucionais e o envolvimento ativo da comunidade escolar. Porém, muitos são os desafios a serem superados para a efetivação de uma gestão democrática e participativa.

Metodologia

Com o intuito de atingir os objetivos elencados no início deste estudo, serão utilizados diversos referenciais teóricos e metodológicos, através de uma abordagem qualitativa, em que focaremos, e será apresentado, como metodologia de pesquisa, um estudo exploratório, que, segundo Gonçalves:

É aquele que se caracteriza pelo desenvolvimento e esclarecimento de ideias, com objetivo de oferecer uma visão panorâmica, uma primeira aproximação a um determinado fenômeno que é pouco explorado. Esse tipo de pesquisa também é denominado “pesquisa de base”, pois oferece dados elementares que dão suporte para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema (GONÇALVES, 2007, p. 67).

Com relação às fontes de informação, realizou-se uma pesquisa bibliográfica teórica e metodológica de autores que falam sobre o tema proposto, que, segundo Gil (2008), é uma pesquisa desenvolvida a partir de material preexistente, constituído de livros e artigos científicos. Focando uma abordagem qualitativa, buscando adquirir informações e explicações para solucionar as dúvidas que surgiram e permearam no período da escolha do estudo do tema, no qual esclareceu-se como é pretendida a gestão democrática no espaço escolar.

De acordo com Gatti (1999, apud OLIVEIRA 2011, p. 33), método não é algo abstrato. Método é ato vivo, concreto, que se revela nas nossas ações, na nossa organização e no desenvolvimento do trabalho de pesquisa, na maneira como olhamos as coisas do mundo.

Para fins de estudo, consideraram-se publicações diversas relacionadas a gestão democrática na escola pública; neoliberalismo, gestão educacional e políticas públicas de inclusão; reformas educacionais; estruturas organizacionais; descentralização e autonomia dos gestores; e gestão participativa e democrática. A escolha do tema foi fundamentada a partir de discussões fomentadas pela professora Lívia de Oliveira Serafim, durante o componente curricular de Gestão I, porém firmado no decorrer do componente de Gestão II, na Universidade Estadual da Paraíba – Campus III, Guarabira-PB.

Conceituando gestão democrática

Gestão democrática pode ser entendida como espaço de participação, de descentralização do poder e de exercício de cidadania. Esta sugere a efetivação de novos processos de organização e gestão, baseados em uma dinâmica que favoreça os processos coletivos e participativos de decisão. Por essa ótica, Gracinho (2007, p. 34) afirma:

A gestão democrática pode ser considerada como meio pelo qual todos os segmentos que compõem o processo educativo participam da definição dos rumos que a escola deve imprimir à educação de maneira a efetivar essas decisões num processo contínuo de avaliação de suas ações.

Nessa perspectiva, a democratização da gestão escolar implica a superação dos processos centralizados de decisão e a vivência da gestão colegiada, na qual as decisões nasçam das discussões coletivas, envolvendo todos os segmentos da escola num processo pedagógico. Nesse sentido, Lück (2006, p. 35) destaca que:
 
mulher_shutterstock_167_optUma forma de conceituar gestão é vê-la como um processo de mobilização da competência e da energia de pessoas coletivamente organizadas para que, por sua participação ativa e competente, promovam a realização, o mais plenamente possível, dos objetivos educacionais.

Ou seja, a democracia na escola é o principal caminho para se atingir uma educação pública de qualidade.

Segundo Bastos (1999, p. 15),

A gestão democrática da escola pública deve ser incluída no rol de práticas sociais que podem contribuir para a consciência democrática e a participação popular no interior da escola.

É preciso que haja um entendimento da importância de todos os segmentos escolares e de seu papel como sujeitos políticos e sociais. Sendo assim, faz-se necessário um novo repensar sobre gestão. Através desse estudo, temos como ponto de vista uma gestão que preze pela democracia e sobretudo pela participação, tornando possível que todos os sujeitos participem do âmbito escolar. Dessa maneira, retratamos a gestão democrática como algo que assume um papel indispensável na construção da efetivação de uma educação de qualidade.

A gestão democrática é, além de um direito, uma necessidade pedagógica. Caso não seja assim efetivada, nossa prática de construção de cidadania estará comprometida
Gouvêa

Assim, completamos que a gestão democrática vai além de um processo educativo, ela enfatiza a atuação de todos, cria o ambiente educacional, ambiente este onde as pessoas saibam o que estão fazendo e, principalmente, sintam-se parte dele. Esse é o desafio da gestão: fazer com que pessoas envolvidas no âmbito escolar atendam às propostas da escola e se sintam parte dela e, com isso, desenvolvam um trabalho participativo e democrático.

Como se dá a descentralização do poder na gestão democrática?

Tomando como ótica as políticas inclusivas, com ressalva dos documentos políticos da área educacional elaborados no Brasil, será analisada neste tópico a prática da descentralização do poder na gestão escolar, com uma perspectiva inclusiva dos agentes que atuam direta ou indiretamente no espaço escolar.

Na década de 1990, a partir de uma reforma de Estado e de uma crescente modernização da gestão pública, vê-se que o processo de descentralização era algo que estava se tornando marcante no meio escolar. O qual estava sendo determinado pelo mercado, fazendo com que a gestão ganhasse uma roupagem econômica, provocando uma transferência de cargos que atingiu inclusive a municipalização.

No Brasil, a conjuntura das políticas educacionais ainda demonstra sua centralidade na hegemonia das ideias liberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores na década de 1990. A intervenção de mecanismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, aliada à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercute de maneira decisiva na educação.

Quando se observam as políticas educacionais, principalmente as voltadas para o repasse de responsabilidades dentro da instituição, nota-se que a escola é vista como um espaço simplório, em que a delegação de atividades pode ser feita de qualquer forma e destinada a qualquer pessoa, tornando-se notório que a escola não é tida como um espaço complexo e de cultura própria (SOUZA, 2003, p. 18), onde não há abertura para a participação familiar.

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Para se falar em gestão democrática, tem-se que compreender a necessidade de uma descentralização nas tomadas de decisão e nos demais processos que envolvam decisões importantes para o andamento do âmbito escolar, abrindo espaço para a participação de todos os agentes envolvidos no processo escolar, englobando o porteiro, auxiliares de limpeza, merendeiras, secretários, gestores, professores, alunos e familiares.

A descentralização de poder dentro da escola só será possível quando houver uma gestão alicerçada nos conceitos de participação, parceria, democracia, autonomia, inovações de ideias e uma base teórica que o sustente. Tal afirmação é ressignificada por Gadotti (2001), quando diz que não basta uma lei de gestão democrática de ensino público, que permita a autonomia pedagógica, administrativa e financeira às escolas, se todos os envolvidos no processo escolar desconhecerem o significado político da autonomia.

A gestão educacional é uma construção histórica, resultante de um processo de transformação social, econômica e política — revestido de contradições e de diversos interesses políticos. Portanto, a política de gestão não é neutra, abstrata, nem tampouco generalista ou com finalidade em
si mesma.

A compreensão do significado da gestão da educação ainda é um processo carregado de concepções neoliberais que atribuem à escola um status empresarial, estimulado pela concorrência e padrões de qualidade almejados pelo mercado de trabalho. A ideia de gestão escolar perpassa todo o processo pedagógico, pois este é o mediador, com o qual os conflitos e as tensões educacionais são trazidos à tona com o propósito de envolver todos os sujeitos responsáveis por esse processo.

Ressignificar a gestão dentro de uma cultura globalizada implica estabelecer compromissos de quem toma decisões, chamando à responsabilidade todos os envolvidos com o processo de formação dos seres humanos por meio da educação.

Com isso, faz-se necessário criarmos, através da gestão, espaços e mecanismos de participação e exercício democrático, para que o poder seja descentralizado e compartilhado, pois a qualidade também perpassa pela tomada de decisão e sua efetivação em prol do desenvolvimento social, e não do mercado.

Diante do exposto, agir com autonomia será um processo contínuo, individual e coletivo, no qual efetivar a gestão democrática culminará na participação de todos os envolvidos, acarretando a formação de espaços dinâmicos, onde a escola é compreendida de várias formas e perspectivas.

A prática da gestão democrática e participativa

A luta pela gestão democrática da escola pública, consolidada pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB (9.394/96), vai apontar a gestão democrática como princípio legal em defesa da participação da comunidade escolar e local através de órgãos colegiados. Porém, não é o bastante apenas, no plano legal, assegurar a gestão democrática no espaço escolar, é essencial que esta se torne presente também nas práticas e nas ações do cotidiano da escola.

Para que aconteça uma gestão democrática, é preciso que se tenha uma educação emancipadora que eduque para a cidadania, pois escolas e cidadãos sem autonomia não exercerão uma gestão democrática. Nesse sentido, Gadotti (2000, p. 38)ressalta que:

A escola deve formar para a cidadania e, para isso, ela deve dar exemplo. A gestão democrática da escola é um passo importante no aprendizado da democracia. A escola não tem um fim em si mesma. Ela está a serviço da comunidade. Nisso, a gestão democrática da escola está prestando um serviço também à comunidade que a mantém. A gestão democrática pode melhorar o que é específico da escola, isto é, o seu ensino. A participação na gestão da escola proporcionará um melhor conhecimento do funcionamento da escola e de todos os seus atores.

A participação é o principal meio de garantir a gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomadas de decisões e no funcionamento da organização escolar
Libâneo

Nesse sentido, compreende-se que a escola, no cumprimento do seu papel e na efetivação da gestão democrática, precisa não só criar espaços de discussões que possibilitem a construção do projeto educativo por todos os segmentos da comunidade escolar, como também consolidá-los como espaços que favoreçam a participação.

Nesse sentido, uma participação ativa e com qualidade nos processos decisórios e uma conduta ativa e compromissada com o coletivo é mais uma garantia de que a democracia seja efetivada.

Para possibilitar a participação efetiva da comunidade escolar, faz-se necessário um vasto processo de discussão que amplie o acesso à informação e, assim, possibilite a organização da comunidade de tal forma que ela não se permita dominar nem manipular.

Considerações finais

Com este estudo, percebemos as características inclusivas da gestão descentralizadora e da importância de se estabelecer uma gestão democrática, frente à diversidade que a circunda, sendo necessário refletir o ato de gerir dentro das práticas utilizadas corriqueiramente, buscando, assim, uma educação de qualidade.

Percebe-se que a democracia, nas relações internas das escolas, não terá sentido se for desligada de ações que visem à autonomia escolar e à criação de novas formas de poder e que correspondam com as expectativas da comunidade local. Nesse sentido, a desconcentração de poder decisório é a ferramenta que abre o caminho para que um processo de democratização se efetive, buscando sempre uma participação realmente eficaz na construção desse processo.

Vale ressaltar que, enquanto estudiosos do tema abordado, não nos cabe dizer o que é certo ou errado, mas destacar aquilo que consideramos importante e fundamental no processo de descentralização do poder na gestão escolar municipal, tendo em vista uma maior eficiência acerca da gestão democrática, na qual se faz necessário delegar responsabilidades para os agentes educativos.

Dessa forma, torna-se indispensável estabelecer momentos de discussão, para que toda comunidade escolar possa agir direta ou indiretamente no processo de organização e administração das instituições escolares.

Referências

BASTOS, João Baptista. Gestão democrática. Rio de Janeiro: DP& A: SEPE. 1999.

GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 2001.

GATTI, Bernardete A. Procedimentos metodológicos nas pesquisas educacionais. ECCOS Rev. Cient., UNINOVE, São Paulo:1, pág. 63-70, nº 1, v. 1, dez. 1999.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GRACINHO, Regina Vinhaes. Gestão democrática nos sistemas e na escola. Brasília: Universidade de Brasília, 2007.

LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática, 5. ed. Goiânia: Alternativa, 2004.

LÜCK, Heloísa. Perspectivas da gestão escolar e implicações quanto à formação de seus gestores. In: Em Aberto, n° 72 (Gestão Escolar e Formação de Gestores, Junho de 2000, p. 11-34).

MACIEL, Maria José de Oliveira. Gestão escolar democrática: os conselhos escolares na Rede Municipal de Ensino do Recife. Dissertação de Mestrado em Educação. UFPE. Recife, 1995.

Contudo, observamos que, apesar de estar regulamentada através de leis e normas escolares, a democracia ainda é um direito que muitas vezes não é respeitado, em especial na área educacional. Por isso, é necessário entender que a democracia não é uma opção, e sim uma lei que deve ser cumprida.

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