Edição 53

Em discussão

Inclusão digital, um desafio a ser conquistado

Valdirene Moura da Silva

A proposta deste artigo é refletir a respeito de um projeto de inclusão digital sob forma de um plano de ação em uma escola da rede pública municipal de Vertentes. Trata-se das conclusões de um exercício de pesquisa realizado no âmbito das atividades do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco, Câmpus Acadêmico do Agreste, no qual se utilizaram as técnicas de coleta de dados com observação participante de 30 horas na escola referida, caracterizando uma abordagem qualitativa de estudo de caso. Nesse sentido, buscou-se compreender a demanda pelo uso da informática na escola e a posição dos sujeitos envolvidos no processo educativo, evitando que a comunidade escolar continuasse à mercê da exclusão digital. A fundamentação teórica procurou discutir os seguintes aspectos: inclusão digital, um apoio pedagógico; gestão democrática; e inclusão digital sob a perspectiva de autores como Carlos Libâneo, Romeu Kasumi Sassaki, Isabel Alarcão, Carmem Lúcia Prata, entre outras referências.

Introdução

Considerando gestão democrática um assunto bastante amplo e complexo, há de se ressaltar a importância dela no contexto escolar, que se caracteriza pela preocupação em organizar ações buscando a melhoria do ensino na escola. Dessa forma, propõe-se discorrer sobre um plano de açãocujo objetivo é a inclusão digital na escola, numa tentativa de proporcionar tanto aos alunos quanto à comunidade o acesso aos recursos tecnológicos. A ênfase, nos dias de hoje, nos recursos tecnológicos nos motiva a termos conhecimento na área. Além de englobar uma questão sociopolítico-cultural, o acesso à Internet possibilita extrapolar os muros da escola em busca de conhecimento.

A pesquisa desenvolveu-se na Escola Teatro Mágico (nome de fantasia para preservar a integridade dos sujeitos envolvidos), visto que os alunos manifestavam o interesse em ter acesso ao mundo tecnológico. Essa demanda passou a ser uma meta para a gestão da escola, compreendendo sua legitimidade, já que a escola localiza-se em uma comunidade carente, inviabilizando o acesso a cybers.

Não ter acesso à informática, atualmente, configura-se em uma forma de exclusão social, e, na instituição escolar, essa realidade não é diferente. A inclusão digital é fundamental porque se torna palco do ato educativo, no sentido de discernir as informações que os alunos recebem via Internet, evitando que sejam manipulados pela mídia. Diante desse contexto, surge o problema central da pesquisa: compreender a demanda pelo uso da informática na escola e a posição dos sujeitos envolvidos no processo educativo, evitando que a comunidade escolar continue à mercê da exclusão digital.

1. Gestão democrática e a inclusão digital

É importante, a princípio, diferenciar gestão democrática e gestão escolar; quanto à escolar, Libâneo (2005, p. 323) menciona ser: “[…] uma organização escolar tomada como uma realidade objetiva; neutra, técnica, que funciona racionalmente”.

Quanto à gestão democrática, ela é tomada como um fio condutor para analisar o quadro da educação de hoje. Para Libâneo (2005, p. 326), seria: “Acentuar a necessidade de combinar a ênfase sobre as relações humanas e sobre a participação das decisões com as ações efetivas para atingir com êxito os objetivos específicos da escola”.

Portanto, assim como a inclusão digital é um projeto com ênfase relevante na área educacional, a gestão democrática também é, pois proporciona a interação entre as pessoas que a compõem (gestor, professor, aluno, funcionários) para, consequentemente, ir em busca de soluções para os problemas diagnosticados. O uso do termo inclusão é relativamente recente. Hoje em dia, o vemos e o utilizamos com mais frequência. Sassaki conceitua a inclusão, de modo geral, como:

O processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais gerais constitui-se, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos (SASSAKI, 1997, p. 3).

Isso nos permite compreender que a palavra inclusão tem uma dimensão ampla que a transforma em uma difícil realidade. Se oferecer um ensino de qualidade permite que as disciplinas constituam um meio para o aluno enxergar o mundo, proporcionando chegar, de fato, ao conhecimento, a escola precisa recriar suas práticas a fim de valorizar as diferenças. É nessa busca que irá proporcionar a abertura para as inovações, ou seja, a sociedade é influenciada e, por sua vez, influencia (ALARCÃO, 2003). Portanto, é necessário que a escola construa uma visão aberta para as inovações não só tecnológicas, mas também para questões pedagógicas. Se os jovens não tiverem acesso à Internet em um local confiável, no caso a escola, com toda certeza eles a buscarão em outro lugar e ficarão mais vulneráveis à manipulação.

Nessa perspectiva, Isabel Alarcão (2003) acrescentará ainda que “é preciso saber o que procurar e como procurar”. A demanda cada vez maior do uso da tecnologia na formação do cidadão exige cada vez mais esse conhecimento; quanto a isso, Prata nos diz:

A facilidade do acesso à informática nas escolas públicas faz com que, mesmo isoladas geograficamente, possam estabelecer um novo formato de comunicação virtual com indivíduos e comunidades distantes (PRATA, 2002, p. 96). O caminho da inclusão digital é longo, não podemos negar. Desafios são normais e imprescindíveis para sermos motivados e para que, a cada ultrapassagem de obstáculos, consigamos ser, de fato, a diferença em um processo inclusivo.

2. Um caminho metodológico: a escola

A Escola Teatro Mágico, objeto desta pesquisa de caráter qualitativo, localiza-se em Serra da Cachoeira, distrito de Vertentes — PE. Tratando-se de zona rural, é, portanto, de difícil acesso. Conta com dezessete professores, uma biblioteca, uma quadra esportiva, pátio coberto, dois laboratórios de informática, sala da diretoria, sala dos professores, secretaria, refeitório, cozinha, banheiro dos alunos (feminino e masculino), banheiro dos funcionários, dez salas de aula e cerca de quatrocentos alunos. Atualmente, conta com Educação Infantil, Ensino Fundamental I (1º a 5º ano ) e Ensino Fundamental II (6º a 9º ano).

construir_img_gest_inclu

A pesquisa foi realizada em um período de 55 dias, totalizando 30 horas em campo junto à gestora, a alguns alunos escolhidos aleatoriamente (de 6º a 9º ano, dois de cada, totalizando, portanto, oito alunos) e a dois professores incluídos no projeto Inclusão Digital. As estratégias metodológicas utilizadas para a coleta de dados foram as seguintes: observação do campo (com anotações relatadas no diário de campo); questionários diferenciados para gestora, professores e alunos; e conversas informais registradas no diário de campo. Ao longo da pesquisa, a gestora será identificada como G1; as professoras, como P1 e P2; e os alunos, como A5º, A6º, A7º e A8º.

3. Inclusão Digital: um apoio pedagógico

O projeto Inclusão Digital trata-se de um plano de ação cujo objetivo é proporcionar acesso à informática aos alunos desfavorecidos.

Procurou-se saber como eram tomadas as decisões na escola. Em um dos depoimentos (P1), afirmava-se que “todas as decisões relativas aos alunos são tomadas através de reuniões com todo o grupo”. Infelizmente, essa realidade não é unânime na Educação, como Égler (2005, p.13) vai nos afirmar: “O professor brasileiro, quando foi bem preparado, o foi para ensinar a um modelo de aluno que não existe mais nessa escola universalizada”. Da mesma forma, todos acabam sendo vítimas dessa padronização existente nas escolas, em que o aluno deve ser passivo; o professor, reprodutor; e o gestor, o ditador.

Nessa escola, parece haver um cuidado especial com essa inclusão, confirmado pelas seguintes declarações: “O projeto Inclusão Digital é de suma importância, principalmente para nossos alunos que são carentes. É também de grande valia a todos nós que estamos em sala de aula (P1, setembro, 2008)”.

4. Inclusão Digital: construindo uma sociedade para todos

Como essa análise baseia-se no uso da informática nas escolas, é importante avaliar as estratégias utilizadas pela gestão para tentar erradicar ou pelo menos diminuir a exclusão digital na escola. Dentre elas:

Tivemos a iniciativa de pedir uma doação ao “dono” dos Correios do Recife, porque soubemos que ele iria trocar os computadores, então solicitamos. No entanto, ele mandou a resposta afirmando que só poderia fazer a doação se nós comprovássemos que a escola era filantrópica. Como não conseguimos, foi sem sucesso. Podemos comprovar essa ação através da carta enviada (G1, setembro, 2008) Quanto à implantação do programa, constatou-se:

Positivo: a empolgação dos alunos, facilitando, assim, uma melhor aprendizagem; negativo: poucas aulas semanais, manter os computadores funcionando (P1, setembro, 2008).

Positivo: sempre tive vontade de aprender informática e não tinha chance, estou realizando meu sonho; negativo: temos poucas aulas (A7º, setembro, 2008).

Há de se destacar que o laboratório da escola ainda é restrito ao horário da aula, privando o aluno de fazer pesquisas em outro horário; quanto a isso, Prata (p. 103) vai nos dizer: O laboratório da escola deve estar disponível em todos os horários de funcionamento da mesma, para que professores e alunos possam utilizá-lo em suas atividades de ensino e de aprendizagem.

Infelizmente, o laboratório da escola envolvida não está disponível para todos os horários, como Prata propõe. No entanto, não significa dizer que os alunos não possam realizar seus trabalhos escolares; pelo contrário, existe maior valorização, pois, no momento das aulas, eles são atenciosos e estão eufóricos com a aprendizagem dos conhecimentos tecnológicos. Houve unanimidade na afirmação de que o projeto correspondia às expectativas.

construir_img_gest_inclu3

Apesar das dificuldades enfrentadas para a implantação do projeto Inclusão Digital na escola, é gratificante perceber a prática da decisão coletiva, incentivada pela gestão. Assim, partindo de uma perspectiva inclusiva e democrática, a respeito da família integrada no projeto, percebeu-se que existem aulas compostas de pessoas da comunidade que não são matriculadas como alunos regulares (G1, setembro, 2008).

Destaca-se ainda a importância da participação da comunidade. Quanto a isso, Prata (p. 104) nos dirá:

É fundamental que a escola se articule e se integre estrategicamente com todos os demais elementos que compõem o sistema educacional. Por isso, a introdução à informática nas escolas é um objetivo prioritário no País, que precisa ser realizado como construção coletiva e com a gestão democrática.

Na realidade, enquanto não admitirmos a necessidade de a Educação inovar-se continuamente, estaremos distantes da Educação de qualidade e inclusiva que atenda às demandas sociais.

Considerações finais

A implantação do projeto Inclusão Digital se deu na escola pesquisada em virtude da interação da gestão com os professores e alunos, além de terem sido compreensivos com a demanda dos estudantes.

Embora com alguns problemas, dentre os quais se destaca a dificuldade com a manutenção das máquinas, a gestão da Escola Teatro Mágico mobilizou-se baseando-se em diagnósticos bimestrais das demandas discentes em relação à informática, guiada pelo compromisso de ser uma escola melhor. É válido ressaltar que 90% dos alunos estão satisfeitos com a implantação do projeto e, mesmo sem ter manutenção dos computadores regularmente, reconhecem a singularidade das aulas de informática. A investigação chegou a bom termo, confirmando e ratificando a validade de a escola adaptar-se aos tempos e aos seus alunos, para cumprir, a contento, sua função. Como diz Edgar Morin (citado por Alarcão, 2003, p. 14): “Em vez de uma cabeça bem cheia, reclama-se uma cabeça benfeita”.

Valdirene Moura da Silva é formanda em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Referências bibliográficas

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonço de. Fundamentos da Pesquisa Etnográfica. In: ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonço de.
Etnografia da prática escolar. 2. ed. Campinas: Papirus, 1998.

ALARCÃO, Isabel. Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.

BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9.394 de dezembro de 1996.

Brasília.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa Qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 136.

EGLÉR, Maria Teresa. Pátio: Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2005. Ano VII. nº 32.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Pratica Educativa. 36 ed. São Paulo, 1996. (p.35 a 38).

LIBÂNEO, José Carlos. Educação Escolar: Políticas, Estrutura e Organização. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. (p. 315

a 327).

PRATA, Carmem Lúcia. A Informática na Escola: uma Construção Coletiva. In: Luce, M. B. e MEDEIROS, I. L. Gestão
Escolar Democrática: Concepções e vivências. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.

SASSAKI, Romeu Kasumi. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. 6. ed. Rio de Janeiro, 1997. (p. 38 a 50).

cubos