Edição 10

Lendo e aprendendo

Lendo e aprendendo…

Angela Lago é autora de vários livros, a maioria deles premiados, seja pela bela composição em relação às imagens ou pelo cuidado na elaboração dos textos. Alguns deles são: A história de um vaso de amor-perfeito, Chiquita Bacana e as outras Pequetitas, O Cântico dos Cânticos, dentre tantos outros. Mas escolhemos um que nos chamou atenção: Cena de Rua, por se tratar de uma obra que retrata, de maneira singular, o cotidiano de inúmeras crianças brasileiras. Para isso, Angela nos concedeu a entrevista a seguir via internet. Aproveite!!!

Construir Notícias – Angela, você escreve e ilustra. Qual desses dois processos de criação se desenvolve mais facilmente com você? Por que?
Angela Lago – Quase sempre o desenho. Desenhar é uma experiência que está ligada à expontaneidade, à experimentação. Pode ser demorado, exigir esforço, mas é sempre lúdico. Escrever também é um jogo, mas de uma outra maneira: é mais calculado, mais cabeça.

CN – Mais especificamente sobre o livro Cena de Rua, como foi o processo de criação dele?
AL – Desenhei de uma vez todo o esboço da história em uma tira de papel. Já dividido por página e com o esquema para as cores. O livro veio de graça, sem esforço, o que para mim é raro. Não fiz nenhuma mudança. Deixei a tira colada com durex na minha mesa enquanto fazia os desenhos. A preocupação que tive durante a execução dos originais foi a de usar o meio da página, aproveitar a dobra da folha. Essa possibilidade de desenhar para o livro enquanto um objeto com movimento já estava presente em trabalhos anteriores, mas no Cena de Rua ficou bem mais claro. Acentuo as perspectivas colocando o ângulo mais profundo no meio da página, acentuo até os movimentos colocando também aí os cotovelos e joelhos.

CN – Quando este livro é trabalhado em sala de aula, confirma que ainda existe um “olhar seletivo” das pessoas, ou seja, elas olham, mas só “enxergam” aquilo que querem. O que você diria dessa experiência?
AL – Estranho que isso aconteça. O livro é uma reportagem, um livro denúncia. Para que ele possa ser narrado por imagens não há complexidades nos personagens. Os personagens são propositadamente caricatos. E a narrativa me parece simples. Talvez seja difícil suportar o absurdo do mundo contemporâneo.

CN – O Cena de Rua é uma obra excelente para construírmos uma narrativa do olhar com crianças e, até mesmo, com adultos, mas é preciso que exista uma prévia “alfabetização” do olhar?
AL – Não. Quero acreditar que esta alfabetização do olhar possa começar com livros como o Cena de Rua. É claro que os leitores visuais mais sofisticados farão leituras mais sofisticadas do livro. O fato de saber, por exemplo, que o livro usa uma linguagem expressionista que surgiu na Alemanha do entre guerras, pode ajudar a criar paralelos interessantes. Mas isso não é necessário. O único código que é necessário conhecer é o das cores do semáforo, que nos falam, pare, olhe, antes de seguir.

CN – Você acha que livros com o Cena de Rua (sem texto) são bons para trabalhar competências textuais (como: sequencialidade lógica, produção textual através da oralidade, descrição de imagem, refletir sobre os sentimentos que a imagem provoca etc) nas crianças da Educação Infantil, que ainda não dominam escrita e leitura ou apenas com as que já dominam? Por que?
AL – Eu tenho muito medo do Cena de Rua criar angústia e ansiedade nos pequeninos e quero pedir com todas as letras que o livro seja usado só com crianças que dominem a escrita e leitura e já estejam aptas a refletir sobre questões sociais. Tenho um outro livro sem palavras que recomendaria para a Educação Infantil: Outra Vez. A criança pequenina terá com ele a possibilidade de ler diferentes histórias paralelas a história central e com isso bastante liberdade para produzir seus textos. Um outro livro meu só de imagens, O Cântico dos Cânticos, foi feito pensando um público jovem. O livro de imagens não é necessariamente um livro para crianças não alfabetizadas. De qualquer maneira a criança não alfabetizada já é capaz de ler uma sequência de imagens e é bom que ela tenha à mão livros que ela possa ler sozinha.

CN – Você foi uma das primeiras autoras brasileiras a fazer sua homepage. Qual o motivo?
AL – A curiosidade pela nova linguagem e o desejo de usar uma mídia através da qual eu poderia falar com crianças de todos os grupos sociais. Tenho no meu site uma frequência razoável de internautas que usam computadores em centros comunitários de periferia ou favelas e torço para toda escola pública, principalmente a da menor cidade ou vila, a do menor arraial, ser equipada com esta biblioteca gigante que é a Internet.

CN – Inclusive ela foi atualizada e, na abertura, há uma passeata contra a guerra, a intenção dela foi protestar, mobilizar as pessoas a também se “mexerem” contra a guerra ou os dois?
AL – Pois é. Cada vez temos mais consciência que somos cidadãos do mundo e que tornar público nossos anseios por justiça e paz é a nossa força.

CN – Qual a sua concepção sobre a utilização nas escolas de novas tecnologias (o computador, por exemplo) e novas linguagens (a internet)?
AL – Acho que vou me repetir, mas não importa. As escolas dos menores vilarejos são as que mais precisam da Internet. A Internet é uma ferramenta formidável não só para a obtenção ou troca de informações, mas porque é a maior biblioteca disponível. Além disso, estamos inventando, graças a possibilidade de aliar interação, som, texto, animação, uma maneira de transformar o aprendizado em jogo.

CN – Com o desenvolvimento e a utilização da internet, muito falou-se no fim dos livros impressos ou em sua diminuição, entretanto há uma demanda cada vez maior de livros. O que você poderia falar sobre isso?
AL – Vou contar minha experiência. Baixo com freqüência textos clássicos que estão disponíveis na Internet em sites como o Gutemberg, Vercial, ou Cervantes. Livros que não tenho a mão na minha estante e que resolvo ler ou consultar no meio da tarde ou a noite. Diagramo estes textos a minha maneira, com tipo grande e um bom espaço de entrelinha e os leio em meu laptop. Quando viajo carrego diversos livros em um Palm. No entanto continuo uma ávida consumidora deste objeto perfeito que é o livro. E não compro pela Internet porque adoro livrarias, adoro poder manusear os livros.

CN – Um livro é uma obra de arte, sem relação com o lado comercial dele, ou os autores hoje em dia têm que se preocupar com o potencial comercial, fazendo do livro, de certa forma, um produto de consumo? Como fica essa relação hoje em dia?
AL – Ao lado dos best-sellers, que tantas vezes conquistam pela facilidade, um bom livro também encontra seu público. Assim espero. E acho que a relação entre consumo e arte, sempre existiu. A meu ver, todo objeto de consumo deveria ser pensado como objeto de arte. Como os belos utensílios das nossas tribos indígenas.O livro tem a grandeza a mais de ter sido o primeiro objeto de massa.  Na verdade a edição do livro impresso foi modelo para a revolução industrial. Eu me preocupo em fazer este objeto o mais belo possível para que um bom número de crianças o desejem e o amem.

CN – Você gostaria de mandar alguma mensagem ao nosso público-alvo, em geral, professores?
AL – Eles já sabem, mas vai: o livro é um grande amigo.

Angela Lago por ela mesma

“Nasci em Belo Horizonte em 1945. Morei na Venezuela e na Escócia. Faz vinte anos que escrevo e desenho livros para criança. Expus meus trabalhos em muitos países e já publiquei até na China. Ganhei prêmios na França, na Espanha, na Eslováquia, no Japão e no Brasil. Mas meu melhor prêmio é quando uma criança me fala alguma coisa simpática. Que mais? Tenho um cachorro chamado Tó, e nós passeamos todos os dias numa praça bonita que se chama Praça da Liberdade.”

Fonte: www.angela-lago.com.br/bio.html

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