Edição 17

Lendo e aprendendo

Luís da Câmara Cascudo

Luís da Câmara Cascudo é, sem dúvida, o maior folclorista brasileiro.
Sua vida foi dedicada à pesquisa e ao registro da cultura popular do País, compondo uma obra fundamental para a
compreensão da identidade nacional.

Nasceu, Luís da Câmara Cascudo, no dia 30 de dezembro de 1898, no bairro da Ribeira, Natal, filho do coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo e de dona Ana da Câmara Cascudo.

Segundo Diógenes da Cunha Lima, Câmara Cascudo foi um “escritor, folclorista, etnógrafo, antropologista cultural, crítico, sociólogo, orador, conferencista”, possuindo, “sobretudo, o dom da prosa, animada, viva, cintilante, com a faculdade rara, feliz, de espalhar bom humor e irradiar simpatia em torno de si”.

Quem melhor definiu o perfil desse provinciano incurável foi o próprio Cascudo. Assim, ele se autodescreveu:

Nasci na Rua das Virgens, e o Padre João Maria batizou-me no Bom Jesus das Dores, Campina da Ribeira, capela sem torre, mas o sino tocava nas Trindades ao anoitecer. (…) Nunca pensei em deixar minha terra. Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade. Nossa casa no Tirol hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo. (…) Filho único de chefe político, ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível dividir, para mim, conterrâneos em cores, gestos de dedos, quando a terra é uma unidade com sua gente. Foram os motivos de minha vida expostos em todos os livros. Em outubro de 1968, terei meio século nessa obstinação sentimental.

Considerava-se um menino rico, mais foi um menino triste: “Fui menino magro, pálido, enfermiço. Cercado de dietas e restrições clínicas. Proibiram-me movimentação na lúdica infantil”. Esse fato marcou-o de tal maneira que, quando adulto, não esqueceu:

…falar só, abstração, timidez — repulsa ao grupo, silêncio pelo isolamento, intensidade de vida, interior suprindo a distância da convivência menina. Lia muito, mais do que apreciava os jogos materiais. Ficava horas e horas imóvel, num caldeirão de braços com o livro na perna, viajando na imaginação. Deveria ser introvertido, ensimesmado, caladão. Foi ao contrário — sou extrovertido, palrador, derramado.

Ao crescer, Câmara Cascudo tornou-se um jovem elegante, muito estimado pelas moças natalenses. Apaixonou-se, entretanto, por uma moça de dezesseis anos, Dália Freire, e com ela se casou, no dia 21 de abril de 1929. Teve dois filhos: Fernando Luís e Ana Maria Cascudo.

Estudou medicina na Bahia e no Rio, mas acabou bacharel formado pela Faculdade de Direito do Recife, vindo a ser professor do Ateneu, em Natal, já então reduzido o patrimônio familiar, havendo que trabalhar para viver. Funções públicas posteriores: uma eventual deputação estadual, a diretoria do Museu e Arquivo Público, uma consultoria jurídica do Estado, o jornalismo e o magistério, porém, como constantes e denominadores comuns, inclusive à cátedra de Direito Internacional Público na Faculdade de Direito de Natal. De dentro para fora, irreprimivelmente, continuava a sugestão dos fatos e das coisas que lhe haviam impressionado e marcado a meninice, nos sertões do Rio Grande do Norte e da Paraíba: a terra, o homem, o ambiente, as histórias e “estórias”, indicando-lhe rumos novos ao trabalho intelectual. Pesquisas de campo, no meio rural, mesmo em algumas áreas urbanas; de tradições; de hábitos; de crendices; de superstições de caráter popular — correspondências ao interior e exterior, sede de alta cultura: indagando, investigando, informando-se. Foi na época de professor do Ateneu que um colega lhe foi sugerir a exoneração ao Governador Juvenal Lamartine: não era admissível um professor do mais respeitado educandário do Estado andar estudando lobisomens e outros bichos suspeitos de bruxarias e “coisas feitas”.

A carreira de professor, entretanto, (titular emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) constituiu um dos elementos ou uma das expressões mais fascinantes de sua personalidade. Seus alunos de tantas e sucessivas gerações, de cursos secundário ou superior, jamais esquecerão a palavra de aspectos e acentos novos, a memória prodigiosa, a erudição flagrante, os conhecimentos generalizados, animando as aulas de estranhas luzes e perspectivas, estendendo pontes de comunicação, ângulos de convergência e interesse entre mestre e estudantes.

Em 1948, recebeu o título de Historiador da Cidade de Natal, das mãos do prefeito Sylvio Pedroza.

O jornal A Imprensa, de seu pai, abriu-lhe as portas do jornalismo, iniciado na seção Bric-à-Brac. Assinou uma crônica diária em A República, que o tornou famoso: Acta Diurna (foram escritas 3.200 crônicas).

No Recife, colaborou em vários órgãos da imprensa: Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco, Diário da Manhã e também em outros jornais do País.

Nas palavras de Luiz Gonzaga de Melo, Cascudo foi “um dos maiores divulgadores da ideologia da Ação Integralista Brasileira”, chegando, inclusive, a ser o chefe desse movimento no Rio Grande do Norte. Tornou-se um assíduo colaborador do semanário A Ofensiva e, ainda, das revistas Anauê e Panorama.

Cascudo também gostava de música e por suas notas aventurou-se, chegando a fundar a Sociedade de Cultura Musical; presidiu o Instituto de Música do Rio Grande do Norte e dirigiu a revista Som. Alguns títulos de crônicas de Cascudo comprovam sua atuação como musicólogo: Prelúdio sobre Bach, Modinhas e modinheiros de Natal, Da canção brasileira, A cantoria sertaneja, etc.

Ainda hoje, é considerado um dos maiores folcloristas do mundo e o maior do Brasil. A sua obra mais importante, nessa área, chama-se Dicionário do Folclore Brasileiro (1954). Outros livros de Cascudo sobre o folclore: Geografia dos Mitos Brasileiros (Prêmio João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras, 1948), Folclore do Brasil (1967), etc. Como historiador, escreveu duas obras definitivas, História da República do Rio Grande do Norte (1968) e História da Cidade de Natal (1947). Tem também obras publicadas no campo da Etnografia, escreveu um livro completo: Jangada (1957). Outros livros: Nomes da Terra (1968), História da Alimentação no Brasil (3 vols. – 1º vol. – 1967), Rede de Dormir (1959), O Tempo e Eu (1968), etc. Escreveu, ao todo, 150 livros.

Percorrendo-lhe, atualmente, a bibliografia, é fácil imaginar o tumulto em que arderam a inteligência e a sensibilidade cascudianas, por todos esses dilatados anos de elaboração de sua obra numerosa: a experiência pessoal, o “saber de experiência feita”, aliando-se, assim, como já se acentuou, à pesquisa, ao estudo comparativo, à convivência com outros mestres em idênticas matérias, nacionais ou estrangeiros. Ressentiu-se, por vezes, naturalmente, desse penoso e longo esforço, o seu organismo, dado que somente deixava sua mesa de trabalho às primeiras horas da madrugada, num labor que a cidade, em geral, não ignorava. Na sua verde velhice, não escapou, por isso mesmo, a certos repousos forçados em clínicas da espécie, de um deles até havendo trazido, como depoimento, o Pequeno manual do doente aprendiz. Alcançou-o, aliás, um pouco de surdez, de que não se queixava. Ao contrário, era com humor que afirmava, constantemente: “que ela me permite ouvir apenas o que eu quero; além de, por outro lado — e este seria o aspecto mais importante —, estar me proporcionando uma mais intensa vida interior, pondo-me, agora, a conhecer-me mais e melhor do que antes…”

Luís da Câmara Cascudo faleceu em Natal, no dia 30 de julho de 1986.

Casa Câmara Cascudo
Av. Câmara Cascudo, 377 – Natal – RN. Fone: (84) 222 3293.
Site: www.memoriaviva.digi.com.br/cascudo/index.htm
Visitas: Segunda a sexta, das 8h às 17h. Sábados, das 8h às 12h.

Referências Bibliográficas

ABREU, Joana C. Câmara Cascudo e o folclore: uma via para o descobrimento do Brasil, In: Rascunhos de história. Estudos sobre Câmara Cascudo e Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Departamento de História – PUC-Rio, 2001.

BATISTA, Octacílio. Câmara Cascudo por. Natal: União, 1975. (BFCRB)

BRANDÃO, Thadeu de Souza. Câmara Cascudo: um intelectual regional. Natal: SISIFO, 1998. (BMCC)

CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

COSTA, Américo de Oliveira. Câmara Cascudo. Seleta. Organização, notas e estudos de Américo Oliveira Costa. Nota de Paulo Rónai. Rio de Janeiro: José Olympio, INL, 1972.

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