Edição 94

Matérias Especiais

Meus queridos amigos

Dom Helder Camara

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Durante muito tempo, óculos, por mais necessários e úteis que fossem, tinham a fama triste de envelhecer e enfeiar. Era rara a pessoa que ficasse mais bela e mais jovem usando óculos. Hoje é diferente. Há óculos que ainda aumentam a beleza das belas e melhoram muito a sorte das feias. Tive um flagrante delicioso ao ver uma amiga já muito dotada pela providência, tornar-se ainda mais bela com minióculos.

Gostaria tanto de fabricar óculos! Mas eu quero óculos mágicos. Já pensaram como seria bom fabricar óculos capazes de ajudar-nos a descobrir o lado bom das pessoas e de tudo o que acontece? E se a gente pudesse ter óculos que ajudassem a descobrir esperança nas horas em que tudo em volta só fala em desespero, morte e destruição.

Gostaria de óculos que, postos nos olhos dos ceguinhos, permitissem a quem não vê nem o vulto das criaturas, enxergar como se não houvesse cegueira. Gostaria de óculos que nos permitissem ver tudo em volta com os olhos inocentes das criancinhas. Gostaria de óculos que ajudassem jovens desencadeados antes do tempo, amargos, pessimistas, descrentes do amor, a contemplar o mundo com o olhar cheio de surpresa, de esperança e de mistério dos que despertam para o amor.

Gostaria de óculos que ajudassem a vencer o medo, a pisar sem arrogância, mas com firmeza, este querido e atormentado chão dos homens. Gostaria de óculos que permitissem ver o fundo do mar, com suas maravilhas de movimento e de cores. Gostaria de óculos que ajudassem a participar do balé maravilhoso dos astros pelas alturas.

Gostaria de óculos que nos ajudassem a ver o invisível, sem dúvida a parte mais bela da criação: a ver o momento em que os botões rebentam e as flores se abrem, a contemplar as primeiras réstias de luz da alvorada que chega, a assistir às primeiras tentativas do voo de passarinhos, a ver os corações que estremecem e vibram ao impulso do primeiro amor (e todo amor tem sempre o encanto do primeiro).

Que encanto mergulhar no invisível e acompanhar as vitórias interiores de quem se abre, sempre mais, para a compreensão das fraquezas humanas, para o trabalho sagrado de tentar desenvenenar os ambientes e superar intrigas, para viver a bela missão de semear esperança, alegria e paz!

Senhor, não precisais de fabricação de óculos mágicos. Vossa graça divina nos fazendo descobrir Vossa presença — riqueza das riquezas do invisível — abre os nossos olhos para as maravilhas sem conta que o invisível guarda e protege.

ROZOWYKWIAT, Tereza (Organizadora). Meus queridos amigos: as crônicas de Dom Helder Camara. Recife: Cepe, 2016.

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