Edição 32

Matérias Especiais

Música, ritmos e danças que retratam a Amazônia

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Nem só de samba e carnaval vive a musicalidade brasileira. A cultura amazônica, por exemplo, que recebeu importante influência dos povos indígenas, tem outras preferências musicais. Nossa região possui cultura, hábitos e tradições que persistem e quase não foram alterados através dos tempos. Mesmo com as massivas propagandas subliminares veiculadas na grande mídia, a exemplo da axé-music, da música sertaneja e de outras tantas.

Apenas o forró, o swing e o calipso conseguiram adentrar-se na região. O primeiro, em áreas colonizadas por nordestinos (ex-soldados da borracha), em especial no Acre, em Roraima e em Rondônia. Hábitos culturais e culinários regionais exuberantes, com aromas e sabores personalíssimos, ainda se mantêm, em alguns aspectos, quase inalterados. O calendário de eventos das cidades da região também expressa essa característica própria em elementos como música, artes plásticas, artesanato e folclore regionais.

O brega, a toada do Boi de Parintins e o carimbó formam o tripé musical da Amazônia cultural e artística. Em Manaus, pelo menos um dia da quadra momesca é dedicado exclusivamente às toadas do Boi de Parintins, denominado Carnaboi, influência que atinge até os festejos do aniversário da capital amazonense, em outubro, com o Boi Manaus.

A toada do Boi de Parintins nada tem a ver com a do tradicional bumba-meu-boi do Maranhão. Ela nasceu do mesmo processo de transformação do folclore na Ilha Tupinambarana, com destaque para os surdos e as caixinhas — colocando as baterias em segundo plano. A coreografia tem movimento de pernas tipo “dois para lá, dois para cá”, sincronizados com os braços e o corpo. As toadas ganharam força e espaço na mídia nacional com os cantores Zezinho Corrêa (Grupo Carrapicho), Fafá de Belém e David Assayag.

No interior do Estado do Amazonas, os diversos municípios também realizam suas festas próprias, como Manacapuru, com seu Festival de Cirandas; ou o Festival da Canção, em Itacoatiara, com artistas, compositores e intérpretes.

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Além das toadas do boi-bumbá, a riqueza musical e coreográfica da Amazônia apresenta um grande elenco de músicas, ritmos e danças, como a dança das pretinhas de Angola, o bangüê, o batuque, o marabaixo, o gambá, o carimbó, o siriá, a chula marajoara, a dança do coco, a ciranda, o lundu, a marujada de Bragança (chorado, retumbão, mazurca, valsa, xote, contra-roda), o marambiré, o obaluaiê, o samba do cacete, a dança dos vaqueiros de Marajó e outras tantas. Isso sem falar no brega e no forró, que são muito populares na região.

O Amapá, contagiado pela cultura negra, onde se destacam os grupos Senzalas, Pilão e Negro de Nós, além de vários cantores e compositores locais, traz, em seus talentosos artistas, o jeito de cantar as coisas da Amazônia, diferente da negritude baiana. Os amapaenses mostraram o que há de melhor na música tucuju, com muito batuque, marabaixo, cacicó e zouk (ritmos da cultura local, da Guiana e do Caribe, mas com características próprias da região).

O brega e o carimbó dominam os palcos e salões paraenses, ritmos que venceram a imensidão regional levados pelas ondas do rádio e pelos canais de televisão. Essas novas tendências musicais se expandiram de fato nos anos 1970, firmando-se nacionalmente com uma nova performance, com muito swing. O brega, que foi inspirando no swing, em especial na música It’s Now or Never, interpretada pelo “rei” Elvis Presley, passou por várias fases de renovação e mudanças rítmicas, firmando-se no plano nacional, em especial no Estado do Pará. Ritmo quente e com letras irreverentes, o brega ocupa cada vez mais espaço e atenção nas mídias alternativas regionais.

Atualmente, o brega ganhou mais popularidade, novos intérpretes e compositores e novas bandas: Roberto Vilar (maior vendagem de disco), Tony Brasil, Banda Sayonara, Banda Xeiro Verde, Banda Sabor de Açaí, Calypso, entre outros. Mas, sem dúvida, seus maiores expoentes nacionais são os cantores Reginaldo Rossi e Wanderley Andrade, que mostram carisma e têm uma legião de fãs espalhada em todos os cantos.

No palco e nas reportagens sobre o ritmo, o brega é um grande fenômeno junto ao público. Mas, longe do sucesso meteórico dos grandes astros que contam com a estratégia de publicidade de gravadoras multinacionais, produtoras, selos e divulgação na grande mídia, o brega paraense se desenvolve com seu estilo próprio. Esse movimento musical caracteriza-se por uma variedade de estilos de músicas do brega paraense, incluindo os já conhecidos bregas pop e calipso. Seus autores, entre eles o maestro Manoel Cordeiro, afirmam que essa atual denominação, calipso, é mais vendável, porque o paraense da classe média, apesar de gostar do estilo musical, não tem muita simpatia pelo nome brega, pois sempre associa essa palavra a algo cafona, tão utilizado no passado.

Mas é o carimbó que assume mais plenamente a personalidade paraense. O município de Marapanim (PA) defende o direito de ser o criador do ritmo alucinante que marca o folclore paraense. Carimbó é o nome dado ao instrumento de percussão feito de um tronco escavado de 1 m de comprimento por 30 cm de diâmetro, em cuja extremidade era esticado um couro de veado que produzia o som. Naturalmente que os tambores vieram do batuque, base rítmica da cultura negra introduzida no Brasil pelos escravos africanos, mais tarde assimilados por índios e brancos.

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O renomado escritor José Veríssimo afirmou que, na dança do gambá, ou tambores de gambá, em Óbidos, usavam-se os mesmos tipos de percussão. Na região canavieira do Estado (Igarapé-Miri), predominava o bangüê, que também usava o mesmo instrumento. Conclui-se, portanto, que o curimbó, ou carimbó, surgiu da necessidade que os negros escravos sentiam de se divertir, e a música adaptada das rodas de samba favorecia o distanciamento do estado nostálgico dos escravos que viviam nos sítios e nas fazendas da região. Porém, o município de Marapanim, ao que tudo indica, foi de fato o criador da dança do carimbó, surgido num lugar chamado Santo Antônio, hoje Maranhãozinho, no município. Os registros da irmandade de São João Batista dão conta de que as cantorias eram feitas com os atabaques. A partir daí, foi aproveitado o nome do tambor para a dança e tornou-se a dança do carimbó, que passou a incorporar uma das riquezas culturais do município de Marapanim e, logicamente, do Estado do Pará.

No fim do século XIX, a polícia não admitia a dança, pois afirmava ser dança de desocupados, dança de negros, dança de escravos, e isso criava problemas seriíssimos, pois os brancos não aceitavam essa manifestação. Mais tarde, o carimbó se tornou uma festa de temporada, e as autoridades reservaram o mês de dezembro para que fossem levantados os barracões, onde se dançava a noite toda. A aceitação veio em função do espírito religioso, pois os negros também queriam homenagear São Benedito, que se celebra dia 26 de dezembro. Nessa data, era levantado o mastro votivo, e os juízes do mastro e da bandeira eram os promotores das noitadas de carimbó, que se estendiam até o dia 6 de janeiro, quando era festejado o Dia dos Santos Reis.

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O carimbó que se pratica hoje na região do Sal gado é definido como carimbó praiano, diferente na parte coreográfica do carimbó rural e do pastoril. O carimbó praianoé dançado de forma ereta, e o cavalheiro é o centro das atenções porque lhe cabe a primazia “de tirar a dama para a dança”; já no carimbó rural e no pastoril, o cavalheiro dança agachado, bem chegado ao lundu que se dança no Arquipélago de Marajó.

O carimbó teve inúmeros mestres nessa arte, porém o destaque maior fica para Lucindo Costa, conhecido como Mestre Lucindo. Mas devemos reconhecer a contribuição de inúmeros cantores, como Eliana Pitman, que talvez tenha sido a primeira artista a reconhecer o carimbó como ritmo; Roberto Leal, que internacionalizou o ritmo; Nazaré Pereira e o velho Pinduca, que ganhou até mesmo o título de Rei do Carimbó.

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Além dos ritmos e das danças mais tradicionais de nossa região, como a toada, o carimbó e o brega, outros compõem o elenco regional, como segue abaixo:

Marambiré – A dança vem do ex-quilombo do Pacoval, vila alenquerense localizada à margem do Rio Curuá. É um patrimônio histórico e cultural do município e traz a lembrança dos antepassados africanos do antigo quilombo, que não deve ser vista somente como expressão isolada da raça negra, mas sua integração no contexto regional. Acontece no Natal, se prolonga até 20 de janeiro, Dia de São Sebastião.

Bangüê ou Dança dos Engenhos – Criada pelos escravos africanos que habitavam a Ilha de Marajó e o município de Cametá, a dança folclórica surgiu nos engenhos chamados bangüê (engenho de açúcar, em dialeto africano). Os movimentos exagerados da dança se devem à imitação das ondulações feitas pela espuma do tacho (caldeirão), onde se preparava o mel de cana.

Batuque – Uma manifestação que se ramificou do candomblé e foi implantada na Amazônia na era colonial, da mesma forma como nas demais províncias e regiões brasileiras. O batuque é a denominação genérica dada pelos portugueses para toda e qualquer dança de negros ou qualquer dança de tambor de caráter religioso ou não. No Pará, Amapá e Amazonas, é a denominação comum para os cultos afro-brasileiros. No Amapá, o batuque assume rituais miscigenados, praticados na comunidade do Curiaú e em outras de origem negra.

Ciranda do Norte – A dança é de origem portuguesa, tendo uma forma complexa e outra simples. Dançada mais precisamente nas cidades amazonenses de Tefé e Maracapucu, em forma de cordão de pássaros, é rica em sua concepção, na qual nota-se uma variação de passos com diversificação rítmica. É dançada sempre em círculos.

Lundu Marajoara – Outra dança de origem africana que provoca muito interesse. O tema é a sedução da mulher pelo homem. A coreografia é tão carregada de sensualidade que foi proibida no século XIX, voltando a ser praticada às escondidas. No solo marajoara, em Soure, vale registrar o trabalho do grupo de dança existente na Fazenda Tapera, onde a dança é apresentada para turistas, curiosos e estudiosos das danças folclóricas.

Marujada de Bragança – A festividade nasceu de uma autorização dada a catorze escravos devotos de São Benedito que assinaram um compromisso e fundaram a Irmandade de Marujada, em 1798, no município de Bragança do Pará. Nesse ato, os escravos ganharam os direitos de divertir-se, à devoção do santo de sua cor, dançar a seu modo, rezar dançando, etc. A festa acontece no mês de dezembro, quando homens (marujos) e mulheres (marujas) percorrem a cidade imitando o balanço de um barco na água. A marujada de Bragança é dividida em várias danças, como: contradança, retumbão, mazurca, valsa, xote, choro e roda.

Pretinha d’Angola – A dança das pretinhas de Angola é de origem africana, trazida por escravos de Angola que se estabeleceram nas proximidades do Rio Tapajós, mais precisamente no município de Santarém. Essa dança foi muito cultivada quando as escravas africanas e suas descendentes reuniam-se na praça matriz, em frente à igreja, para a interpretação dessa belíssima manifestação coreográfica. De um modo geral, a formação para a dança é de círculo. É exclusivamente dançada por mulheres.

Dança do Siriá – Originária de Cametá, a dança é considerada uma expressão impetuosa de amor, de sedução, de gratidão. O nome siriá surgiu devido à distorção lingüística dos caboclos e escravos da região, quando eles saciavam sua fome com grande quantidade de siris, que denominavam de siriá.

Pinduca, o Rei do Carimbó – Aurino Quirino Gonçalves, o popular Pinduca, foi o responsável pela difusão do carimbó pelo mundo afora. Não fosse ele, talvez somente parte do Pará conheceria esse segmento alegre e dançante da música do Estado. A exemplo do Boi de Parintins, que teve de se valer de instrumentos eletrônicos e artifícios cênicos para ganhar o público mundial, Pinduca popularizou o ritmo com os mesmos ingredientes e ainda motivou artistas ao carimbó, como Eliana Pitman e Roberto Leal. Ele conta que Eliana Pitman teve contato com o carimbó, pela primeira vez, em Fortaleza (CE), ouvindo um de seus discos em uma barraca de praia. A artista gostou da música e entrou em contato com Pinduca. Daí foi o passo que o carimbó precisava para ganhar o País. Pinduca tem 28 discos gravados em 33 anos de carreira, levando o ritmo, juntamente com o sirimbó, o siriá e a lambada, para a Bolívia, o Peru, a Colômbia, Angola e a Guiana Francesa, onde faz sucesso. Apresentou o carimbó em centenas de shows e em programas de TV de apresentadores como Chacrinha, Raul Gil, Gugu Liberato, Sílvio Santos e outros, sempre como representante da música paraense.

Fonte: Revista Amazon View – p. 5 a 8.

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