Edição 31

Matérias Especiais

Novos caminhos da inclusão

Rossana Regina Guimarães Ramos

O programa de Educação Inclusiva consiste em pôr em prática um novo conceito que tem como base tornar a educação acessível a todas as pessoas e, com isso, atender às exigências de uma sociedade que vem combatendo preconceitos, discriminação, barreiras entre seres, povos e culturas.

A inclusão, em termos gerais, consiste em uma ação ampla que, sobretudo em países onde há diferenças sociais muito grandes, propõe uma educação com qualidade para todos. Na idéia de todos, incluem-se também as pessoas com deficiências físicas e mentais. Especificamente neste artigo, tratarei sucintamente de questões práticas e teóricas que dizem respeito à inclusão dos alunos com evidentes limitações físicas e mentais no espaço da escola.

Um breve histórico da deficiência no mundo aponta para uma triste realidade, cujos fatos revelam um longo período de exclusão. Benjamin Rush, médico norte-americano do final da década de 1700, foi um dos pioneiros na introdução do conceito da educação de pessoas com deficiência. Nos Estados Unidos, até 1800, os alunos com deficiência não eram considerados dignos da educação formal.

Ao longo do tempo, apesar de algumas iniciativas, a evolução dos programas de educação para deficientes não apresentou grandes avanços. Somente no início do século XX, começam a surgir escolas destinadas a pessoas com necessidades especiais. Essas escolas, contudo, segregavam os deficientes pelo simples fato de serem exclusivas a essas pessoas. Em muitos lugares do mundo, surgiram escolas para surdos, cegos e portadores de outras deficiências.

A educação pública, em uma perspectiva um pouco adiante, criou as chamadas classes especiais, que, embora estivessem dentro de escolas regulares, eram destinadas a alunos portadores de deficiências, sobretudo de aprendizagem.

Somente por volta dos anos 90, com base na Psicologia e na Epistemologia Genética do psicólogo genebrino Jean Piaget, começam a ser feitas novas leituras da deficiência mental, e, por conta disso, evidencia-se uma nova maneira de compreender o desenvolvimento dos portadores de deficiências mentais e/ou físicas — nestas últimas, incluem-se as deficiências visuais e auditivas —, ou seja, daqueles que têm formas diferentes de apreensão do mundo.

Resumidamente, a teoria de Piaget, bem como de seus seguidores, versa sobre a idéia do desenvolvimento de um sujeito psicológico, individualizado, que constrói conhecimento tendo por base um outro conhecimento que vai sendo, pouco a pouco, sintetizado e integrado, de modo a formar esquemas sucessivos de novos conhecimentos que revelam, através do tempo, sua autonomia intelectual.

Esse último dado, o da autonomia intelectual, é o que se torna relevante como conhecimento, principalmente para os professores que ainda crêem que é possível se ter uma classe homogênea, em que todos aprendem as mesmas coisas ao mesmo tempo.

É preciso, portanto, em uma perspectiva didática inclusiva, considerar os diferentes modos e tempos de aprendizagem como um processo natural dos indivíduos, sobretudo daqueles que têm evidentes limitações físicas ou mentais.

As modernas concepções pedagógicas propõem que pensemos a aprendizagem como um processo interativo no qual as trocas feitas pelos sujeitos são determinantes na construção ou reconstrução do conhecimento. Desse modo, considerando os diversos graus de potencialidade entre os indivíduos, surgem novas perspectivas, como a da inclusão de pessoas com deficiências físicas e mentais no processo educacional regular.

Assim, o que antes era explicado à luz, fundamentalmente, da Medicina, da Psicologia e da Terapêutica passa a ter novos horizontes, ou seja, os da perspectiva social. No campo de uma pedagogia que leva em conta as interações entre os indivíduos, passam a ser incluídas pessoas com deficiências físicas e mentais que, anteriormente, estavam em classes especiais sendo submetidas a tratamentos também especiais.

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O novo modo de ver a construção do conhecimento implica uma nova conduta. O modelo mental criado no âmbito da especificidade das deficiências deve ser substituído por um outro que considera as interações como base da aprendizagem. Contudo, o que se faz pontual, atualmente, nas inclusões escolares é a dificuldade dos profissionais da Educação em modificar suas concepções em relação ao que consideram como “problema”.

Em face dessa questão, cremos que os direcionamentos das capacitações de professores do ensino regular devem ter vistas para os aspectos teóricos que envolvem uma severa mudança nas concepções e nos procedimentos pedagógicos. Contudo, o que nos parece mais complexo nessa mudança é o entendimento, por parte dos professores, de que a pessoa com deficiência no espaço da escola deve estar incluída de forma ampla, sem nenhum tipo de tratamento especial ou conduta que possa vir a excluí-la das dinâmicas escolares.

Assim sendo, os procedimentos devem observar aspectos importantes como os que sugerimos aqui:

Ter como Filosofia da Educação a base teórica construtivista, que considera as diferenças na aprendizagem dos indivíduos.
Conscientizar a comunidade de que o deficiente não vai atrapalhar a aprendizagem dos outros, e sim ajudá-los a vivenciar uma nova experiência como ser humano solidário.
Ter uma equipe de professores e funcionários preparada para lidar com situações inusitadas, como, por exemplo, um aluno que necessita de ajuda para usar o banheiro ou outro que prefira estar a maior parte do tempo fora da sala de aula.
Matricular os alunos portadores de deficiência nas classes correspondentes à sua idade cronológica para que construam, ainda que em defasagem mental, uma idade social¹.
Não priorizar a aprendizagem dos conteúdos educacionais em detrimento da aprendizagem da vida.
Elaborar o plano didático não mais mediante parâmetros preestabelecidos, mas levando em conta a realidade dos alunos da classe.
Não esperar “respostas” imediatas dos alunos com deficiências.
Contudo, não deixar de apresentar determinados temas ao aluno com deficiência, supondo que ele não vá “aprendê-los”.
Avaliar a aprendizagem considerando o potencial do aluno, e não as exigências do sistema escolar.
Em casos extremos, como alta agressividade ou passividade absoluta, solicitar à família ou aos órgãos competentes o auxílio médico.
Fazer da observação atenta o seu mais importante instrumento de tomada de decisão.
Não ter medo de, muitas vezes, aliar a intuição aos conhecimentos de natureza psicopedagógica.
Na contramão desse evidente avanço da ciência moderna, ainda se encontram alguns grupos de terapeutas — médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, etc. — que entendem a educação do deficiente como algo isolado, tendo em vista a chamada Educação Especial. Seria o caso das escolas especiais que oferecem terapias médicas e ocupacionais a pessoas com deficiências, levando em conta as especificidades de cada um.

Não quero dizer aqui que o apoio terapêutico é totalmente desnecessário. Principalmente em se tratando de deficiências físicas ou mentais severas, muitos indivíduos necessitam desse apoio. Todavia, o contato com um grupo de pessoas sem deficiência é um componente efetivo para o seu desenvolvimento físico e mental. Crianças deficientes que têm sido incluídas já nos primeiros anos de vida apresentam avanços significativos em relação àquelas que permanecem fora da escola regular ou em escolas especiais.

Retomando a questão da escola, especificamente a postura dos professores, podemos observar as mais diversas reações quando se trata de incluir, nas escolas regulares, alunos com deficiência. O que vemos é que muitos profissionais compreendem essa nova perspectiva e desenvolvem com bastante facilidade o seu trabalho. Já outros apresentam uma série de barreiras, sobretudo com relação a “não saber o que fazer” com o aluno deficiente. Há também aqueles que alegam “a falta de estrutura” dos sistemas escolares — salas lotadas, espaços reduzidos, falta de assistência psicopedagógica, etc. Esses mesmos argumentos são utilizados quando são tratadas as questões do fracasso escolar. O que se observa, de fato, é que se de um lado estão profissionais que, nas mesmas condições, atendem a seus alunos de forma eficiente, do outro estão aqueles que ainda precisam ser sensibilizados para compreender a perspectiva da inclusão escolar.

No presente artigo, o objetivo principal é o de chamar a atenção para uma realidade que se apresenta em nosso país no âmbito educacional, já que, fora dele, diversos setores da sociedade começam a operar mudanças, ainda que lentas, em direção a um processo de inclusão, haja vista as empresas que vêm destinando cotas de empregos para pessoas com deficiências, bem como oferecendo a elas uma série de benefícios sociais — transporte, equipamentos apropriados, terapias específicas, etc.

O fato é que não podemos perder a oportunidade de avançar na perspectiva de uma nova revolução social, em cuja base estão as concepções interacionistas formuladas pelos grandes mestres da humanidade. Podemos, com isso, também afirmar que uma verdadeira revolução educacional faz-se necessária para que de fato possamos dizer que estamos fazendo uma Educação Inclusiva.

Bibliografia:
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1990.
FERREIRO, Emilia & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, Senac, 1997.
PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, INL,1975.
RAMOS, Rossana. Passos para Inclusão. São Paulo: Cortez, 2005.
REILY, Lúcia. Escola Inclusiva: linguagem e mediação. Campinas: Papirus, 2004.
SALLES et al. Ensino de Língua Portuguesa para surdos. v. I e II. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/Seesp, 2002.
SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998.
STAINBACK, Susan & STAINBACK, William. Inclusão: um guia para educadores:
Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Rossana Ramos é doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Dirige há doze
anos a Escola Viva de Cotia – SP, onde se vivencia a Educação Inclusiva com
muito sucesso.

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1 Como idade social, entendemos a idade cronológica do indivíduo.

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