Edição 87

Ambiente-se

O Corretivo

Telma Gama

Às vezes, me pego pensando nas modernidades que atropelam constantemente nossos dias e nos envelhecidos conceitos sobre as coisas que fazem parte da nossa vida.

Tem algo mais útil e inovador para quem escreve com caneta do que um simples corretivo? Lembro-me bem das peripécias que fazíamos para apagar uma simples troca de vogal usando a caneta; do lado azul da borracha bicolor; das gotinhas (nojentas) da saliva na ponta da borracha para rasgar um pouco o papel e podermos puxar aquela camadinha fina esfregando com a ponta dos dedos e, só assim, conseguir eliminar a tão indesejada vogal — ainda caíamos no risco de esquecer o que íamos escrever naquele lugar, tamanho o esforço que despendíamos para retirá-la.

Penso que algumas invenções poderiam se estender para todos os setores da nossa vida. Imagine se pudéssemos usar esse mesmo corretivo para apagar ou corrigir algumas fases, decisões, pequeninas vogais, alguns advérbios, como sim e não, fazer algumas modificações em textos que passamos erroneamente ao longo de nossa vida?
Não precisava ter um efeito avassalador, apagar anos, décadas… Que corrigisse pequenos detalhes, uma vírgula ou um ponto final, que, certamente, poderia ser uma reticência, uma oportunidade de continuar em um outro momento, um outro tempo…

O tão desejado líquido iria ter uma procura desesperadora e, na certa, faltaria nas livrarias e demais lojas de variedades; procuraríamos naquelas lojinhas do nosso bairro e pagaríamos muito caro por um frasco minúsculo que não seria suficiente para apagar tudo que desejássemos.

Um bom amigo ou outro perguntaria se poderíamos emprestar e, é claro, ficaria chato negar. Certamente na escola seria um material raro, fora dos estojos infantis e juvenis, já que estaria guardado nas bolsas das mães ou pastas dos pais com muita cautela, afinal seria fácil apagar aquela tão indesejada notinha vermelha passando o tal líquido no dia daquela provinha que sucedera um final de semana de muito sol, churrasco e festa à noite.

Como tudo na vida, ele faria muito bem a alguns e mal a outros. Mudaria vidas, decisões erradas, vontades, desejos.

É, pensando bem, não poderíamos produzir nada com tamanho poder sem correr grandes riscos. Seríamos imprudentes muitas vezes, inconsequentes, outras; acho que, em alguns momentos, passaríamos o tal líquido mais de uma vez no mesmo lugar, formando camadas grossas incapazes de receber outra escrita por cima, causando, assim, lacunas na nossa história. Invenções inovadoras que nos auxiliam no dia a dia e só.

Na verdade, para transcendermos aqueles velhos pilares da nossa vida, reedificaríamos outros termos; só mesmo uma grande dose de coragem para mudar, vontade de descobrir o novo e encarar novos desafios, independentemente do que possamos ou não apagar, corrigir, consertar.

Vivam as modernidades!

Telma Gama é professora do Colégio Jesus Crucificado, Recife/PE, pedagoga pela UFPE e especialista em educação inclusiva pela Unicap.
Contato: telmagama@yahoo.com.br.

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