Edição 66

Em discussão

O drama do professor

Dermeval Saviani

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Diante das pressões para exercer várias funções, o educador ainda terá de participar da gestão escolar e da vida da comunidade e orientar os estudos dos alunos?

Como ocorre com os trabalhadores em geral, também os professores são instados a se aperfeiçoar continuamente. O mercado e seus porta-vozes governamentais querem um professor ágil, leve, flexível, que, a partir de uma formação inicial ligeira e a baixo custo, aprimore sua qualificação no exercício docente refletindo sobre sua prática, apoiado, eventualmente, por cursos rápidos. Pede-se, ainda, que ele não apenas ministre suas aulas, mas também participe da elaboração do projeto pedagógico das escolas, da vida da comunidade, da gestão da escola e do acompanhamento dos estudos dos alunos.

Você, como a maioria dos professores, não ficou imune ao canto de sereia das novas pedagogias. A descrença no saber científico e a procura de “soluções mágicas” — do tipo reflexão sobre a prática, relações prazerosas, pedagogia do afeto, transversalidade dos conhecimentos e fórmulas semelhantes — vêm ganhando a cabeça dos professores. Estabelece-se, assim, uma “cultura escolar” de desprestígio dos professores e dos alunos que querem trabalhar seriamente e de desvalorização da cultura elaborada. Nesse tipo de “cultura escolar”, o utilitarismo e o imediatismo da cotidianidade prevalecem sobre o trabalho paciente e demorado de apropriação do patrimônio cultural da humanidade. Com isso, a escola foi sendo esvaziada de sua função específica ligada ao domínio dos conhecimentos sistematizados.

Nesse quadro, você, professor, é lançado na defensiva. Diante das pressões para exercer o conjunto de funções solicitadas, você responde: “Mas eu já faço das tripas coração para ministrar, da melhor forma possível, um grande número de aulas, em três ou quatro escolas diferentes, para turmas numerosas de alunos… e ainda vou ter de participar da gestão da escola e da vida da comunidade e orientar os estudos dos alunos”. O professor, que nos anos 1980 participou da mobilização dos educadores, reivindicando maior participação nas decisões, agora se vê diante da seguinte cobrança: “Vocês não reivindicaram maior participação? Pois é. Suas reivindicações foram todas atendidas pela legislação. Portanto, o êxito da escola e da política educacional que a orienta depende apenas da iniciativa e dedicação de vocês, professores”.

Eis aí o seu drama atual, caro professor. Na verdade, você também é vítima da inclusão excludente. Os dirigentes esperam que você exerça todo um conjunto de funções com o máximo de produtividade e o mínimo de dispêndio, isto é, com modestos salários. Claro que, se você fosse bem remunerado no âmbito de uma carreira docente que lhe garantisse jornada integral numa única escola, você poderia exercer sem maiores problemas as mencionadas funções. Cabe, pois, passar da defensiva à ofensiva, organizando fortemente a categoria dos professores e mobilizando toda a sociedade em torno da conquista de uma carreira docente digna e justa. Sem isso, todas as proclamações em torno da valorização da Educação não passarão de promessas vãs.

Dermeval Saviani é formado em Filosofia pela PUC-SP (1966), é Doutor em Filosofia da Educação (PUC-SP, 1971) e livre-docente em História da Educação (Unicamp, 1986), tendo realizado estágio sênior na Itália, em 1994–1995.

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