Edição 69

Profissionalismo

O educador sob algumas óticas ao redor do mundo

Armando Correa de Siqueira Neto

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A Educação atravessou séculos da história levando pensadores antigos e atuais a explorarem seu universo de incalculáveis possibilidades. Embora se tenha claro o seu crucial papel na formação do ser humano, o mundo ainda carece de valorizá-la bem mais na prática. É através de seus representantes mais ilustres, os educadores, que se articula o saber na relação ensino-aprendizagem. Pode-se estudar a atuação do educador desde há muito tempo, numa volta ao redor do planeta, do Oriente ao Ocidente.

Baseando-se nos registros védicos, remontando aos anos 2500 a.C., por meio dos Vedas hindus, uma literatura oral, transmitida de professor para discípulo durante muitos séculos, encontra-se o significado da palavra gurus, que vem da raiz sânscrita erguer. Na Índia, vários professores são chamados gurus, cuja conotação caracteriza um mestre espiritual que pode elevar a consciência do estudante. O guru é também um disciplinador que pretende levar o aluno além das limitações autoimpostas. Elevar a consciência e transpor limites são alguns dos itens amplamente discutidos em encontros de educadores na atualidade. São desafios encontrados no topo da lista dos obstáculos a serem superados para que a formação das pessoas ganhe um salto qualitativo quanto à sua participação na construção da história sociopolítica e cause novas influências mediante o aperfeiçoamento de que carece a sociedade.

Em período posterior, obtêm-se outros conceitos a respeito do educador. Vários escritos de Al-Ghazzali (1058–1111), um importante pensador muçulmano e colaborador dos ensinamentos sufistas, descrevem os deveres de um professor (o sufismo é mais proeminente no Oriente Médio e em países que adotam o Islamismo, contudo pode ser encontrado em outros lugares, a exemplo da Europa e da Índia): o primeiro dever do professor é ser compassivo com os estudantes e tratá-los como a seus próprios filhos. Ele deve estar constantemente alerta para os fracassos dos alunos, mas, como um pai, deve ser capaz de amá-los. O professor, ao dissuadir o estudante de seus maus hábitos, deveria fazê-lo através de sugestões, e não de modo aberto; com simpatia, e não com repreensões ofensivas. Ele deveria limitar o estudante naquilo que este último é capaz de compreender e não deveria exigir dele nada que sua mente não seja capaz de entender por medo de que ele desenvolva um sentimento de aversão à matéria ou de que sua mente fique confusa. O professor deve fazer o que ensina e não permitir que suas obras desmintam suas palavras. Ele não é uma fonte de informações, mas um exemplo vivo do efeito dos ensinamentos. Os estudantes e o professor estão trabalhando juntos.

Encontram-se nesse conhecimento sufista as demandas que atualmente movem os educadores na direção de se criar um ambiente adequado para o ensino, bem como oferecer a qualidade de relacionamento que seja estimuladora e que atinja objetivos importantes, como o pensamento crítico e a autonomia, a formação da cidadania e a valorização do ser humano. Há um milênio, já se vislumbravam algumas metas educacionais por meio da atuação do professor; portanto, a luta já é bem antiga.

Em outro momento, as palavras de Montaigne (1533–1592) não cessam de nos gritar aos ouvidos, como que por meio de um funil, o que nos querem ensinar, e o nosso trabalho consiste em repetir. Gostaria que ele corrigisse esse erro e, desde logo, segundo a inteligência da criança, começasse a lhe indicar o caminho, fazendo-lhe provar as coisas e as escolher e discernir por si próprio, indicando-lhe, por vezes, o caminho certo ou lhe permitindo escolher. Não quero que fale sozinho, e sim que deixe também o discípulo falar por seu turno. Sócrates, e posteriormente Agesilau, obrigava os discípulos a falarem primeiro, e somente depois falavam eles próprios.

Em Sócrates, quatro séculos antes de Cristo, era observável a maneira sutil com a qual lidava com os seus estudantes, levando-os a falar, respondendo às suas constantes perguntas e pouco fazendo afirmações. Os cuidados educacionais aqui encontrados na figura de Sócrates já demonstravam o favorecimento que era proporcionado àqueles que buscavam o conhecimento. Também preocupado com a qualidade dessa relação educacional, Montaigne apontava a importância da atuação do aluno na construção ativa de seu saber e desenvolvimento.

Mais recentemente, Paulo Freire (1921–1997) relata alguns fundamentos para a prática docente e, assim, compartilha de alguns princípios da Educação encontrada nos ensinamentos históricos:

O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, que não devo agravar com procedimentos inibidores, exige de mim o cultivo da humildade e da tolerância. Como posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo revelar o meu desconhecimento? Como ser educador se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte? Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem.

Na Bíblia Sagrada, o papel do educador é também sublime. Vê-se em Provérbios 20:5: “Os pensamentos de uma pessoa são como água em poço fundo, mas quem é inteligente sabe como tirá-los para fora”. E, ainda, em 22:6: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele”. Os cuidados acerca da Educação dedicada ao aluno são o foco do educador cônscio da responsabilidade que tem mediante a formação do ser humano, seu semelhante.

Ao analisar o saber contido nas tradições de diferentes pensamentos e práticas de Educação, percebe-se, destacadamente, o valor que possui o ato de se educar outrem; proporcionar o seu desenvolvimento por meio da evolução de sua consciência; ultrapassar os limites inerentes ao modelo de se aprender e de se constituir as próprias crenças sobre a vida; ser sutil quanto às intervenções que visam a correção dos erros existentes no aluno; ter a sensibilidade de avançar ou aguardar o momento oportuno para oferecer novo momento de conhecimento; abrir espaço para que o estudante participe ativamente da construção do saber, presente em ambos os lados da relação ensino-aprendizagem; ser paciente e humilde e, especialmente, desenvolver o amor nesse relacionamento de Educação; além de gostar verdadeiramente de ser educador. Esse ofício é, sem sombra de dúvida, uma forma difícil, mas ao mesmo tempo especial de se dedicar às pessoas. A relevância desse papel e as suas competências fundamentais transformam o ser humano, através dos avanços que lhes são proporcionados.

O educador sempre teve, em variadas épocas e em diferentes lugares, a árdua missão de colaborar no desenvolvimento humano. No entanto, quando o amor está presente nesse convívio formador, desenvolve-se o prazer conjuntamente, ao perceber as mudanças e belezas que frutificam com o passar do tempo. Do Oriente ao Ocidente, em qualquer período, o educador que vê na sua profissão uma forma de influenciar e ser influenciado pelo desenvolvimento entende a sua importância para a evolução do ser humano.

Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo, consultor, conferencista e escritor. É professor de Gestão de RH, na Faculdade de Administração de Limeira, e de Pedagogia Empresarial, na Faculdade Maria Imaculada, em Mogi Guaçu/SP. É mestrando em Liderança pela Unisa Business School. Endereço eletrônico: selfcursos@uol.com.br.

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