Edição 21

Lendo e aprendendo

O Misterioso Tecelão

Faz muitos anos, vivia em uma das Ilhas Shetland, no litoral da Escócia, uma menina aleijada de uma perna, chamada Grete. Sua casa era construída de pedras toscas, com uma única janela, e ficava à margem de um lago de água salgada.

O telhado da pequena casa era coberto por trepadeiras de várias qualidades, que misturavam suas lindas flores. Não havia jardim: o chão era constituído de areia fina, semeada de conchas de diversas cores, pois as ondas quebravam na praia a pouca distância da casa. No centro do único cômodo, ficava a lareira, e, como não havia chaminé, a fumaça enegrecia as paredes. Uma vitela, vários cabritos e alguns porcos desfrutavam ali de algum calor durante o inverno, e, como Grete e sua mãe eram muito pobres, seu mobiliário se resumia a uma mesa, onde elas fiavam a lã do gado para tecer meias e roupas para os pescadores.

Nos dias de verão, a ilha parecia um país de fadas, e Grete, sentada junto à janela, deixava seus olhos vagarem pela paisagem, lembrando o contraste com os tempos de tempestades de inverno. Mas, em certas ocasiões, sentia medo, pois jamais se esquecia de que fora o mar enraivecido que, certa vez, provocara a morte de seu pai e o defeito em sua perna, que desde então a impedia de participar das brincadeiras com as outras crianças da ilha. Grete, sempre fiando e tecendo, passava, às vezes, vários dias deitada na cama, sem quase poder mover-se, sofrendo dores atrozes, que arrancavam lágrimas dos seus olhos tristes.

Certo dia em que o mar estava muito agitado, e as ondas salpicavam de espuma a janela, embaçando os vidros, Grete, que voltara a sofrer de dores na perna, estava deitada. Seus dedos, cansados naquele dia, não estavam trabalhando, e ela, distraída, fixou de repente a atenção em uma aranha que começava a tecer a sua teia em um canto próximo da janela. A aranha, depois de muitas evoluções, chegou finalmente a terminar uma espécie de círculo com numerosos raios que se entrelaçavam como uma renda no centro.

Grete teve então a impressão de que a aranha começava a crescer e que sua teia cobria inteiramente a janela, tornando-a branca como a neve. Pareceu-lhe, a seguir, que a aranha se transformava lentamente até se converter em uma fada que, logo depois, transformou-se num homenzinho, pequeno e estranho. E o homenzinho, inclinando a cabeça na sua direção, disse-lhe com irresistível doçura:

— Preste atenção em mim, Grete, e você aprenderá a tecer lindos tecidos.

Grete olhou maravilhada e viu que o homenzinho estava realmente tecendo lã branca e fina que crescia rapidamente sob os seus dedos miúdos e agilíssimos.

E foi assim que a pobre moça aleijada aprendeu a tecer lindas tramas; à medida que ela ia progredindo no seu trabalho, o misterioso homenzinho voltava a cabeça para examinar o que ela fazia e sorria encorajadoramente.

De repente, abriu-se a porta da cabana, e, para grande surpresa de Grete, ela avistou uma aranha autêntica, fazendo uma teia igualzinha às teias de todas as outras aranhas. Além do mais, a aranha verdadeira não estava trabalhando, e sim imóvel, escondida em uma brecha entre as pedras da parede.

— Mamãe!, gritou Grete. — Você assustou o homenzinho quando abriu a porta no momento exato em que ele ia ensinar-me como se tecem os pontos mais finos…

— Com que coisas você esteve sonhando?, perguntou desconfiada a mãe de Grete. — Hoje eu estou muito cansada, pois foi um dia duro de trabalho.

E, sem dar maior atenção ao que a filha dissera, sentou-se num banco para descansar. Grete também não prestou mais atenção à mãe, pensando na trama maravilhosa que acabara de aprender de maneira tão fabulosa e estranha.

Durante toda a noite, Grete sonhou com aquilo e, logo ao amanhecer do dia seguinte, começou a trabalhar auxiliada por sua mãe, que ia separando a lã mais branca e mais fina. Naquele dia, o trabalho não saiu tão bonito e perfeito quanto ela desejava, acontecendo a mesma coisa no dia seguinte; mas, no terceiro dia, começaram a surgir no seu rosto indícios de satisfação, que foram crescendo nos dias que se sucederam: é que o trabalho executado já estava parecido com aquele que ela vira em sonho. De vez em quando, enquanto a roca girava, ela tinha a impressão de que ouvia o homenzinho da teia, dizendo:

— Vamos, Grete! Vamos tentar outra vez!

E esta voz ecoava cada vez que ela sentia que estava perdendo o ânimo diante da dificuldade da tarefa ou por não poder lembrar-se bem da técnica que aprendera em sonho.

E então Grete voltava os olhos para a teia de aranha, a fim de lembrar os pontos esquecidos, e tinha a impressão de que o misterioso homenzinho vinha ajudá-la, pois jamais saíra de suas mãos um tecido tão fino e lindo.

Não demorou a chegar ao conhecimento dos vizinhos a beleza do trabalho que Grete estava executando, atraindo uma porção de gente que vinha apreciar o maravilhoso tecido que parecia feito de espuma. A notícia correu pela região, até chegar aos ouvidos de uma ilustre dama que morava em Lerwick, que, curiosa em conhecer aquele tecido de que diziam tantas maravilhas, mandou um emissário à casa de Grete, para que a moça lhe entregasse o seu trabalho, e ele o levasse à sua casa. A pobre tecelã ficou tristíssima ao ter de desfazer-se de sua obra, mas a mãe logo a tranqüilizou, explicando-lhe que para elas era uma grande honra satisfazer o desejo da nobre dama escocesa.

E foi assim que o emissário partiu para Lerwick levando o precioso tecido de Grete.

Alguns dias depois, Grete viu aproximar-se pelo lago um barco de branca vela e não tardou a perceber que ele rumava para a sua casa. Mal o barco chegou à praia, dele desembarcou uma bondosa senhora que logo pediu à moça toda a sorte de explicações sobre o seu trabalho, e o fez com tal amabilidade que a timidez de Grete desapareceu, e ela pôde explicar com desenvoltura a maneira como conseguia tecer aquele trabalho. Ao conhecer todos os pormenores, a senhora se despediu de Grete, recompensando-a com uma moeda de ouro. A moça ficou radiante de alegria, pois aquela era a primeira moeda do precioso metal que se vira em sua casa e, talvez, em toda a ilha.

Como é natural, todas as tecelãs da região quiseram aprender a nova maneira de tecer, e Grete teve até prazer em ensinar-lhes o novo processo que podia render moedas de ouro em pagamento pelo trabalho. E, assim, não apenas Grete e sua mãe, mas todos os habitantes da ilha conheceram tempos melhores, porque seus tecidos foram muito mais procurados e muito mais bem pagos.

Graças ao sonho de Grete, as mulheres das Ilhas Shetland ficaram célebres na arte de tecer os fios de lã sem aparentemente obedecer a regras ou desenhos predeterminados.

Tais tecidos de lã são elaborados com tanta habilidade que até hoje não puderam ser imitados em nenhum outro lugar.

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