Edição 59

Matérias Especiais

O que é a resiliência?

O termo resiliência é conhecido há muito tempo no campo da Física. O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define-o como a “propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica”.

O adjetivo resiliente, portanto, pode ser definido da seguinte maneira: “que apresenta uma resistência aos choques”. Há mais de vinte anos, os psicólogos americanos empregam esse termo para descrever também um conjunto de qualidades que favorecem o processo de adaptação criativa e transformação a despeito dos riscos e das adversidades.

Atualmente, na Europa francófona, o termo resiliente é usado pelos especialistas das ciências sociais, que o interpretam como “a capacidade de vencer, viver, desenvolver-se positivamente, de maneira socialmente aceitável, apesar do estresse ou de uma adversidade que normalmente comporta o grave risco de uma saída negativa” (S. Vanistendael).

No nosso caso, o que motivou o interesse pelo fenômeno da resiliência foi a descoberta, em 1986, das pesquisas do Dr. Julius Segal a respeito dos indivíduos que sobreviveram a situações impossíveis. Tendo contato quase cotidianamente com pessoas de luto, em crise ou no fim da vida, os trabalhos do Dr. Segal nos permitiram compreender o que favorece a resiliência e desenvolver formações visando promover sua difusão.

Recentemente, dois livros de Boris Cyrulnik, Uma Infelicidade Maravilhosa (Âmbar) e Os Patinhos Feios (Martins Fontes), colocaram em evidência, entre outros, os fatores de resiliência nas crianças. Um outro autor, Stefan Vanistendael, em seu livro Le Bonheur Est Toujours Possible, analisa as características que permitem a resiliência às crianças que vivem situações extremas, como os meninos de rua no Brasil ou as crianças escravas dos fabricantes de tapetes na Índia.

Para Vanistendael, o conceito de resiliência é mais rico e completo do que o da capacidade de superar. Ele é composto por duas dimensões:

1. A resistência à destruição, a capacidade de proteger sua integridade sob fortes pressões.
2. A capacidade de se construir, criar uma vida digna de ser vivida a despeito das circunstâncias adversas.

Citando Friedrich Loesel, um pesquisador e autor do campo da resiliência, Vanistendael descreve também os diversos aspectos seguintes:

1. A resiliência pode se manifestar em situações em que exista um grande risco devido a uma acumulação de fatores de risco, estresse e tensão.

A história de Tim Guénard, contada em seu livro Mais Forte que o Ódio (Livros do Brasil), ilustra esse tipo de resiliência. Abandonado por sua mãe, espancado quase até a morte por seu pai, ele acaba ficando, aos 5 anos de idade, sob os cuidados do Juizado da Infância e da Juventude. Passando por famílias adotivas e institutos de menores infratores, ele aprende a violência e o ódio. Mas Tim é um resiliente. Quarenta anos mais tarde, ele é apicultor, casado, pai de família e acolhe, em sua fazenda, pessoas com dificuldades, a fim de ajudá-las a tomar um rumo na vida.

2. A resiliência pode se manifestar também quando a pessoa é capaz de conservar aptidões em face do perigo e seguir crescendo harmoniosamente.

Existem vários testemunhos de crianças que, como Anne Frank, por exemplo, souberam como continuar sua vida. Em seu livro Une Petite Fille Privilégiée: Une Enfant dans le Monde des Camps, Francine Christophe escreve:

Meus ombros estão emagrecendo, mas eu mantenho minhas costas eretas. Penso no que mamãe me disse no dia em que carregava minha estrela pela primeira vez: que eu não curvaria minha espinha. Uma estrela pode brilhar de forma tão bela, a minha é feita de chumbo.

3. Finalmente, a resiliência pode aparecer quando há cura de um ou vários traumas e sucesso em seguida.

O livro de Myriam Cardinaux Une Petite Fille en Trop (d’en Bas) é o perturbador testemunho de uma infância vivida em meio ao ódio, ao desprezo, aos maus-tratos, num contexto de violência física e psíquica inimaginável. Hoje em dia, Myriam é mãe de família e acolhe, junto com seu marido, crianças sofridas para estadias temporárias.

A resiliência, uma razão para ter esperança

Conseguir se livrar de uma situação, desvendar os golpes da sorte… isso não se faz facilmente! Seria equivocado acreditar que todos esses traumas vividos podem ser apagados como um desenho malfeito num quadro-negro.

Myriam Cardinaux escreve: “Encontrei barreiras tão difíceis que eu só pude superar uma de cada vez, como se fosse uma corrida de obstáculos, graças à ajuda do meu psiquiatra e, mais ainda, do meu clínico geral”.

Há um preço a pagar para ser resiliente, e, ao mesmo tempo, existem possibilidades de se sair bem das situações mais trágicas. Os resilientes são feridos, mas possuem as competências necessárias para curar a ferida e fazê-la cicatrizar. No entanto, ao longo de suas vidas, essa cicatriz será testemunha de sua luta e vitória. Certos dias, as dificuldades da vida irritarão a pele dessa cicatriz psíquica, como pode acontecer com uma roupa muito apertada sobre uma cicatriz física. Outras vezes, os resilientes poderão usar a experiência adquirida para compreender melhor outras pessoas feridas na vida e ter compaixão delas.

O conceito de resiliência permite a cada um saber que é possível “viver com dignidade”, como diz acertadamente Martin Gray. Ele permite aos profissionais da Educação, da Assistência Social, da Saúde e da Justiça encarar de outra forma a evolução de seus alunos, pacientes ou clientes.

Podemos ter sido maltratados, violentados, humilhados durante nossa infância por pais ou responsáveis inadequados e nos tornar um pai ou uma mãe amorosos; podemos ter atravessado situações infernais e viver uma vida plena.

Podemos nos perguntar por que se falou tão pouco desses seres resilientes até os anos 1980. Há várias razões possíveis. Por exemplo, essas crianças ou pessoas não precisaram ficar “sob os cuidados” da assistência social e dos sistemas de saúde ou justiça. Eles viveram sua vida de maneira independente e frequentemente positiva, manifestaram criatividade, inteligência, perseverança e compaixão.

A recorrência das situações de resiliência prova que é possível vencer; que, mesmo no centro da adversidade, existem possibilidades de modificar sua vida, “quebrar” as tragédias transgeneracionais mudando os elementos da cena prescrita pelo ambiente.

O ser humano possui recursos inacreditáveis, e é desses recursos que é preciso cuidar acima de tudo.

O conceito de resiliência permite olhar de outra forma os indivíduos que vivem tragédias e aqueles que começam a vida numa infância moribunda, apoiá-los com inteligência, humildade e compaixão, sempre lembrando o que escreve Martin Gray, que, por duas vezes, também passou por testes surpreendentes: “Seja confiante, não é a morte que vai ganhar”.

Referência bibliográfica

POLETTI, Rosette; DOBBS, Barbara. A Resiliência: a Arte de Dar a Volta por Cima. Petrópolis: Vozes, 2010.

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