Edição 67

Matérias Especiais

Orientação Sexual

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A Orientação Sexual na escola deve ser entendida como um processo de intervenção pedagógica que tem como objetivo transmitir informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela relacionados. Tal intervenção ocorre em âmbito coletivo, diferenciando-se de um trabalho individual, de cunho psicoterapêutico e enfocando as dimensões sociológica, psicológica e fisiológica da sexualidade. Diferencia-se também da educação realizada pela família, pois possibilita a discussão de diferentes pontos de vista associados à sexualidade, sem a imposição de determinados valores sobre outros.

O trabalho de Orientação Sexual visa propiciar aos jovens a possibilidade do exercício de sua sexualidade de forma responsável e prazerosa. Seu desenvolvimento deve oferecer critérios para o discernimento de comportamentos ligados à sexualidade que demandam privacidade e intimidade, assim como reconhecimento das manifestações de sexualidade passíveis de serem expressas na escola. Propõem-se três eixos fundamentais para nortear a intervenção do professor: Corpo Humano, Relações de Gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids.

A abordagem do corpo como matriz da sexualidade tem como objetivo propiciar aos alunos conhecimento e respeito ao próprio corpo e noções sobre os cuidados que necessitam dos serviços de saúde. A discussão sobre o gênero propicia o questionamento de papéis rigidamente estabelecidos a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada um e a flexibilização desses papéis. O trabalho de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/Aids possibilita oferecer informações científicas e atualizadas. Deve também combater a discriminação que atinge portadores do HIV e doentes de Aids, de forma a contribuir para a adoção de condutas preventivas por parte dos jovens.

Orientação Sexual na escola

A partir da conceituação da sexualidade e do reconhecimento da sua importância no desenvolvimento global, serão apontados, para os educadores, as possibilidades e os limites da atuação nesse campo.

A sexualidade é primeiramente abordada no espaço privado, pelas relações familiares. Assim, de forma explícita ou implícita, são transmitidos os valores que cada família adota como seus e espera que as crianças assumam.

De forma diferente, cabe à escola abordar os diversos pontos de vista, os valores e as crenças existentes na sociedade para auxiliar o aluno a encontrar um ponto de autorreferência por meio da reflexão. Nesse sentido, o trabalho realizado pela escola, denominado aqui de Orientação Sexual, não substitui nem concorre com a função da família, mas, antes, a complementa. Constitui um processo formal e sistematizado que acontece dentro da instituição escolar, exige planejamento e propõe uma intervenção por parte dos profissionais da Educação.

O trabalho de Orientação Sexual na escola é entendido como uma forma de problematizar, levantar questionamentos e ampliar o leque de conhecimentos e de opções para que o próprio aluno escolha seu caminho. A Orientação Sexual não diretiva, aqui proposta, será circunscrita ao âmbito pedagógico e coletivo, não tendo, portanto, caráter de aconselhamento individual de tipo psicoterapêutico. Isso quer dizer que as diferentes temáticas da sexualidade devem ser trabalhadas dentro do limite da ação pedagógica, sem serem invadidas pela intimidade e pelo comportamento de cada aluno. Tal postura deve, inclusive, auxiliar as crianças e os jovens a discernir o que pode e o que deve ser compartilhado no grupo e o que deve ser mantido como uma vivência pessoal. Apenas os alunos que demandem atenção e intervenção individuais devem ser atendidos separadamente do grupo pelo professor ou orientador na escola, e, dentro desse âmbito, poderá ser discutido um possível encaminhamento para atendimento especializado.

Postura do educador

A escola deve informar e discutir os diferentes tabus, preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade, buscando, se não isenção total, o que é impossível de se conseguir, uma condição de maior distanciamento pessoal por parte dos professores para empreender essa tarefa. Por exemplo, na discussão sobre virgindade entre um grupo de alunos da oitava série com seu professor, abordam-se todos os aspectos e as opiniões sobre o tema, seu significado para meninos e meninas, pesquisam-se suas implicações em diferentes culturas, sua conotação em diferentes momentos históricos e os valores atribuídos por distintos grupos sociais contemporâneos. Após essa discussão, é uma opção pessoal do aluno tirar (ou não) uma conclusão sobre o tema virgindade naquele momento, não sendo necessário explicitá-la para o grupo. Já no espaço doméstico, o mesmo tema, quando abordado, suscita expectativas e ansiedades dos pais, questões muito diferentes das discutidas em sala de aula.

Monkey Business Image_fmt1Assim, propõe-se que a Orientação Sexual oferecida pela escola aborde as repercussões de todas as mensagens transmitidas pela mídia, pela família e pela sociedade com as crianças e os jovens. Trata-se de preencher lacunas nas informações que a criança já possui e, principalmente, criar a possibilidade de formar opinião a respeito do que lhe é ou foi apresentado. A escola, ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e explicitar os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade, possibilita ao aluno desenvolver atitudes coerentes com os valores que ele próprio elegeu como seus.

Experiências bem-sucedidas com Orientação Sexual em escolas que realizam esse trabalho apontam para alguns resultados importantes: aumento do rendimento escolar (devido ao alívio de tensão e preocupação com questões da sexualidade) e aumento da solidariedade e do respeito entre os alunos. Quanto às crianças menores, os professores relatam que informações corretas ajudam a diminuir a angústia e a agitação em sala de aula.

O educador deve reconhecer como legítimo e lícito, por parte das crianças e dos jovens, a busca do prazer e as curiosidades manifestas acerca da sexualidade, uma vez que fazem parte de seu processo de desenvolvimento.

O professor transmite valores com relação à sexualidade no seu trabalho cotidiano na forma como responde ou não às questões mais simples trazidas pelos alunos. É necessário, então, que o educador tenha acesso à formação específica para tratar de sexualidade com crianças e jovens na escola, possibilitando a construção de uma postura profissional e consciente no trato desse tema. O professor deve, então, entrar em contato com questões teóricas, leituras e discussões sobre as temáticas específicas de sexualidade e suas diferentes abordagens; preparar-se para a intervenção prática junto dos alunos e ter acesso a um espaço grupal de supervisão dessa prática, a qual deve ocorrer de forma continuada e sistemática, constituindo, portanto, um espaço de reflexão sobre valores e preconceitos dos próprios educadores envolvidos no trabalho de Orientação Sexual.

orientacao_sexualAo atuar como um profissional a quem compete conduzir o processo de reflexão que possibilitará ao aluno autonomia para eleger seus valores, tomar posições e ampliar seu universo de conhecimentos, o professor deve ter discernimento para não transmitir seus valores, suas crenças e suas opiniões como sendo princípios ou verdades absolutas. O professor, assim como o aluno, possui expressão própria de sua sexualidade, que se traduz em valores, crenças, opiniões e sentimentos particulares. Não se pode exigir do professor uma isenção absoluta no tratamento das questões ligadas à sexualidade, mas a consciência sobre quais são os valores, as crenças, as opiniões e os sentimentos que cultiva em relação à sexualidade é um elemento importante para que desenvolva uma postura ética na sua atuação com os alunos. O trabalho coletivo da equipe escolar, definindo princípios educativos, em muito ajudará cada professor nessa tarefa.

Para um bom trabalho de Orientação Sexual, é necessário que se estabeleça uma relação de confiança entre alunos e professores. Para isso, o professor deve se mostrar disponível para conversar a respeito das questões apresentadas, não emitir juízo de valor sobre as colocações feitas pelos alunos e responder às perguntas de forma direta e esclarecedora. Informações corretas do ponto de vista científico ou esclarecimentos sobre as questões trazidas pelos alunos são fundamentais para o seu bem-estar e sua tranquilidade, para uma maior consciência de seu próprio corpo e melhores condições de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, à gravidez indesejada e ao abuso sexual.

Na condução desse trabalho, a postura do educador é fundamental para que os valores básicos propostos possam ser conhecidos e legitimados de acordo com os objetivos apontados. Em relação às questões de gênero, por exemplo, o professor deve transmitir, pela sua conduta, a equidade entre os gêneros e a dignidade de cada um individualmente. Ao orientar todas as discussões, deve, ele próprio, respeitar a opinião de cada aluno e, ao mesmo tempo, garantir o respeito e a participação de todos.

Relação escola-família

O trabalho de Orientação Sexual proposto por este documento compreende a ação da escola como complementar à educação dada pela família. Assim, a escola deverá informar os familiares dos alunos sobre a inclusão de conteúdos de Orientação Sexual na proposta curricular e explicar os princípios norteadores dela. O diálogo entre escola e família deverá se dar de todas as formas pertinentes a essa relação.

Por entender que a abordagem oferecida acontece a partir de uma visão pluralista de sexualidade e que o papel da escola é abrir espaço para que essa pluralidade de concepções, valores e crenças possa se expressar, não compete à escola, em nenhuma situação, julgar como certa ou errada a educação que cada família oferece. Antes, caberá à escola trabalhar o respeito às diferenças, a partir da sua própria atitude de respeitar as diferenças expressas pelas famílias. A única exceção refere-se às situações em que haja violação dos direitos das crianças e dos jovens. Nessa situação específica, cabe à escola posicionar-se a fim de garantir a integridade básica de seus alunos — por exemplo, as situações de violência sexual contra crianças por parte de familiares devem ser comunicadas ao Conselho Tutelar (que poderá manter o anonimato do denunciante) ou autoridade correspondente.

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Objetivos Gerais de Orientação Sexual para o Ensino Fundamental

O objetivo do trabalho de Orientação Sexual é contribuir para que os alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e responsabilidade.

Esse tema vincula-se ao exercício da cidadania na medida em que, de um lado, se propõe trabalhar o respeito por si e pelo outro, e, por outro lado, busca garantir direitos básicos a todos, como à saúde, à informação e ao conhecimento, elementos fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades.

Assim, o tema Orientação Sexual deve ser organizado para que os alunos, ao fim do Ensino Fundamental, sejam capazes de:

Respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, para que seja garantida a dignidade do ser humano.

Compreender a busca de prazer como uma dimensão saudável da sexualidade humana.

Conhecer seu corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como condição necessária para usufruir do prazer sexual.

Reconhecer como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra a discriminação a eles associadas.

Identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro.

Proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores.

Reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir de prazer numa relação a dois.

Agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo propositivo na implementação de políticas públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis/Aids.

Conhecer e adotar práticas de sexo protegido, ao iniciar relacionamento sexual.

Evitar contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o vírus da Aids.

Desenvolver a consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade.

Procurar orientação para a adoção de métodos contraceptivos.

RADESPIEL, Maria. Alfabetização sem Segredos:
Temas Transversais. Minas Gerais: Iemar, 1998.

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