Edição 09

Espaço pedagógico

Os projetos de trabalho, o espaço escolar e a formação dos alunos

Se perguntarmos a um grupo de professores qual o seu objetivo de ensino, qual o tipo de aluno que gostariam de ajudar a formar, não haverá uma discordância nas respostas. Faz parte de praticamente todo discurso pedagógico citar, como objetivos do ensino, a formação de alunos autônomos, conscientes, reflexivos, participativos, cidadãos atuantes, felizes, entre outras características similares. Não aparecem, nesse discurso, características como passividade, submissão ou alienação.

No entanto, se olharmos através das “lentes” do cotidiano escolar, esse discurso não se legitima em uma prática. Vejamos dois depoimentos de alunos, para melhor clarear essa questão:

“Eu me chamo Guilherme. Tenho 7 anos. Toda manhã, lá pelas oito e vinte, passo por um portão e me torno um aluno. A minha mãe, quando me leva à escola, me deixa na porta. Não tem direito de entrar. Nem pode ver nossa cobaia na sala por causa de um cartaz. Ela me disse que está escrito: ‘Proibido para adultos que não são professores’.

Aliás, eu também não tenho direito de subir logo para a sala. A gente tem que ficar no pátio com outras crianças e os professores de guarda, que parecem estar tão congelados quanto a gente. Também, quando a campainha toca, a gente deve correr rápido para formar a fila de dois e ficar quieto para subir. Minha professora, quando não está de guarda, tem o direito de subir porque vai preparar nosso trabalho. Ela o prepara bem: tira papéis, escreve atrás do quadro, tudo enfim! A gente não prepara nada, claro, a gente é pequeno demais. Mas a professora, ela sabe tudo que a gente vai fazer no dia. Não diz para nós: agente é pequeno demais” (JOLIBERT, 1994).

“Uma criança de sete anos, na 1ª série, ano escolar da alfabetização, conversando com um adulto, fora da escola:

– Então, L. como vai a escola? – pergunta o adulto.
– Médio.
– Por quê? Você não está gostando?
– Estou. Só que já sei tudo o que a tia ensina. Então eu finjo que não sei para ela pensar que foi ela que me ensinou, e ficar contente” (SMOLKA, 1988).

Como esses exemplos nos mostram, há um grande distanciamento entre o discurso dos professores, sobre o perfil dos alunos que desejam formar, e o perfil que está sendo realmente formado, a partir das experiências vividas no cotidiano escolar.

Os depoimentos revelam um cotidiano em que os alunos se colocam como sujeitos passivos, sempre à mercê das ordens do professor, lidando com um conteúdo completamente alienado de sua realidade, e em situações artificiais de ensino/aprendizagem.

Surge, assim, uma necessidade urgente de re-significar o espaço escolar – com seus tempos, rituais, rotinas e processos – de modo que ele possa, efetivamente, estar voltado para a formação de sujeitos ativos, reflexivos, cidadãos atuantes e participativos, como desejam os profissionais da educação.

A Pedagogia de Projetos visa à re-significação desse espaço escolar, transformando-o em um espaço vivo de interações, aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. O trabalho com projetos traz uma nova perspectiva para entendermos o processo de ensino/aprendizagem. Aprender deixa de ser um simples ato de memorização e ensinar não significa mais repassar conteúdos prontos.

Nessa postura, todo conhecimento é construído em estreita relação com o contexto em que é utilizado, sendo, por isso mesmo, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse processo. A formação dos alunos não pode ser pensada apenas como uma atividade intelectual. É um processo global e complexo, onde conhecer e intervir no real não se encontram dissociados. “Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimentos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só pelas respostas dadas, mas principalmente pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação desencadeada.”

Ao participar de um projeto, o aluno está envolvido em uma experiência educativa em que o processo de construção de conhecimento está integrado às práticas vividas. Esse aluno deixa de ser, nessa perspectiva, apenas um “aprendiz do conteúdo de uma área de conhecimento qualquer. É um ser humano que está desenvolvendo uma atividade complexa e que nesse processo está se apropriando, ao mesmo tempo, de um determinado objeto de conhecimento cultural e se formando como sujeito cultural”. Isso significa que é impossível homogeneizar os alunos, é impossível desconsiderar sua história de vida, seus modos de viver, suas experiências culturais, e dar um caráter de neutralidade aos conteúdos, desvinculando-os do contexto sócio-histórico que os restou.

Abrantes (1995:62) aponta algumas características fundamentais do trabalho com projetos:

Um projeto é uma atividade intencional

O envolvimento dos alunos é uma característica-chave do trabalho de projetos, o que pressupõe um objetivo que dá unidade e sentido às várias atividades, bem como um produto final que pode assumir formas muito variadas, mas procura responder ao objetivo inicial e reflete o trabalho realizado.

Num projeto, a responsabilidade e a autonomia dos alunos são essenciais
Os alunos são co-responsáveis pelo trabalho e pelas escolhas ao longo do desenvolvimento do projeto. Em geral, fazem-no em equipe, motivo pelo qual a cooperação está também quase sempre associada ao trabalho.

A autenticidade é uma característica fundamental de um projeto
O problema a resolver é relevante e tem um caráter real para os alunos. Não se trata de mera reprodução de conteúdos prontos. Além disso, o problema não é independente do contexto sócio-cultural e os alunos procuram construir respostas pessoais e originais.

Um projeto envolve complexidade e resolução de problemas
O objetivo central do projeto constitui um problema ou uma fonte geradora de problemas, que exige uma atividade para sua resolução.

Um projeto percorre várias fases

Escolha do objetivo central, formulação dos problemas, planejamento, execução, avaliação, e divulgação dos trabalhos.

A partir dessas características, podemos situar os projetos como uma proposta de intervenção pedagógica que “dá à atividade de aprender um sentido novo, onde as necessidades de aprendizagem afloram nas tentativas de se resolver situações problemáticas. Um projeto gera situações de aprendizagem ao mesmo tempo reais e diversificadas.

Possibilita, assim, que os educandos, ao decidirem, opinarem, debaterem, construam sua autonomia e seu compromisso com o social”, formando-se como sujeitos culturais.

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