Edição 87

Gestão Escolar

Planejamento Escolar: Transposição para a Prática

Anita S. M. Pinheiro

Como responder, na prática educacional, ao grande questionamento — planejamento: ameaça ou oportunidade? Na busca de uma resposta, encontramos em Vázquez (1997) a afirmativa que explica ainda o porquê desse questionamento: “[…] a teoria em si não transforma o mundo, ela, no máximo, pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma. Entre a teoria e a prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação”. Por esse entendimento, podemos responder que a ação de planejar é uma grande oportunidade para qualquer escola se desenvolver ao mesmo tempo em que desenvolve cidadãos.

Esse planejamento se caracteriza por ser um processo contínuo, dinâmico, reflexível e coerente que esperamos das escolas, das equipes gestoras, dos professores. Ao concordar com Vázquez (1997), ignoramos toda a concepção de planejamento com ideias justapostas, com alto teor burocrático, inflexível ou desnecessário. O planejamento, em seu real significado, é um instrumento que possibilitará a transformação quando o sujeito se colocar numa perspectiva de mudança.
Para isso, temos que considerar que o ato de planejar reflete primeiramente o conhecimento da realidade imbricado com o desejo de mudança da mesma e essa transformação só será possível se o educador agir para alcançar os objetivos. Tais objetivos só serão alcançados se o planejamento estiver funcionando como norteador, organizando o pensamento do professor em função da sua prática pedagógica. O importante não é apenas saber planejar, é ter o conhecimento do que se planeja.

Nesse sentido, buscamos respaldos em Vasconcellos (1999), que defende: “[…] o que vai, de fato, orientar a prática é a teoria incorporada pelos sujeitos. Por isso, não adianta um belo texto que não corresponde ao movimento conceitual do grupo. Embora, no dia a dia, o professor entre sozinho na sala de aula, ele está, na verdade, sendo portador de um projeto que é coletivo, daí a importância de nos remetermos à realidade do aluno e de todo o seu contexto” (p. 50).

Assim, compreendemos que a ação de planejar é conhecer a realidade, projetar as finalidades de acordo com as demandas identificadas para a necessária elaboração de um plano de ação, em que as ações definidas sejam coerentes com a realidade e exequíveis em cada instituição escolar. Nesse caso, o planejamento e o plano de ação são considerados como processos, e não apenas instrumentos burocráticos. Complementando os processos de planejamento e execução do plano de ação, devemos considerar a avaliação, também processual, que nos indica os avanços para fortalecer a caminhada e identificação das necessidades superadas ou não, com possibilidades de redirecionamento para a mudança efetiva.

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Logo, o planejamento escolar, considerado processual, assume seu verdadeiro papel de assessoramento ao professor, antes, durante e depois da realização das ações educacionais programadas, facilitando o seu trabalho com mais realizações e mais segurança no cumprimento do seu plano de ensino com eficiência e eficácia. Com essa intenção, Vasconcellos (1999) nos chama atenção: “[…] precisamos tomar consciência de que nosso trabalho é dos mais intricados do ser humano: trata-se da formação da consciência, do caráter e da cidadania, por isso exige também um planejamento à altura”. Complementando esse pensamento com a citação de Nélio Parra, que explicita que planejar consiste em prever e decidir sobre: “[…] o que pretendemos realizar; o que vamos fazer; como vamos fazer; o que e como devemos analisar a situação, a fim de verificar se o que pretendemos foi atingido” (PARRA, 1971, p. 6).
Sendo assim, a ideia de planejamento está associada ao que desejamos realizar, transformar e até mesmo manter. Isso porque as “concepções sobre planejamento podem estar ligadas tanto a ideais de transformação como a de manutenção de realidades ou situações existentes” (SANT’ANNA, ENRICONE, ANDRÉ e TURRA, 1986, p. 273). Contudo, de modo geral, a ideia de planejamento está muito mais vinculada aos propósitos de transformação de uma dada realidade.

Nessa perspectiva, é importante que a reflexão acerca da escola contemple três dimensões:

• A realidade/contexto (onde estamos).
• Os fins/metas (aonde queremos chegar ou o que desejamos alcançar).
• A mediação/objetivos (como iremos alcançar o desejado ou de que forma iremos chegar lá).

Assim, o planejamento escolar é também um processo reflexivo. Contudo, a reflexão exigida no planejamento conduz nosso olhar para a realidade da escola. Realidade física, cultural, pedagógica, social e política. É importante que, para o alcance dos objetivos estabelecidos no planejamento, não descuidemos da ideia de que o planejamento, na educação, é também um ato político.

Nesse sentido, a apreensão da escola em sua singularidade, a reflexão em torno das práticas pedagógicas e do compromisso social da instituição são atitudes essenciais dos diversos sujeitos que interagem como protagonistas na dinâmica organizacional das escolas.

Concebemos o planejamento como instrumento teórico-metodológico para a intervenção na realidade. Dessa forma, o planejamento é imprescindível à ação educativa e ao fazer pedagógico. Ele pode ser definido “enquanto construção-transformação de representações é uma mediação teórica metodológica para a ação, que, em função de tal mediação, passa a ser consciente e intencional” (VASCONCELLOS, 2000, p. 63).

Para nosso maior entendimento sobre o processo de planejamento e sua importância na prática educacional/escolar, podemos nos apoiar em Haydt (2006) quando elenca os tipos de planejamento baseada nos níveis de abrangência e complexidade que ele apresenta na esfera da educação e na prática do ensino-aprendizagem.

• Planejamento de um sistema educacional – realizado nacionalmente, com abrangência das esferas federal, estadual e municipal, identificado, no Brasil, como Plano Nacional de Educação (aprovado pelo Congresso Nacional em 26 de junho de 2014, vigente por uma década, até 2024).

Segundo Haydt (2006), esse tipo de planejamento consiste no processo de análise e reflexão das várias facetas de um sistema educacional para delimitar suas dificuldades e prever alternativas de solução. A partir dessas constatações, é possível, então, definir prioridades e metas para o aperfeiçoamento do sistema educacional, estabelecer formas de atuação e calcular os custos necessários à realização das metas. O planejamento de um sistema educacional reflete a política de educação adotada pelo país.

• Planejamento escolar – realizado institucionalmente, com abrangência das redes de ensino público e privado, considera as especificidades da região e o contexto em que a instituição escolar está inserida. Esse planejamento expressa a proposta pedagógica da escola (também conhecida como projeto político-pedagógico – PPP).

De acordo com Haydt (2005), o planejamento geral das atividades de uma escola é um processo de tomada de decisões quanto aos objetivos a serem atingidos e a previsão das ações tanto pedagógicas como administrativas que devem ser executadas por toda a equipe para o bom funcionamento da escola. Deve ser participativo, isto é, todos os segmentos que fazem parte da escola (equipe gestora, professores, alunos, pais de alunos e funcionários) devem participar do processo de tomada de decisões. Como resultado, apresenta um plano escolar, que deve ser elaborado e executado por toda a equipe escolar.

• Planejamento curricular – realizado institucionalmente, sua elaboração, pela escola, abrange o envolvimento da equipe gestora e de todos profissionais que participam do processo pedagógico. O planejamento curricular realiza a previsão dos diversos componentes curriculares (objetivos gerais e conteúdos) que serão desenvolvidos ao longo do curso. Nesse sentido, a autora chama atenção para algumas considerações:

O planejamento inicia pela definição, de forma clara e precisa, da concepção filosófica que vai nortear os fins e objetivos da ação educativa da referida instituição. Essa definição é importante porque é a partir da proposição dos objetivos que se deseja alcançar que se definem os critérios para a seleção dos conteúdos. Na elaboração geral do plano curricular, a escola deve seguir as diretrizes orientadoras do Conselho Federal de Educação, para a organização curricular nacional (no que diz respeito ao estabelecimento dos componentes mínimos e obrigatórios — núcleo comum), e do Conselho Estadual de Educação, que relaciona os componentes que a escola pode escolher para formar a parte diversificada do currículo institucional. No planejamento do currículo, deve-se considerar que os diversos componentes devem convergir para uma reconstrução, no aluno, da substancial unidade do conhecimento humano (é preciso garantir, nessa estruturação, que o conhecimento constitua um todo orgânico e coerente) que ocorre na relação dos componentes de um mesmo ano escolar (conhecida como ordenação horizontal) e a sequência desses componentes, ao longo dos anos educacionais (conhecida como ordenação vertical), respeitando assim o nível de complexidade dos diversos componentes e conteúdos na proposta pedagógica (HAYDT, 2006, p. 97-98).

• Planejamento didático ou de ensino – ocorre no nível operacional das instituições escolares. É elaborado sob a responsabilidade de cada professor, com a supervisão da coordenação pedagógica correspondente a cada segmento educacional. O planejamento didático/ensino é a especificação e operacionalização do plano curricular.

O planejamento didático ou de ensino é a previsão das ações e dos procedimentos que o professor vai realizar junto a seus alunos e à organização das atividades discentes e das experiências de aprendizagem, visando atingir os objetivos educacionais estabelecidos.

Essa definição fica mais bem entendida na citação da autora:

O professor, ao planejar o ensino, antecipa, de forma organizada, todas as etapas do trabalho escolar. Cuidadosamente, identifica os objetivos que pretende atingir, indica os conteúdos que serão desenvolvidos, seleciona os procedimentos que utilizará como estratégia de ação e prevê quais os instrumentos que empregará para avaliar o progresso dos alunos (HAYDT, 2006 p. 98).

Podemos entender que o processo de planejamento na esfera educacional apresenta vários níveis de abrangência, iniciando pela definição das políticas educacionais nacionais, seguida do projeto político-pedagógico de cada instituição, que norteará o planejamento curricular para a operacionalização da ação educativa pelo planejamento didático ou de ensino de cada professor. Compreendemos que cada nível tem bem definido e delimitado o seu universo e que particulariza um ou vários aspectos delineados no nível antecedente, especificando com maior precisão as decisões de toda ação educativa.

Diante desse cenário teórico, podemos confirmar com toda a segurança que o planejamento é, sim, uma grande oportunidade. Convido a todos a refletirem sobre planejamento escolar na perspectiva concebida por Haydt (2006) quando ela resume o seu estudo sobre planejamento da ação didática:

“O planejamento é um processo mental que supõe análise, reflexão e previsão, e o plano é o resultado do planejamento. O trabalho de planejamento é importante e necessário porque evita a improvisação; ajuda a prever e superar dificuldades; contribui para a consecução dos objetivos estabelecidos com economia de tempo e eficiência na ação. Um bom plano apresenta as características de: coerência e unidade; continuidade e sequência; flexibilidade; objetividade e funcionalidade com clareza e precisão. Do ponto de vista didático, planejar é prever os conhecimentos a serem trabalhados e organizar as atividades e experiências de ensino-aprendizagem consideradas mais adequadas para a consecução dos objetivos estabelecidos, levando em conta a realidade dos alunos, suas necessidades e interesses” (HAYDT, 2006, p. 106, 107).

Anita Silva Moraes Pinheiro é psicóloga, psicopedagoga e assessora pedagógica da Editora Construir.
Contato: anitasilvapinheiro@gmail.com.

Referências

HAYDT, Regina C. Cazux. Curso de Didática. São Paulo: Ática, 2006. (Série Educação).

SILVA, Marta Leandro da Silva. Planejamento Escolar na Perspectiva Democrática.

TURRA; ENRICONE; SANT’ANNA; ANDRÉ. Planejamento de Ensino e Avaliação. Porto Alegre, Sagra Editora e Distribuidora, 1986. p. 275-277.

MORETTO, Vasco Pedro. Planejamento: Planejando a Educação para o Desenvolvimento de Competências. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

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