Edição 36

Lá Vem a História

Por que os contadores de história têm boa memória e apreciam os bons vinhos?

Gislayne Avelar Matos e Inno Sorsy

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Os pássaros não podem escrever, eles têm penas demais.

Ora, conta-se, na África ocidental, que, no início dos tempos, não havia histórias e também não havia sabedoria. O mundo era muito triste. Por isso, o primeiro contador de histórias foi também um buscador de histórias que saiu pelo mundo afora acompanhado de um pássaro-escrivão: o marabu.

O marabu é o único pássaro que sabe qual das penas de seu traseiro deve ser arrancada para que, com ela, se possa escrever, o que faz dele um pássaro especial. É por isso que foi o escolhido para sair pelo mundo, pousado no ombro do primeiro buscador e contador de histórias.

Andaram pelo mato afora, pela savana e ao longo dos rios, para escutar os ventos, as pedras, as águas, as árvores e os animais. E encontraram muitas pessoas até então desconhecidas que iam lhes contando suas histórias.

Munido da pena arrancada de seu traseiro e utilizando uma tinta feita de água, pó de carvão e goma-arábica, o marabu-escrivão anotava, conscienciosamente, todas as histórias que escutava. O buscador e contador de histórias caminhava e pensava: “Não me será possível recordar todas essas histórias”.

Mas o marabu continuava a ouvi-las e a escrevê-las.

Pois saibam que, uma vez tendo voltado para casa, o primeiro buscador e contador de histórias obteve a solução para o problema que o atormentava. Seguindo os conselhos do marabu, encheu de água uma grande cabaça e nela mergulhou todas as histórias escritas. Durante toda a noite, naquela cabaça — que, na África, é chamada de canari —, as palavras escritas com tinta se dissolveram na água. No dia seguinte, na refeição da manhã, o marabu mandou que o buscador e contador de histórias bebesse todo o conteúdo do canari como desjejum.

Assim, todas as histórias bebidas tornaram-se histórias sabidas.

Se, por acaso, você precisar beber uma história, escute o meu conselho: beba tudo. Não deixe nada no fundo do copo, porque isso poderia dar um branco em sua memória.

Essa é a razão pela qual, em todos os tempos, os contadores de histórias sempre foram, também, bons bebedores de vinho.

Fonte: MATOS, Gislayne Avelar e SORSY, Inno. O ofício do contador de histórias. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 23 e 24.

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