Edição 29

Matérias Especiais

Por que um projeto político-pedagógico?

Pedrinho A. Guareschi

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Você já pensou neste fato, tão comum e tão questionador: por que recusamos pensar sobre nós mesmos? Por que é tão fácil falar e discorrer sobre os outros, mas tão difícil parar e refletir sobre quem somos e por que somos o que somos?

Alguém já tentou explicar isso afirmando que os seres humanos têm dois olhos voltados para a frente, por isso olham apenas nessa direção, e que toda tentativa de reflexão (re-fletir, isto é, re-flectere, voltar-se para trás) se torna, por isso mesmo, mais penosa e difícil.

Se tal teoria pode explicar uma dificuldade, nem por isso dispensa a necessidade imprescindível que temos de reflexão. Afinal, os seres humanos se distinguem de todos os outros seres vivos devido a esta característica fundamental: temos a capacidade de refletir, de voltarmo-nos sobre nós mesmos e de nos perguntarmos: por que somos o que somos? Por que aquilo que nos rodeia é assim? Em última análise, essa é a condição de nossa consciência: a consciência é definida, dentro de uma dimensão psicossocial, como sendo o quanto de resposta que conseguimos dar à pergunta: “por que somos o que somos? Por que aquilo que nos rodeia é assim?” A consciência não é algo material, alguma entidade física presente em nosso cérebro. Não. A consciência é um processo, infinito, de busca e de consecução de respostas às perguntas acima. Quanto mais respostas conseguirmos, mais consciência teremos. E é essa consciência que leva à liberdade — pois só é livre quem tem consciência — e é essa consciência que liberta e que leva também à responsabilidade — pois só é responsável quem é livre, e só é livre quem tem consciência.

Por que trago isso à discussão? Exatamente para dizer que o projeto político-pedagógico de uma escola é um processo de tomada de consciência dessa escola. E, sendo um projeto de tomada de consciência, é essencialmente libertador e, conseqüentemente, faz dessa escola ou instituição alguém mais responsável. O mesmo processo que se dá com o ser humano em busca de sua liberdade e responsabilidade dá-se também com uma escola, com uma instituição, que quer realmente cumprir sua missão histórica com eficácia e eficiência.

Mas há mais um aspecto que gostaria de enfatizar: há várias maneiras, ou enfoques, de como podemos refletir sobre nós mesmos e também várias práticas na produção de um projeto pedagógico libertador e responsável. Gostaria de enfatizar que o enfoque e a prática que mais ajudariam nesse empreendimento seriam um enfoque crítico e uma prática participativa. Vejamos.

O termo crítico, muito usado, mas pouco discutido, significa, fundamentalmente, que os fenômenos todos são relativos, históricos, contêm em si sua contradição e sua incompletude. Krinein, em grego, é julgar, e, para que um julgamento seja verdadeiramente democrático e autêntico, é necessário ver as duas partes: quem acusa e quem defende. Crítico é, pois, quem pressupõe que tudo tem, ao menos, dois lados e que, por mais perfeito que se julgue um projeto, uma instituição eles ainda podem ser melhorados, ampliados, complementados. A pessoa crítica sempre se pergunta pelo que ainda falta, como as coisas podem ainda ser melhoradas. Todo projeto político-pedagógico que se preze tem de manter uma porta aberta para sua contínua melhoria, sua contínua transformação para melhor.

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Finalmente, todo projeto político-pedagógico, para ser verdadeiramente libertador e responsável, tem de ser participativo.

Aliás, um projeto carrega consigo, em sua própria definição, a essência da cidadania, que é a participação. Por que isso? Porque cidadania significa participar. Mas não qualquer participação: é a participação que se dá no pensar, no projetar, no criar, no inventar, no construir um novo caminho. O perigo que está por detrás do termo participação é que não se distinguem seus diversos níveis. Pode haver participação no planejamento (na construção do projeto), na execução e nos resultados. A participação na execução refere-se a quem faz as coisas: os que produzem praticamente tudo, os trabalhadores. Nesse tipo de participação, entramos de corpo inteiro. Depois, há a participação nos resultados: para se ter uma idéia, o Brasil é o campeão, ou vice-campeão mundial, de má distribuição de renda. Agora, o importante é a participação no planejamento, na construção do projeto. Essa é a que interessa, pois é no planejamento que se decide quem faz o quê (execução) e quem fica com o quê (resultados). Essa é, conseqüentemente, a participação que interessa. Participação que é cidadania é a participação no planejamento, na construção do projeto.

Aliás, entre os gregos, já era assim: não bastava sentar-se na ágora, na praça pública, para ser cidadão. Só recebia o título de cidadão(ã) quem, na praça, se levantasse e dissesse sua palavra, expressasse sua opinião, manifestasse seu pensamento. Pois é nesse momento que o ser humano tira de si o que ele tem de mais profundo, original, criador.

Termino: a construção e a implementação de um projeto político-pedagógico é a prática corajosa de toda escola ou instituição que quer ser libertadora, crítica, cidadã, participativa. É através dessa prática que novos(as) cidadãos(ãs) podem surgir, na tentativa de construção de uma sociedade mais justa, democrática, solidária, participativa.

Fonte: BUTTURA, Ivaniria Maria. Projeto político-pedagógico: concepção que se define na práxis. UPF Editora.

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