Edição 82

O Absenteísmo docente

Professor que falta faz falta… Falta do professor ou falta da escola?

Rosangela Nieto de Albuquerque

A crise na educação familiar e a mudança social acelerada constituem um problema que se reflete no cotidiano escolar. As mudanças nos hábitos, costumes e valores e os fenômenos sociais são desafios que a sociedade impõe à escola. Observa-se que, na sociedade pós-moderna, as crianças não são mais ensinadas, pela família, sobre o valor de um mestre, sobre a função do professor e também a respeito de sua autoridade; esses valores não mais são passados de geração para geração. Há, portanto, um verdadeiro enfraquecimento e uma deteriorização dos aspectos que deveriam ser privilegiados na educação familiar, como o respeito e a consideração aos professores.

Nesse panorama, há também os efeitos negativos da profissão, os sentimentos de ansiedade, angústia, alienação, desmotivação, banalização do mal, a postura desumanizada diante das condições de vida, entre outros, que passam pelos olhos do professorado em sala de aula. Assim, o absenteísmo docente surge como uma estratégia de defesa, como mecanismo de fuga da dor e do sofrimento, aumentando o percentual de solicitações de remoção, de evasão e desvio de função.

Como idealista, o professor é movido pela crença de que a Educação transforma e, certamente, na impossibilidade de realizar suas atividades e seu ideal, emerge o descompasso entre expectativas e possibilidades, provocando o estresse laboral.

Nesse contexto, o professor falta ao trabalho, e o absenteísmo não é algo que diz respeito somente à consciência (ou inconsciência) do profissional, mas que, certamente, irá refletir e afetar várias crianças ou jovens no processo educativo.

Falta do professor ou falta da escola?

Quais as causas do absenteísmo docente? Por que os professores faltam? Na verdade, há os profissionais que não “faltam nunca”, estão sempre presentes, participam das diversas atividades pedagógicas, das reuniões, dos conselhos de classe, das atividades extraclasse, elaboram projetos e, provavelmente, trabalham muito mais horas do que a sua carga horária fixada na escola. Certamente, essa dedicação dependerá também da disponibilidade individual — muitas vezes o professor precisa lecionar em várias escolas para compor a renda, então torna-se o chamado professor taxista, que está na escola somente no horário de suas aulas, ausentando-se das atividades pedagógicas e dos planejamentos.

Sabemos também que o professor, mesmo o mais empenhado na sua prática como educador, não está livre de precisar faltar. É nesse momento que os gestores se deparam com a dificuldade: que fazer com os alunos? Eles ficarão no pátio? Deverão voltar para casa? É funcional juntar as turmas? Assim, começam as improvisações e a chamada desarrumação pedagógica.

Na verdade, a responsabilidade dessa “desarrumação pedagógica” não é do professor, mas da escola, que deveria ter, em seu planejamento, técnicas e estratégias para essa situação, a técnica do plano B. Essa complexa práxis pedagógica leva os gestores a buscarem saídas para a falta docente e, assim, tentar impedir que o absenteísmo comprometa o projeto pedagógico e atrapalhe os alunos no processo educativo.

Quando o professor falta faz falta. O ideal é que, através de uma conversa, o gestor conheça as dificuldades e os motivos da ausência do professor. As pesquisas inferem que, em geral, há quatro motivos mais significantes, que a maioria dos docentes classifica em:

• Motivo de doença – diversas pesquisas comprovam a alta vulnerabilidade do professor a patologias — por exemplo, problemas de voz, estresse mental e físico, dores de cabeça e musculares, enfim, a síndrome de burnout (esgotamento físico e mental ligado à vida profissional). Com muito carinho e respeito ao estado de saúde do docente, é possível que o gestor “negocie” as visitas (consultas médicas) necessárias para o tratamento para que não se prejudiquem as aulas.

• Questões familiares – sempre é muito difícil para o gestor tratar de assuntos familiares dos docentes, é importante colocar-se à disposição para ajudá-los de forma a não comprometer o planejamento pedagógico.

• Razões pessoais – na maioria das vezes, com a falta de tempo para resolver problemas cotidianos, certamente com muitas aulas em várias instituições, não há um espaço livre para resolver os compromissos familiares, e, assim, o professor se ausenta em alguma escola.

• Desencantamento com a profissão – este tópico é bastante complexo, e o gestor deverá ter uma atitude compreensiva e buscar resgatar a motivação do docente. É importante enfatizar que ele é um profissional importante para todos, para a equipe, para o projeto educacional da escola e para a criança, que precisa dele para o seu desenvolvimento.

A etapa mais significativa é a conscientização do professor, momento em que ele reconhece a sua importância no processo educativo. O gestor deverá estabelecer acordos e mostrar os prejuízos causados pelas faltas buscando soluções em conjunto com cada docente. O professor que falta faz falta… É fundamental equilibrar a compreensão dos problemas dos professores — sem se tornar cúmplice — e demonstrar firmeza para estabelecer rotinas que reduzam as ausências.

A escola, por meio do gestor, com uma atitude de equilíbrio, deverá construir uma relação de companheirismo, um clima de parceria, para que o docente, conforme sua necessidade, avise com antecedência a sua falta, e, assim, providencie-se um substituto. Mas sabemos que nem sempre é possível o aviso com antecedência, por exemplo, quando o professor adoece, então a escola busca soluções imediatas, sem ter um planejamento para substituições.

É importante que, em seu planejamento de previsão de falta docente, a escola estabeleça ações pedagógicas, como, por exemplo, levar a turma para atividades na sala de leitura (trabalhar leitura e produção textual), oportunizar o acesso à sala de informática (com atividades preestabelecidas) — evidentemente, os alunos devem ser acompanhados por funcionários de apoio. É importante que se deixe claro para o aluno que não se trata de um “tapa-buraco”, e, para isso, a escola deve ter um planejamento, traçar estratégias e técnicas para a possível ausência do professor. Sem dúvida, a pior opção é dispensar os alunos ou deixá-los no pátio aguardando a próxima aula (a chamada aula vaga).

O gestor deve diferenciar a falta do professor em caso de necessidade do absenteísmo docente, que perpassa faltas constantes, justificadas com falsos atestados médicos, faltas às atividades pedagógicas; enfim, a ausência como suporte de fuga.

A escola não é somente um espaço físico, é uma organização e não pode simplesmente deixar os alunos sem atividades. Quando falta o professor e os alunos ficam sem nada para fazer, a falta é da escola.

O que falta na Educação brasileira?

A crise social e familiar instalada na sociedade moderna tem se traduzido como uma crise da Educação, e, certamente, os efeitos têm sido catastróficos no cotidiano escolar e na vida dos docentes. As queixas e os sintomas são diversos, representando o mal-estar que acomete os professores. A crise na sociedade contemporânea, na educação escolar e na educação familiar tem sua origem na crise moral e ética que permeia a sociedade.

Nóvoa (1999) enfatiza que os valores que sustentavam a profissão docente caíram em desuso em virtude da evolução social e da mudança nos sistemas educativos. Para o autor, o velho modelo não serve mais à ação pedagógica nem à profissão docente; os ideais da educação necessitam ser reexaminados. Os professores se veem em um enorme conflito, pois necessitam refazer suas identidades e aderir a novos valores. O que poderá contribuir para o novo fazer pedagógico é, justamente, uma reflexão crítica sobre a função de ser professor.

E o que falta para a Educação brasileira deixar de se apresentar no ranking mundial atrás de países muito pobres e/ou subdesenvolvidos, como, por exemplo, o Cazaquistão?

Por que a Educação permanece estagnada em conceitos e paradigmas obsoletos?

Por que o discurso dos estudiosos em Educação e responsáveis pelo desenvolvimento educacional é sempre o mesmo, velho e ultrapassado?

Por que continuar insistindo nas reflexões e nos saberes fora da realidade?

Por que não desenvolver uma escola voltada para a ciência do século XXI, que é permeado pelas tecnologias?

Por que não buscar a contribuição de quem está dentro das escolas — o professor, a comunidade escolar, os gestores —, que agregarão valores incomensuráveis?

Por que não educar com o que é concreto e utilizar o pragmatismo?

Os professores idealistas e compromissados com a Educação se indagam quase que diariamente acerca dessas questões.

Os alunos, que passam em torno de 15 anos na escola, muitas vezes saem “sem saber nada”, segundo as pesquisas publicadas nas mídias. É necessário saber das crianças se a escola em que elas estudam é a escola que elas desejam ter.

Os alunos, que passam em torno de 15 anos na escola, muitas vezes saem ‘sem saber nada’…

Nós, os fazedores da Educação, estamos realmente fazendo Educação, isto é, estamos fazendo a nossa parte, mas com a sensação de que não estamos conseguindo e com a certeza de que é necessário:

o_absenteismo_docente• Reduzir o número de alunos por sala — nas condições precárias das escolas, com 30 a 35 alunos, este é o caminho para o fracasso.

• Professores com dedicação exclusiva e com apenas um período em sala de aula, mas, para isso, é necessária uma remuneração decente.

• Maior consciência por parte dos profissionais que estão fora da escola (gestores públicos e profissionais de apoio) e conhecer a realidade do trabalho escolar. Esses profissionais muitas vezes ficam teorizando sem compreender os problemas educacionais.

• Substituir as epistemes e metodologias obsoletas por uma base pautada na neurociência, fundamentada em estudos do cérebro. Observa-se que os professores alfabetizadores muitas vezes são obrigados a alfabetizar com formas impostas pelas ideologias vigentes e também a utilizar livros ineficientes. O interessante é que os professores ainda são “culpados” pelo analfabetismo funcional da Educação Básica.

• Cobrar responsabilidade e compromisso dos alunos e das famílias em relação aos estudos escolares dos que recebem o Bolsa Família.

• Que as escolas tenham mais autonomia e autoridade em suas decisões, sem permanecerem reféns de reclamações, muitas vezes absurdas, de pais e alunos, que geram até processos administrativos. É necessário também que as escolas não fiquem acorrentadas a índices de aprovação.

• Acabar com a progressão automática — experiência catastrófica, com base em hipóteses sobre motivação humana que não prosperaram.

• Informatizar a escola — para minimizar o excesso de preenchimento de papéis pedagógicos (ficha diária de alunos, cadernetas do século passado, frequência, registro de ocorrências pedagógicas e disciplinares, boletim de notas). Certamente, esses registros são importantes, mas deveriam estar online e disponíveis para os pais. Algumas escolas já estão informatizadas, e o resultado tem sido positivo, mas, na grande maioria, ainda não há informatização.

• Um assistente em cada sala de aula, responsável pelo acompanhamento às pessoas com necessidades específicas, com uma real integração (com acessibilidade física, pedagógica e com tecnologia assistiva). Descartar a proposta de inclusão (no modelo que tem sido realizado), que segrega mais do que inclui, para um modelo de integração.

• Professores estudiosos, leitores, amantes do conhecimento e principalmente motivados.

• Alunos com a consciência do que é que vão fazer na escola — hoje, muitos alunos não sabem o que vão fazer na escola. “Se não sabem para onde vão, qualquer lugar serve.”

• Políticos realmente preocupados com a educação nacional, e não apenas com os resultados, que muitas vezes aparecem maquiados, para justificarem seus cargos.

• Fazer das escolas um ambiente de alta qualidade com infraestrutura tecnológica e didática. A realidade das escolas demonstra o atraso no desenvolvimento do País.

• Que as escolas sejam realmente espaços de aprendizado, e não de cuidados — a função da escola é ensinar, e não tomar conta da criança enquanto os pais trabalham.

• Que os profissionais de educação se atualizem, deixando para trás o passado teórico, e ajam com base na neurociência.

• Bibliotecas com bibliotecário, acervo atualizado e adequado em todas as escolas.

• Laboratórios, auditórios, sala de música, enfim, ambientes para atividades diversificadas e específicas.

• Mais profissionais dentro da escola — coordenadores pedagógicos, inspetores preparados para lidar com o trabalho disciplinar, pois a questão da violência e indisciplina está evidente.

• Valorizar os bons professores e oportunizar condições decentes de trabalho (BENEDETTI, 2014).

É fundamental que todos os brasileiros valorizem os professores, pois a realidade de hoje aponta que enfrentaremos uma escassez de profissionais docentes, não de professores que “querem dar aulas”, mas de bons professores, educadores competentes, estudiosos, dedicados, comprometidos e sérios.

Professor, quando você falta… Como faz falta! Há muitas crianças brasileiras que perdem muitas aulas todos os dias, nas escolas de todo o Brasil. Será que não nos importamos com isso? Ou será que as escolas passaram a ter a função de abrigo com cuidadores sem a real função de estabelecer o saber, devido à falta de professores?

Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação (Pós-Doutora em Educação), pós-doutoranda em Psicologia, doutoranda em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, professora universitária dos cursos de graduação e pós-graduação, coordenadora dos cursos de pós-graduação em Educação, psicopedagoga clínica e institucional, analista em Gestão Educacional, pedagoga. Autora de projetos em Educação, autora da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia como projeto social. Autora de três livros: Neuropedagogia e Psicopatologias, Psicoeducação e Neuropsicologia.

Endereço eletrônico: rosangela.nieto@gmail.com

Referências

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