Edição 102

Matérias Especiais

Profissão professor: Em que consiste?

Nildo Lage

Antes de esquadrinharmos respostas para “PROFISSÃO PROFESSOR: Em que consiste?”, é primordial entendermos o diferencial entre professor — título que se adquire sem competências — e professor-educador — singularidade peculiar, essência presumida que emana daqueles que fazem do ofício de ensinar a arte de formar cidadãos.8

O professor-educador, ao adentrar à sala, suaviza o clima… Ao agir, alicia olhares por trabalhar o individualismo como ferramenta de respeito às diferenças; é criterioso nas escolhas dos conteúdos e sucinto no manejo das estratégias. Para o professor-educador, salário desmotiva, todavia não reprime iniciativas para enfrentar salas superlotadas, dois turnos em escolas diferentes… Sua postura, de tão caracterizada, desenvolve habilidades para driblar problemas; entre eles, ser alvo das setas de um sistema infectado por convergências políticas que ultrapassa direitos, aniquila sonhos… Tanta dedicação para atingir um único alvo: a autorrealização como diferencial no seu tempo, no seu espaço… Deixar um legado… Por isso, eternizam.

Tais exemplos são colírios para o professor que cumpre um calendário escolar e “Tô de férias!”. Atitudes que se tomam são chamadas ao repensar: repensar práticas, ações e, por que não?, desempenhos. Depois do repensar, volte o olhar e reveja! Reveja consequências das práticas, ações e desempenhos… Qual a realidade do aluno? Reveja de novo… Analise o ambiente… E, desta vez, equilibre os conceitos docentes… Perspectivas foram alcançadas? Não divisou nada? Reflita! É professor ou professor-educador?

Se ambiciona respostas reais, analise o universo costumado da pedagogia — a sala de aula. Esse cenário desenrola enredos que ampliam olhares e promovem o entendimento, amadurece, instrui por meio de atitudes que se convertem em metodologias para transformar comportamentos, desenvolver aprendizagem e, assim, a compreensão através de competências adquiridas e a consciência de que para ser professor-educador ativo não é imprescindível chegar ao “hiper-super”… Basta aprender com aqueles que acreditam em ensinar, porque a técnica educativa mais dinâmica é a dialógica da comunicação que aproxima, envolve, promove o entendimento e fortalece o relacionamento educador-educando.

Todavia, sala de aula é o ponto de encontro de gerações e o ponto de desequilíbrio docente… De um lado, aquele que foi desenvolvido num modelo tradicional de ensino — o professor. Do lado antagônico, o bloco dos não motivados alunos que devaneiam com sala de aula invertida, módulos digitais, grupos de discussão em rede sociais, games educativos… E que o professor tem? Um quadro negro, uma caixa de giz, um diário e dezenas de clientes impregnados de problemas sociais, psicológicos e familiares.9

Ante a coalizão entre realidade e propósitos, o despertar. Volte o olhar e se certifique de que o sonho de uma educação inclusiva está do outro lado do mundo — Japão, Coreia do Sul… Finlândia. No Brasil, a desvalorização da profissão afasta cada vez mais os jovens do curso de Pedagogia, receosos de tanto apreciar seus professores reivindicarem salário, suporte, aporte e melhores condições de trabalho.

Profissão professor: Em que consiste?

Não tem jeito… Terminou a faculdade, pós-graduou-se, passou no concurso… Saiu do período probatório… É encarar a realidade.

Todavia, para enveredar pelo universo de um profissional que resiste às crises e ao desrespeito contínuo, é necessário novo questionamento: por que a qualidade do ensino desmorona a cada ano?

Não é preciso BNCC para discutir a educação nem contratar empresa especializada em busca de respostas. Uma simples olhadela, gritos de socorro do professor encurralado ecoam ensurdecedores por salas, corredores… Emudecem na direção… A resposta? A grande maioria dos educandos vai à escola para “zoar” com os colegas, “curtir” com a cara do professor… Estudar? Quem quer? Alguns!

Em todas as unidades, queixas se embaraçam com lamentações, e fatos que consternam são atos triviais, pois são as mesmas reinvindicações: sobrecarga — devido à necessidade de trabalhar em duas escolas ou mais para reforçar o orçamento —, insuficiência de treinamento e capacitação, e, como o sistema está cada vez mais exigente para cumprir as metas exigidas pelo governo e pelos órgãos internacionais, ultraja, e, como a personalização da aprendizagem não sobrevém, as necessidades individuais são atropeladas no processo.

Para agravar o quadro, o para-choque professor é impelido a transitar se esquivando para não ser alvo das três violências que o acossam: violência na escola, violência contra a escola e violência da escola.

Nessa subversão, as dependências da escola convertem-se em campos de duelos, onde o professor é uma peça vulnerável, joguete em que ganha quase nada — pela relevância do seu trabalho — e não tem nada: contribuição, apoio, recursos didáticos, autonomia, reconhecimento profissional, valorização… Autoridade… Quer mais? RESPEITO!

Ante o NADA…Um novo grito: Há uma veia de escape?10

O olhar em busca de um horizonte e o grande desafio: encontrar a metodologia que resuma o processo de aprendizagem num roteiro de crescimento humano é além-humano… Todavia, o sistema é implacável: o aluno deve construir o próprio conhecimento… Dê os seus pulos para nortear conteúdos que edifiquem a base do desenvolvimento humano.

Fatores pedagógicos são cruciais, excepcionalmente procedimentos de instrução, para que a avaliação sobrevenha como retorno de um procedimento em que conteúdos e metas harmonizem os alvos do ciclo definido por padrões que sinalizem o educando pelo caminho da realização pessoal. Cadê o suporte?

Como se não bastasse tamanha desconexão, o governo empacota a BNCC, insere um código de barra e a arremete no colo do professor com um frio: DISCUTA! Discutir o quê? Os rumos de uma educação sem direção, cujo comandante — um governo atroz — se debate para salvar a própria pele? E as leis? Que leis? Se quase 60% da Câmara está sendo investigada pela Lava Jato? Nesse motim, a única lei que impera é “salve-se quem puder!”.

Entre manobras fantásticas para zarparem das operações, a Educação é talhada como mercadoria de quinta categoria e vendida no varejo do balcão “escola” como favores ao futuro de uma nação — nossas crianças —, pois obrigações são definhadas por um Estado que não encara a Educação como ferramenta que edifica vidas, pois o livre-comércio que proporciona o desenvolvimento do setor constitui investimentos, e esses recursos nutrem as sanguessugas que estabelecem preceitos que dificultam a vida daqueles que necessitam da base Educação para ser alguém.

Nesse negócio da China — para o governo —, o professor é tratado como atravessador, mero comerciante de aulas que, para se sustentar, tem que vender em várias escolas, vários ciclos, várias disciplinas… Por que tanta tirania do Estado? Por que trata seus filhos como padrasto? Educação é a base de tudo… Por que o professor é tão massacrado?

Seja coerente, Estado… Educação deve exercitar asas, educar para a liberdade… Seja imparcial, deixe para trás as massacrantes práticas, a iniciar pelas pedagógicas coercitivas… Educação é atuação… Atua com justiça por meio de técnicas pedagógicas livres… Se acredita que a BNCC é o caminho, ladrilhe essa vereda com conteúdos que promovam o crescimento humano e metodologias que seduzam.

O que adianta discutir, traçar metas se o martelo é batido pela primeira turma do MEC, que institui os conteúdos do currículo, estabelece a base de programas e, o pior, delineia o percurso das avaliações nacionais ostentando a Educação nas garras de um sistema discricionário, que não reconhece que Educação é feita por humano que prepara humano para a vida… Ensinar para a vida estabelece liberdade e valorização para proporcionar deleite, não repressão.

11Nessa batalha que restringe os horizontes, nem as presas do tigre-dente-de-sabre são capazes de tirar a Educação brasileira das garras de um ranço que antepara a abertura de uma fresta para que os raios da educação do futuro acendam um setor que, desde a era jesuíta, progride às sombras de interesses de grupos e manobras políticas.

O abismo que separa nossa Educação do mínimo ambicionado é tão espantoso que a alcateia “planaltina” acossa, e esse medo de enfrentar desafios retrocede dia após dia… Quanto mais além, menos riscos, e as técnicas, estratégias e exemplos do tigre-dente-de-sabre, que arrosta situações extraordinárias para alcançar o alvo sobrevivência, são ignorados.

E assim, prosseguimos com salas abarrotadas, professores acuados, alunos suprimidos… Todavia, sem alcançar a meta formação, e, quando não se atende às necessidades que proporcionam o crescimento humano, obstruímos caminhadas, podamos sonhos e içamos as estatísticas salientadas nos telejornais: abandono social, acréscimo do tráfico e, logo, violência.

Ante o cenário desolador, novos questionamentos são disseminados: qual o papel do professor na escola? Na contemporaneidade? No processo ensino-aprendizagem? Qual o papel social do professor na prática pedagógica? Na vida do aluno?

QUEM OUSA REPLICAR? Sistema? Governo? Gestor?12

Com tantos percalços para desempenhar o ofício, chega a ser constrangedor falar de uma profissão que molda vidas, apronta o indivíduo para a própria vida… Pois é impossível não volver o olhar e contemplar o desenvolvimento de um setor que avança numa operação tartaruga, excepcionalmente no que se refere à valorização de um profissional cuja nobreza do trabalho constitui-se na base de todas as carreiras.

Como diz Galvão Bueno: “Tem que ser sofrido!”. E como é sofrido o trabalho de professor… Todavia, tem que encarar! Vai fazer sofrer? Vai! E daí para um sistema opressor? E daí para um governo fascista que nega até o que é destinado à classe? O fato é que tem que prosseguir, angariar competências que afeiçoem o que nasceu concluído fisicamente — o aluno — e esquadrinha o complemento como humano, cuja finalização — formação profissional — está sob a regência do professor.

O professor, assim como o aluno, é arte que deve ser moldada no espaço escolar. Esse espaço é um anfiteatro onde a prática de aprimorar e a prática pedagógica estabelecem relacionamento estreito entre lapidador e pedra rústica, pois somente assim quem maneja, como aqueles que são manejados, aprende, cresce… Por isso, o professor necessita de valorização, reconhecimento e aprimoramento profissional.

O fato é que ser professor no Brasil é consentir imposições, coações, tiranias, pagar um alto preço, e a sina é enfrentar, dia após dia, desafios sem precedentes. O elementar principia no recebimento do certificado. A má formação propicia tão somente legalidade para desempenhar a função, pois as nossas faculdades ainda não acoplaram contextos o bastante para contrapor o questionamento: Como constituir profissionais com competências para formar cidadãos?

Se o sistema matar a charada de que qualidade é a trilha para o desenvolvimento, certificará que a qualidade vem da qualificação profissional, reconhecimento, suporte para edificar uma base sólida… Valorização e condições de trabalho àqueles que submergem num oceano de conflitos psicoemocionais, sociais e familiares.

O que fazer? Quem está no olho do furacão protesta. O ciclo vicioso é ininterrupto: constitui maus profissionais, que vão para a sala de aula com o mínimo de estruturas estabelecidas… Muitos desconhecem os quatro indicadores: qualidade de formação, preparo para o ensino, competências e estratégias e o mais grave: com que competências os alunos serão repassados para o ciclo seguinte?

Assim, são arremessados no picadeiro. Cada um representa como pode, dança no seu ritmo… Muitos bem que tentam ser sociáveis, assíduos, prestativos… Entregam-se na expectativa de serem a diferença… Gastam parte do pouco que ganham alimentados pelo sonho de obter resultados positivos… No fritar dos ovos… Cadê a gema?… Tem casca, clara… Faltou o essencial: conteúdo… Não tem omelete… A sagacidade da serpente “planaltina”, originária do Planalto Central, devorou.

A trombeta soa, e o sistema não desperta para compreender que tendências devem, com extrema urgência, serem delineadas para atender uma geração que não permite ser ludibriada com futilidades, e tais situações exigem do setor tecnologias educacionais, salientando que a partir de ontem ficarão para trás os que não acompanham os passos da evolução.

Ou o sistema reage para romper o tradicionalismo e, no mínimo, proporcionar o básico, como lousa digital, smartphones,  tablets, e atualizar os laboratórios de informática, ou a mitológica BNCC não terá nenhuma influência no ensino, tampouco na aprendizagem de uma geração que maximizou a janela do mundo e visualiza as oportunidades em 4-D+ num universo de viagens fantásticas e oportunidades promissoras.

Outro ponto que o sistema ignora são os transtornos, excepcionalmente os psicológicos, emocionais… O sentimento de despotismo é alarmante… A instabilidade incitada pela perspectiva de um novo golpe ostenta um clima sombrio. De tão tenso, abrolha oscilações, angústias, aversão… explosões… Refletindo um presente anfibológico repleto de fobias e impotências, e, como o Estado não repensa políticas públicas, o humano que auxilia na construção do conhecimento — o professor — não é valorizado.

Como constituir profissionais com competências para formar cidadãos?

13O desafio é reverter o quadro dramático, repensar o modelo de educação, redirecionar investimentos com critérios, para que a profissão professor se torne um oficio desejado e, porque não?, intelectualmente funcional. Se a BASE não for elaborada com cautela, banindo ranços, conteúdos com planos fixos, sobrevirá a tragédia: a desprofissionalização.

A injeção de ânimo não é tão somente salário, condições de trabalho… Professor necessita de formação ininterrupta para trabalhar sem atropelar conteúdo do currículo nem assassinar o futuro dos seus alunos. Professor tem que ser livre para formar sem pressões; autônomo para edificar as bases da cultura colaborativa e, assim, abrandar a tensão no ambiente escolar e constituir uma escola apropriada para desenvolver competências que cosam o tecido social sem roturas e, consequentemente, aprimorar profissionais preparados para competir no mercado de trabalho.

Se as instituições formadoras — universidades — não arremessarem o conservadorismo e o retrógrado para trás, não evoluiremos, pois a profissão professor consiste em atrair o novo, e, sem olhares inovadores, dificilmente tecnologia, novos currículos, diversidade adentrarão a sala de aula como instrumento de aprendizagem.

Reconhecimento a você, PROFESSOR-EDUCADOR… Você que remove pedras, não mede esforços, não contabiliza fracassos e, assim, institui situações que promovem o aprender, o crescimento do seu aluno… Por isso, não desista… Faça, da vontade de ser, de deixar um legado, energia e impulso para prosseguir. Chaves que abrem portas e garantem que nossas escolas permaneçam abertas acolhendo sonhadores.

É por meio de ações como as suas que a Educação cumpre — mesmo precariamente — o seu papel, ao atingir o propósito de fazer vencedores… Se o colega —
cumpridor de calendário — questionar: EM QUE CONSISTE? Diga tão somente: observe! Observe e aprenda com meu agir… Siga meus passos e desvendará que a profissão professor consiste em irromper, dia após dia, as barreiras que obstruem o crescimento daqueles que são postos sob minha regência.

PROFISSÃO PROFESSOR: CONSISTE em doar à inexperiência um saber à base de valores que edificam, proporcionam o crescimento… Se ainda restar o mínimo de ética, profissionalismo, de amor pelo outro, vislumbrará que ser professor CONSISTE em não se prostrar diante de uma turma, aplicar conteúdo e…. “Tchau… Até amanhã — se não for facultativo!”

A PROFISSÃO PROFESSOR CONSISTE em procurar, dirigir, abrigar, escoltar… PROCURAR novas formas de aprender e ensinar para ampliar o olhar de mediador, DIRIGIR vidas pela rota da aprendizagem e ABRIGAR as vítimas da injustiça social, da violência familiar… Mas o professor tem sede de ser, na morada do conhecimento — a escola —, valorizado como cidadão para assim, ser ESCOLTA, que proporciona segurança pela rota de um aprender que desperta a ambição para crescer.14

Professor-educador não desvia o olhar do outro que busca no seu trabalho uma chance para ser. Esse outro é um terreno fértil, todavia repleto de ervas daninhas, que necessita do preparar, do semear, do esperar… Do regar para crescer.

Não desista da Educação… Sem suas ações, não teremos mãos habilidosas para moldar o futuro de uma nação. Não teremos horizontes… Tampouco, esperança de vitórias… Pois a era da difusão e do conhecimento estabelece profissionais com ousadia para enfrentar novos desafios, novas competências, novas tecnologias, novas levadas de clientes que ambicionam o novo como ferramenta de ensino-aprendizagem.

Tenho certeza de que somente o professor-educador comprometido com a arte de ensinar é capaz de reinventar o novo para inovar, reconstruir o futuro para edificar um presente que decreta: inovar é a metodologia para mediar melhor.

 

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