Edição 17

Professor Construir

Qual visão de mundo você anda ensinando?

A seguir, apresento duas visões de mundo que se contrastam diametralmente. Acredito que enfrentamos as dificuldades em nosso dia-a-dia de acordo com uma delas. Qual é a sua?

Visão Quadrática

Para explicar o que é “Visão Quadrática do Mundo”, vou lançar mão do Minidicionário Brasileiro,1 que me acompanha, desde o Primário — Ensino Fundamental —, em minha infindável e insaciável busca por mais conhecimentos.

Foi lá, na página 459, que encontrei a definição da palavra visão: “Visão, s.f. Ato ou efeito de ver; sentido da vista; aspecto; imagem vã que se julga ver em sonhos, por medo, loucura, superstição, etc.; fantasia; quimera”. Nessa definição, sem ainda interpretá-la, encontrei uma palavra desconhecida, quimera. Outrora, em minha “visão quadrática de mundo”, não estaria preocupado com ela, pois a definição ato ou efeito de ver me bastaria, por encaixar-se no contexto da explicação; porém a proposta aqui é a ampliação da visão, então saí em busca da palavra quimera.

Quando eu disse que sairia em busca da palavra quimera, realmente não estava brincando, fui encontrá-la lá na página 357. Tente imaginar, assim como eu, que esse minidicionário contém uma “fração do universo”. É isso mesmo: um “mundo” de palavras que, segundo o próprio autor, Alpheu Tersariol, logo na primeira página, diz ter “cerca de 30 mil verbetes e subverbetes, atualizados e de acordo com a língua dos escritores de ontem e de hoje, com a língua dos jornais e outros meios de comunicação, com os linguajares diversos, como gíria e, principalmente, regionalismos”. Deu para entender o que eu quis dizer? Não são apenas algumas páginas, é realmente um mundo de significados que nos leva de um canto ao outro, sem sairmos do lugar.

Mas, voltando à definição da palavra quimera na página 357, ela diz o seguinte: “Quimera, s.f. Monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de dragão; utopia; absurdo; fantasia; ilusão”.

Novamente, sem tirar conclusões precipitadas, investi em nova “viagem” até a página 447, em busca da palavra utopia, que, segundo o autor, quer dizer: “Utopia, s.f. País imaginário em que tudo está organizado da melhor maneira; projeto irrealizável; fantasia; delírio; quimera; lugar que não existe”.

E, para encerrar, pelo menos nesse contexto, a minha interpretação sobre a palavra visão, busquei na página 243 a definição de ilusão: “Ilusão, s.f. Engano dos sentidos ou da mente; falsa aparência ou aparição; interpretação errada de um fato; coisa transitória ou efêmera”.

Agora sim, depois de separar tudo em seus devidos lugares, irei juntar tudo e me explicar. É claro que esta é a minha visão sobre o tema, e você pode concordar ou discordar, de forma plena ou parcial. Acompanhe-me: Visão de Mundo é a forma com que encaramos as “nossas realidades” segundo o sentido das nossas vistas; dito de outra forma: dos nossos pontos de vista. E ela pode estar permeada de imagens vãs, superstições, sonhos e devaneios. Quantos monstros criamos, pintados com a realidade das

nossas “insanidades”, dos nossos absurdos, das nossas fantasias? Será que não estamos querendo ver um mundo todo “organizado”, com tudo em “ordem”? Mas… organizado de que forma? Em ordem do quê? Para quem? Por quê? Isto tudo não seria sonho, fantasia, absurdo, delírio, certamente um lugar que não existe? Os nossos sentidos não estariam enganados por uma falsa aparência, e as nossas mentes, por uma interpretação errada dos fatos?

Refletindo sobre essas idéias, lembrei-me de Leonardo Boff,2 que disse: “Todo ponto de vista é a vista apenas de um ponto”, assim, não existem pontos de vista errados, e sim limitados. E essa é uma boa notícia, pois podemos incorporar novos pontos de vista e ampliar a nossa visão de mundo; e, é claro, isso requer humildade, paciência, solidariedade, respeito com a diversidade, flexibilidade, etc.

E por que quadrática?

Novamente recorrendo ao minidicionário, na página 355, encontramos:

Quadrático, adj. Que diz respeito ao quadrado; referente à forma de cristalização, caracterizada por um prisma reto de base quadrada”, que nos remete ao: “Quadrado, adj. De formato quadrangular; que tem o formato de quadrado; s.m. Sólido quadrilátero cujos lados são todos iguais entre si e cujos ângulos são todos retos; raiz de índice dois de um número; indivíduo ignorante, rude, grosseiro”, tudo na mesma página.

Veja a perfeição do quadrado: ângulos retos, todos os lados com a mesma medida, tudo muito previsível, homogêneo, linear, igual. Da palavra quadrática, sugiro a rima com a palavra automática, que está lá na página 72: “Automático, adj. Próprio de autômato; que se realiza por meios mecânicos; maquinal; (fig) inconsciente; involuntário”, e não posso deixar de incluir aqui a palavra autômato, que está na mesma página: “Autômato, s.m. Figura que reproduz os movimentos humanos; maquinismo por meios mecânicos; (fig) boneco; fantoche; aquele que é incapaz de iniciativa”.

Concordo que agora eu extrapolei, é verdade, mas me acompanhe novamente. Estamos percebendo aos poucos — a Física Quântica e a Teoria da Relatividade comprovam — que a ciência tradicional limita-se em sua linearidade e visão quadrática de mundo. Quantas “verdades” irrefutáveis não foram substituídas? Quantos porquês ainda não foram respondidos? É bem verdade quando se diz que “há mais coisas entre o céu e a terra do que a vã filosofia pode explicar”. E, voltando à minha interpretação do termo quadrático, tomo a liberdade de relacioná-lo ao termo automático, que tem tudo a ver com boa parte dos nossos comportamentos como indivíduos sociais.

Quantas vezes não realizamos ações importantes de forma automática? Planejamento; reuniões; provas; aquele beijo no cônjuge, filho, pai, na mãe ou no ente querido quando os encontramos diariamente. As felicitações em datas comemorativas importantes como aniversários, Natal, passagem de ano, votos de felicidades num casamento, etc. Até que ponto nós automatizamos nossas relações humanas? Será que não nos tornamos bonecos, fantoches e estamos a representar e reproduzir mecanicamente os movimentos humanos? Indivíduos ignorantes, rudes, grosseiros?
visao-foto03

Isso tudo faz mais sentido ainda quando refletimos e percebemos que a grande maioria das pessoas é incapaz de tomar iniciativa. Por exemplo: depois de uma festa aí na sua escola, em sua casa, na de seus amigos(as), quantas pessoas tomam a iniciativa de ajudar na limpeza? “Quem? Fulano? Ah, já foi embora!”. Quantas pessoas, ao encontrarem sua sala de aula suja, tomam a iniciativa de limpá-la? “Não é problema meu!”, “O funcionário depois limpa, ou melhor, já deveria ter limpado!”. E, assim, vamos forjando o nosso comportamento passivo e descompromissado diante da realidade viva e dinâmica da vida.

E o que esperam as pessoas da Visão Quadrática do Mundo?

Esperam de tudo! Que tudo seja perfeito; que tudo esteja correto; que todas as pessoas sejam maravilhosas; que as coisas fiquem todas em seus devidos lugares; que os salários aumentem; que a carga horária de trabalho diminua; que todos os alunos aprendam toda a lição na mesma hora e, ao mesmo tempo, que se comportem; que os pais participem das reuniões, etc., etc., etc. É interessante perceber que, na maioria das vezes, essas pessoas não fazem nada para que isso se torne realidade. Curioso, não acha?

Visão Holística

E esta “miopia” tem cura? Tem algum outro tipo de Visão de Mundo?

Claro que sim! E o princípio básico a se considerar é que sempre há possibilidades. Como já disse anteriormente, podemos ampliar os nossos pontos de vista, ampliar nossos horizontes, quebrar os nossos paradigmas, e, para isso, bastam humildade, flexibilidade, paciência e, acima de tudo, querer!

É o ato volitivo do querer e a intenção de melhorar que fazem com que as portas para as novas possibilidades se abram. É preciso manter a mente aberta e acreditar que podemos fazer a diferença e entender que as pequenas mudanças acontecem com os pequenos gestos, pequenas atitudes, ações simples de efeitos “quânticos”.

A essa visão, podemos dar o nome de holística. E, aqui, torno a consultar o meu minidicionário. Na página 238, diz que: “Holístico, adj. Relativo a holismo; total, abrangente, que considera as inter-relações de todos os componentes do meio ambiente”. Aproveitando, na mesma página, consultei: “Holismo, s.m. Doutrina segundo a qual a vida, sob todos os seus aspectos, constitui um sistema integrante e integrado com os elementos inorgânicos do meio”.

Ter uma Visão Holística do Mundo, ouso dizer, é o entendimento de que fazemos parte de um todo maior, somos partes integrantes inter-relacionadas de um universo único, esplêndido, riquíssimo em possibilidades. O que representa dizer que a multidiversidade de pensamentos, opiniões, características é o que nos unifica, e respeitar essa diversidade é acolher para si o que é único no outro. É poder ver, do ponto de vista do outro, o exercício pleno da empatia.

E o que esperam as pessoas de Visão Holística do Mundo?

Elas não esperam nada! Fazem acontecer. São aquelas pessoas que, por iniciativa própria, tomam a liberdade de fazer o que é preciso ser feito e, independentemente do resultado, se lançam a fazer novamente, melhorando cada vez mais. Não se conformam com as mesmices, a linearidade, as fórmulas prontas; não se limitam a copiar modelos; acreditam que dar um sorriso não lhes fará falta, que ensinar algo que sabe a alguém não é dividir conhecimento, e sim multiplicar saberes. Enxergam a poesia na Matemática e a lógica num rabisco. São pessoas ricas em iniciativa, atitudes, solidariedade, companheirismo, amor, carinho, paz de espírito, etc. São seres humanos magníficos!

E qual é o caminho? Onde é o começo? O que se deve fazer para ter uma nova visão?

Não existe caminho. O verdadeiro caminho se faz ao caminhar. Seguir indicações de caminhos já trilhados o levará ao mesmo ponto, aos mesmos resultados, com uma grande diferença: você irá chegar bem depois! Quem quer começar aqui, o momento é este, a hora é agora! É só acreditar que pode ser diferente e que pode fazer a diferença.

O que podemos e deveríamos fazer é seguir na direção das pessoas de atitude, aproveitar os erros cometidos pelos próximos à nossa frente, extraindo deles as lições que nos puderem ensinar, admirar os sucessos conquistados e, daí, idealizar, planejar e agir em busca dos nossos próprios sucessos! Dito de outra forma, devemos agarrar as rédeas das nossas ações e participar da construção do presente, porque o futuro depende diretamente dele.

É válido lembrar que nós, Educadores, somos referências — positivas ou negativas — no desenvolvimento dos nossos educandos. Pior ainda: visão quadrática de mundo também se ensina mesmo inconscientemente. Observe e veja qual é a visão de mundo que você apresenta aos seus alunos.

Luis-MarioLuis Mario da Conceição
Pedagogo, graduado na Universidade de Sorocaba (Uniso – SP)
Pós-graduando em Educação Infantil pela Universidade Castelo Branco – RJ
Coordenador de Cursos Livres – Prefeitura Municipal de Vargem Grande – SP

1 TERSARIOL, Alpheu. Minidicionário brasileiro. 2. ed. Erechim: Edelbra, 1996.
2 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano com paixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

cubos