Edição 36

Matérias Especiais

Que país é este?

Fábio Salvari

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Que país é este?! Meus caros alunos, há muito tempo venho sendo questionado por vocês a respeito do futuro do Brasil; sinto-me lisonjeado, haja vista que, desde os tempos do antigo ginásio (hoje Ensino Fundamental II), ouvia sempre meus professores dizerem: “Vocês são o futuro da nação!!!” e aí me deparo fazendo o mesmo tipo de afirmação. Como historiador e professor, observo que o nosso país tem uma série de problemas estruturais que nos remetem ao início de nossa colonização e que, de certa forma, refletem os traumas sociais e econômicos que carregamos até os dias atuais.

Nos primórdios da nossa sociedade, o sistema de plantation nos deu a base de nossa subserviência. Éramos escravocratas, e nossa elite agrária se vangloriava do nosso destino agrário enquanto a Europa se industrializava. Só para termos noção de nossa condição, a primeira Revolução Industrial na Inglaterra teve início em 1750 (“financiada pelo ouro brasileiro”), enquanto o Brasil ainda era uma colônia que tinha por objetivo tirar Portugal do sufoco.

A Família Real portuguesa, com medo dos arroubos megalomaníacos de Napoleão Bonaparte, fugiu para o Brasil, proporcionando-nos o gostinho de sermos “independentes” desde 1808. A nossa famigerada independência política de Portugal se deu de forma interessante, haja vista que nos custou a dependência econômica, pois nós pedimos dinheiro emprestado à Inglaterra para pagarmos a Portugal, ou seja, enquanto toda a América Latina lutava pela independência, nós a compramos, dando início à nossa primeira dívida externa.

Dessa forma, passamos da condição de Reino Unido a Portugal e Algarves a Estado “unido” à Inglaterra. Isso sem contarmos que o nosso primeiro imperador era português (D. Pedro I) e o nosso segundo e último, D. Pedro II, era filho de D. Pedro e neto de D. João VI. O Brasil era cheio de particularidades e ainda é. Veja só: os liberais eram conservadores e escravocratas, o parlamentarismo era às avessas (quem mandava era o Imperador), os coronéis não pertenciam ao Exército, as escolas eram para a elite, a Lei do Sexagenário nos faz lembrar as filas do INSS, a Lei do Ventre Livre era uma piada de mau gosto e a Lei Áurea (deixa pra lá)…

Ser livre, no Brasil, era um luxo a ser conquistado pela maioria da população. Entretanto, as coisas estavam mudando, pois agora o negro era livre para morrer de fome, sem emprego e sem perspectiva. Qual a saída para o povão? Morar nos morros… Olha a origem das grandes favelas do Rio de Janeiro, São Paulo… Coisas do Brasil!!! Para tudo se dá um jeitinho.

E aí veio a República Velha ou República do Café-com-leite. O Brasil continuava agroexportador e dessa vez com um agravante: 70% de nossas exportações eram representadas pelo café. E a industrialização?! Era muito insignificante. Só deu um salto no período da Primeira Guerra Mundial, porque os países industrializados que estavam envolvidos com a guerra não estavam produzindo; portanto, o Brasil teve de fabricar os produtos que estavam em falta no mercado.

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O mais engraçado de tudo isso é que, após a guerra, nós voltamos às nossas origens agrárias. O mundo capitalista estava em plena atividade industrial, e o Brasil continuava nadando contra a corrente. Veja, estamos quase nos anos trinta, e o Brasil não caminha para um processo de industrialização acentuado. Para “alegria” geral do proletariado urbano, Vargas assume o governo em 1930, através de uma “revolução” que não altera radicalmente a estrutura do País. O Brasil começa a engrenar rumo à industrialização; no entanto, nossa vocação agrária permanece viva.

Após a queda de Vargas em 1945, houve uma luta política entre os chamados internacionalistas e os nacionalistas, ou seja, aqueles que eram favoráveis à interferência do capital estrangeiro no País e aqueles que não. A luta se desenrola, e o Brasil, enquanto isso, se endivida. Para facilitar o crescimento industrial brasileiro, o presidente JK, que teve idéias grandiosas, construiu Brasília e queria ver o Brasil “avançar”. Então, resolveu abrir as portas do Brasil para o capital estrangeiro. Sua política econômica era modernizadora e desnacionalizadora. Várias indústrias estrangeiras (principalmente automobilísticas) vieram se instalar no Brasil, obviamente buscando mão-de-obra e matérias-primas baratas e um mercado consumidor crescente.

É aí que mora o perigo. Vejam, vocês lembram quando eu disse que a Inglaterra havia feito sua primeira Revolução Industrial em 1750. Então, pasmem!!! O Brasil deu seu salto industrial a partir de 1950, com a utilização de tecnologia estrangeira (multinacionais). Um atraso de “apenas” 200 anos.

O nosso problema começou a se acentuar quando percebemos que as mercadorias precisariam ser transportadas, e nós não tínhamos estrutura para o escoamento. Então,“sabiamente”, nós optamos pelo transporte rodoviário em vez dos transportes ferroviário e hidroviário, que reduziriam o preço dos produtos. Afinal, os carros e caminhões produzidos no Brasil precisavam rodar!!! O custo Brasil elevou os preços dos produtos, e o País sofre até os dias atuais com a situação. As estradas não são sinalizadas e estão cheias de buracos. As ferrovias estão se deteriorando por falta de manutenção, e as hidrovias são praticamente inexistentes por causa do assoreamento dos rios, ou seja, o caos está generalizado.

Na esfera social, a situação não é diferente. São filas de idosos no INSS, pessoas morrendo nas filas dos hospitais, escolas sem professores, a polícia com medo dos bandidos, os“sem alguma coisa” enfrentando o governo e as autoridades judiciais, pessoas morando debaixo das pontes, crianças indígenas morrendo de fome. Diante dessa exposição, fica a indagação: “Por que ir à escola se o mundo vai se acabar?” A resposta é simples: “Porque a escola é o local onde se aprende a ser cidadão, onde se aprende a dizer não!!!, onde se aprende que o futuro somos nós que plantamos”. Por isso, eu sou professor, porque eu acredito que nós podemos mudar o Brasil e o mundo, e vocês são o futuro da nação.Como diziam os meus professores.

Fábio Salvari é historiador, formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); tem pós-graduação em Administração Escolar e Planejamento Educacional pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); é graduando em Letras, com habilitação em Literatura e Português pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo). É professor do Ensino Fundamental II do Colégio Grupo Gênese de Ensino (GGE); do Colégio Madre de Deus; e do Colégio Visão, onde também ensina no Ensino Médio — todos no Recife/PE.É consultor técnico da Editora Construir para livros de História do Ensino Fundamental I.

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