Edição 16

Professor Construir

Relacionamentos no Ambiente Escolar

Atualmente vivemos em uma sociedade em que a interação é um foco de grande atenção e valorização, principalmente quando o assunto é Educação. Em se tratando desse tema, não podemos deixar de citar as relações estabelecidas entre aqueles que são os principais agentes atuantes no processo educacional. Sendo assim, os corpos docente e discente, os pais e demais participantes responsáveis pelo ato de “transformar”.

Complicadas relações se estabelecem diariamente na rotina escolar, sendo o aluno o principal foco de atenção, razão pela qual toda a preocupação é para ele direcionada, visando sempre o seu bem-estar biopsicossocial. Mas, como foi mencionado, nem sempre os contatos são fáceis, uma vez que, embora o foco seja o mesmo, as interpretações e compreensões podem ser destoantes.

Em uma época não muito distante, existia uma relação mais estável na qual a Escola possuía um status de valorização em termos de instituição formadora acadêmica, que conferia seriedade e respeito, sendo assim encarada pela família, que depositava grande confiança nos atos e nas orientações daquela que oferecia aos seus filhos a instrução necessária para prepará-los para um futuro enquanto profissionais e enquanto cidadãos.

Assim, os agentes educacionais, principalmente os professores, eram muito respeitados, suas palavras eram consideradas pelos pais como inquestionáveis; a rotina escolar era rigidamente cumprida; as aulas, extremamente valorizadas; os princípios de cidadania, muito enfatizados, bem como a noção de moral, a hierarquia e o respeito humano.

Com o avanço das teorias pedagógicas e psicológicas nas instituições formadoras, o profissional da educação foi modificando sua maneira de atuar e visualizar os processos de ensino–aprendizagem, suas relações foram sendo ressignificadas a partir de novas propostas de ação pedagógica, a sociedade foi também se modificando e se tornando mais conhecedora dessas novas propostas, bem como se tornando mais atuante dentro desse contexto. Ao mesmo tempo, novas situações e novos modos de vida foram se estabelecendo e se configurando, fazendo com que as famílias se modificassem, e as escolas também, novos modos de viver e de relacionamento começaram a acontecer. A família vai para dentro da Escola, a distância já deixa de existir, e novas propostas são colocadas em prática.

E, vivendo essa realidade, sabemos também o quanto a interação professor–aluno é vislumbrada em muitas teorias de cunho educacional, bem como a relação escola–família, sendo esta o cerne de toda a preocupação e justificativa para os diversos “fazeres” dentro do contexto escolar. Fazeres estes que, embora importantes de acordo com o ponto de vista adotado, podem também ser comprometidos se, por alguma razão ou causa maior, não houver claros entendimentos entre estas duas principais instituições formadoras no desenvolvimento infantil.

A Família, como a primeira e mais importante, possui as funções de nutrir, prover, acolher, orientar, integrar e socializar, com uma responsabilidade contínua, no que se refere ao oferecimento de cuidado e proteção, dando garantias de subsistência e condições dignas de vida, bem como a educação ética e moral. Na seqüência, podemos citar a Escola como a segunda instituição formadora de grande importância e significado na vida da criança, sendo de sua responsabilidade, além da formação acadêmica, a continuidade aos ensinamentos cultivados na família, o que proporcionará a inserção da criança em um meio social mais amplo; e, uma vez exposta a regras sociais, a criança vai adquirindo as habilidades necessárias para o convívio em sociedade. Apesar de possuirmos esse conhecimento, sabemos que, na prática, a realidade não se apresenta dessa forma.

As crises que vivem as famílias atuais; os desencontros entre pais e filhos; a falta de referências para práticas educativas; as ausências físicas e emocionais; o uso de tecnologias avançadas com pouca ou nenhuma supervisão (Internet, com suas facilidades e, ao mesmo tempo, com seus “perigos” virtuais); o excesso de consumo e condutas materialistas, incentivadas nos apelos publicitários, que desnorteiam as ações dos pais, são alguns dos motivos para a crise atual, comprovada pelo grande número de publicações de livros de orientação para educação de filhos presente em nossas livrarias.

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Diante dessa situação, podemos perfeitamente compreender o porquê de muitas das funções da família não estarem sendo exercidas ou sendo exercidas de forma insuficiente. Assim, muitas das crianças, ao entrarem na escola, e não totalmente respaldadas pela formação primária da Família, precisam ser preparadas.

A Escola, precisando dessa preparação para que a criança esteja de certa forma capacitada para novos avanços e novas propostas educacionais, busca ajuda na família, mas muitas vezes não encontra; os relacionamentos começam a se desencontrar, e as funções a se misturarem, pois a escola passa a ser cobrada pela formação que deveria ser promovida pela família, e esta, como está “confusa” em seu papel, não aceita e cobra da escola aquilo que lhe é pedido.

Esse cenário é mencionado por Oliveira (2002), quando diz que:

A escola, cada vez mais, dilata suas funções, ocupando o lugar da família e assumindo a formação moral e ética do aluno. Os pais, diante do interminável bombardeio de “novas” idéias pedagógicas lançadas pelos mais diversos meios de comunicação e diante da crescente falta de convívio e de diálogo com os filhos, sentem-se cada vez mais inseguros e impotentes para resolver seus problemas interiores. Abdicam, pois, de sua função educativa, delegando-a para a escola. Ao assumir o papel de reparadora da família, a escola parece comportar-se como um apêndice daquela.

Em muitas situações, os conflitos aparecem, os alunos, os filhos, são o alvo desses desajustes tão presentes e freqüentes no dia-a-dia das escolas e das famílias nos dias atuais, devido às novas configurações presentes em suas relações de competência.

Precisamos entender que, embora a situação atual esteja promovendo e provocando essa triste realidade, as crianças de agora serão os adultos de amanhã, que nossas atitudes e condutas refletem em sua formação, e, sendo assim, qual referencial adotarão para suas atitudes paternais, profissionais e cidadãs?

Busquemos então primeiramente visualizar essa situação, analisar nossos atos e refletir sobre soluções necessárias e imediatas.

Enquanto família, precisamos buscar uma instituição escolar que possua princípios educacionais próximos aos nossos. Precisamos entender que um relacionamento “equilibrado” com a escola possui, como únicos beneficiários, os nossos filhos. É necessária uma relação de confiança, de respeito e de harmonia. Quando, por algum motivo, nos sentirmos angustiados e/ou duvidosos, busquemos o diálogo, busquemos entender os porquês, poderemos questionar, indagar, mas com a devida clareza de estarmos fazendo a nossa parte enquanto pais atuantes e responsáveis, de estarmos fazendo a parte que nos cabe, para depois cobrarmos a parte que contratamos.

Procuremos não fazer dos desencontros presentes justificativas para nossas condutas incongruentes ou instáveis, tenhamos clareza para saber o que de certa forma já temos conhecimento; a criança que convive em ambientes harmoniosos possui maiores chances de adquirir equilíbrio emocional, motivação para a aprendizagem, rendimentos escolares positivos e habilidades de interação social estáveis.

Para conseguirmos essa “harmonia”, necessitamos ser “conhecedores” da arte do conviver e do relacionar-se, da arte do estar para ser, e conseguir atingir nossas metas com objetividade e razões claras.

Assim, com certeza, desejamos que nós, nossos filhos e seus professores sejamos grandes aliados, grandes parceiros e grandes companheiros nessa jornada educativa.

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Laura Fogaça Saud
Psicóloga escolar e mestra em Psicologia Escolar pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Puccamp/SP
E-mail: laurafgs@uol.com.br

Referência Bibliográfica:
OLIVEIRA, Lélia de Cássia F. Escola e Família. Numa rede de (des)encontros: um estudo das representações de pais e professores. São Paulo: Cabral, 2002.

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