Edição 110

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Relato de experiência sobre as atividades da olimpíada nacional de história do Brasil

Educandário Raízes do Saber no município de Luís Gomes/RN
Ciro Leandro Conta da Fonsêca
e Carlos Henrique Pereira da Silva

Por meio da Internet, tomamos conhecimento da Olimpíada Nacional de História do Brasil (ONHB). Como, no ano de 2017, havia, na escola, a turma do oitavo ano dentre os anos que podem participar da Olímpiada, conversamos com os alunos, os pais e a equipe gestora/pedagógica e decidimos formar e fazer a inscrição das equipes. Devido à carência na região de centros históricos, museus e acervos acessíveis para a pesquisa, percebemos, na Olimpíada, uma oportunidade para ampliar o conhecimento dinâmico da História do Brasil. A parceria com as pesquisas de cultura popular do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte foi fundamental para o aprofundamento da história oral e das relações entre a História Oficial e a Nova História.

De histórias se faz a História. A polêmi34a reforma do Ensino Médio nos preocupou quanto ao espaço da História enquanto disciplina e quanto à contribuição cultural dos povos negros africanos e à reflexão sobre suas histórias, letras, músicas, poemas, fotografias, e toda essa variedade foi transformada em fontes e comparada para estimular a consciência crítica dos alunos.

A Olimpíada nos proporcionou a relação da história local e regional com a história nacional e universal; por exemplo, a questão sobre a arqueologia da escravidão relacionada com a história dos afrodescendentes da cidade de Luís Gomes; os negros da Rua do Cachimbo Eterno; a rua das parteiras, das rezadeiras e dos mestres e brincantes do maracatu; da cultura remanescente do tráfico negreiro e da escravidão. Essa questão oportunizou a relação entre a arqueologia da escravidão, a reflexão exigida para a resolução do problema e o conhecimento local, pois, a partir daí, os alunos tiveram interesse de pesquisar a história dos negros na cidade e na zona rural, recolher vestígios, conhecer ruínas de suas construções e buscar livros que tratam dessa temática.

As fotografias apresentadas nas questões motivaram o interesse em pesquisar imagens mais antigas, como a intitulada Mucuripe (1952). Os alunos procuraram o acervo do mais antigo fotógrafo da cidade, o senhor Francisco Vieira da Silva, conhecido como Seu Tintim, de idade próxima aos noventa anos. Lá, encontraram antigos registros fotográficos da cidade e uma fotografia dos antigos habitantes da Rua do Cachimbo Eterno, na cidade de Luís Gomes, e da Vila Aparecida, que se localiza na divisa entre os municípios de Luís Gomes e Uiraúna, na Paraíba, trabalhando numa bolandeira, nome dado na região aos antigos engenhos de farinha de mandioca, cultura que desde a colonização marcou a história do município de Luís Gomes e atualmente está escassa. A bolandeira pertencia à Vila Aparecida. Essa fotografia, inclusive, foi doada pelo neto do Seu Tintim, Marcos Antônio Figueiredo Rocha Filho, para o acervo particular do professor Ciro Leandro, auxiliando em futuras pesquisas e na elaboração de material didático-pedagógico para aulas de História e cultura popular.

Outro exemplo de aula produtiva35 por meio da ONHB ocorreu com a leitura da letra da música Aos nossos filhos (1978), de Ivan Lins e Vitor Martins, e do poema Conta a teu filho (1979), de Renata Pallottini. Vivemos num confuso contexto político em que muitas pessoas pedem a volta da ditadura, sem o conhecimento do que, de fato, representou esse período para os brasileiros e de como a memória histórica e coletiva dessa época é necessária à construção do pensamento crítico sobre as chamadas “verdades oficiais”.

Sobre os monumentos às bandeiras com a estátua de Borba Gato como herói, os alunos rememoram essa questão quando, em agosto de 2017, foram derrubadas as estátuas dos chamados “heróis confederados” nos Estados Unidos, que defendiam a escravidão. A Olimpíada contribuiu para o posicionamento crítico dos alunos sobre as homenagens realizadas pela história oficial, principalmente quando supremacistas brancos protestaram contra essa derrubada por desejarem perpetuar o preconceito e a violência contra os povos negros.

Relatos, crônicas, músicas, fotografias: a diversidade de gêneros textuais verbais e não verbais presentes nas questões desafiaram alunos e professores a sair do ensino acomodado de História, que, muitas vezes, limita-se ao livro didático e às quatro paredes da sala de aula. Muitos novos planos e projetos surgiram com a nossa participação na Olimpíada, e despertou-se seum maior interesse nos alunos, que perceberam que a história é dinâmica e circular e que sua compreensão amplia a nossa visão da realidade vivida e nos inscreve como sujeitos e participantes dessa história.

Ciro Leandro Costa da Fonsêca é Doutor em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e pesquisador nas áreas de Cultura Popular e História Oral. Com o término do doutorado, retomou suas atividades como professor de História e orientador pedagógico do Educandário Raízes do Saber.

Carlos Henrique Pereira da Silva é professor de História e Geografia do Educandário Raízes do Saber, mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e pesquisador na área das relações entre território e representações culturais.

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