Edição 64

Professor Construir

Repensando a educação

Antônia Nolay de Lima Moreira

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Causou-me estranheza ouvir pelo jornal falado que os parlamentares aprovaram a Lei nº 8.069, que tramitava pelo Senado, que proíbe palmadas e castigos utilizados pelos pais como recursos educativos.

Essa notícia reportou-me aos anos 1940, quando meu pai recebia a revista Guarda — que trazia informações sobre a Segunda Guerra Mundial —, onde eu li uma história em quadrinhos sobre o menino Fritz, tomado como modelo para informar que, na Alemanha sob o domínio do nazismo, as crianças eram retiradas da guarda da família para o Estado educá-las — devolvendo-as já adolescentes —, perdendo assim, os filhos, os vínculos familiares; e, os pais, o direito de orientá-los dentro de seus princípios ideológicos.

Se o Estado alemão sob o regime nazista retirava as crianças da família para impor seu modelo de cidadão, os nossos parlamentares agiram de forma oposta, penetrando nos lares, através de uma lei, para interferir na forma de educar adotada pelos pais. Um problema sério como a educação familiar — cuja metodologia vem sendo usada no nosso país desde o Brasil Colônia, ou bem antes, e que já se cristalizou ao longo de muitas gerações, fazendo parte da cultura sedimentada — não pode ser desfeito apenas com uma maioria de votos de parlamentares não necessariamente pedagogos.

Os brasileiros já vêm sentindo dificuldade de adaptar a família ao novo modelo criado pela ausência da mãe no lar, pela constante separação dos casais e, agora, pela perda da autoridade paterna, sentida pela reação dos filhos, que já dizem: “Você não pode me bater nem me colocar de castigo. É lei”. E vão além, para espanto dos pais: “Se você me bater, eu denuncio”. E os pais defendem que, se lhes foi tirada a autoridade perante os filhos, eles não podem mais ser responsabilizados pelos desatinos que causarem, e sim o Estado. E concluem: Os pais não podem exemplar os filhos de forma educativa, mas a polícia pode, de forma violenta, e, muitas vezes, por engano, agredi-los brutalmente com socos, chutes, coronhadas e colocá-los em prisões até que provem ser inocentes.

Educação é coisa séria, pois deve preparar o homem para desenvolver em si valores que o tornem um homem bom não só para consigo mesmo, mas para com os outros. E não é uma lei que apenas manda dizer aos pais “Não batam no seu filho nem deem palmadas nem o coloquem de castigo” que vai construir filhos obedientes e educados.

Para montar um novo modelo de educação, é preciso, primeiramente, definir que educação se quer; qual a metodologia mais adequada; qual a qualificação exigida para o educador desse novo paradigma; quais conteúdos construirão esse modelo de educação; quais as metas a serem atingidas; qual o compromisso do professor com a escola; qual a melhor maneira de avaliar a aprendizagem, e não a quantidade de acertos. Colocar a proposta pronta em discussão em um fórum constituído de pais, pedagogos e sociedade, para, a partir desse colóquio, montar o novo Parâmetro Curricular. Reporto-me à minha infância, quando minha mãe — exigente da nossa formação ética —, ao cometermos algum desatino, mandava-nos buscar a palmatória e, depois de um belo sermão, dava as batidas acompanhadas de palavras como: “Para você nunca se esquecer de que não deve…”, “Apanha agora para não apanhar da vida, que dói muito mais”. E finalizava com “Tome a palmatória e dependure-a no seu lugar”. E ai de quem se recusasse. Tempos depois, já mocinha, às vezes ficava pensando sobre minha infância e o que me deixava curiosa era que não me lembrava da dor da palmatória, acho que não doía. Como também não ficaram traumas dos castigos de ficar cinco minutos ou dez em pé atrás da porta ou sentada à mesa, enquanto meus irmãos corriam livres pela chácara onde morávamos. Porque o que doía mesmo, que eu lembre, era a vergonha de ter merecido a punição.

Vale salientar que existem duas maneiras de castigar o filho: uma é movida pela raiva, pelo ódio, pela vingança, pela indiferença. Não é punição, é violência. A outra é com a intenção de fazer com que o filho não se esqueça da lição ética recebida, a fim de não sofrer mais tarde com a justiça feita pelo Estado, que é bem mais vingativa e mais humilhante.

O que falta na nossa sociedade não é interferência do Estado na metodologia da educação dos filhos, e sim mais atenção na maneira de como fazê-la acontecer. A Educação precisa ser olhada com mais respeito e maior importância do que a própria economia, do que a posição do País dentro do panorama econômico mundial. Não adianta ter um país rico, globalizado e um povo não civilizado e desonesto. Vale salientar que povo civilizado não é necessariamente povo instruído.

Os órgãos responsáveis pela Educação nacional, estadual e municipal só se preocupam com a instrução, tanto que só valorizam o professor-instrutor. Ao observarmos com vontade de enxergar qual a necessidade de um pós-graduado, mestre, doutor, ph.D. na Educação Básica ou na formação de professores, sejam eles de Ensino Médio ou Superior, não a encontraremos. Se olharmos com objetividade, o futuro cientista precisa dominar epistemologicamente a área em que pretende se especializar para desvendar mais um mistério até então intransponível na sua área de pesquisa. É um estudo direcionado, portanto. Já o futuro professor precisa de conhecimentos mais ecléticos para não só apresentar o mundo geográfico e humano ao seu aluno, como também mostrar o mundo interno que movimenta o homem dentro e fora de si mesmo, construindo um ser consciente.

Qual curso do Ensino Fundamental 1 fala da origem da vida e dos seres vivos sem omissões com a mesma simplicidade com que a natureza procede?

Qual curso, do Ensino Fundamental 2 ao nível Ensino Superior, possui uma matéria que ensina ao aluno o que é ser e como ser pai, mãe, namorado(a), mulher, marido? Qual é a matéria que trabalha a sexualidade como coisa séria e natural, que Deus não se envergonhou de criar com a finalidade sublime de fazer fluir o amor para terminar num êxtase, perpetuando, nesse processo, a espécie humana? Afinal, quem colocou nele apenas o prazer e o cobriu com a maldade foi o próprio homem.

O professor precisa deixar de fragmentar tudo, como o mundo newtoniano ensinou, e saber apenas de uma verdade: a educação do aluno em qualquer oferta de conhecimento é dever de todos: pais, escola, religião e Estado. Afinal, aluno não é objeto de montagem para cada um apenas apertar o parafuso que lhe couber. A formação do indivíduo é responsabilidade de todos que com ele convivem, uma vez que somos um dos elos que constroem a teia da vida, todos e tudo possuímos o mesmo DNA do único criador das estrelas.

O professor consciente penetra na fonte das emoções humanas para ampliar habilidades que facilitem o ensinar/aprender; aprofunda-se no método de Morin para ver, de forma hologramática, a melhor maneira de fazer acontecer a aprendizagem; estuda a inteligência intra e interpessoal para, com afeto e conhecimento de causa, envolver o aluno na sua empatia e assim ajudá-lo a tirar de dentro de si o conhecimento que está adormecido. O professor-educador conhece seu aluno, sabe de suas dificuldades, é seu confidente. Muitos professores concordam comigo, por experiência vivida. A Educação que temos ensina isso? E é tirando a autoridade paterna que tudo se estabelece?

A Educação é dada pela vontade de ver acontecer a aprendizagem, pela orientação e pelo exemplo. É assim que deveriam agir os formadores de opinião, sejam eles os próprios pais, políticos, religiosos, governantes, funcionários estatais, modelos sociais. Se todos ensinassem como ser ético, honesto, respeitador de direitos, justo, trabalhador responsável, etc. através de suas ações e os professores ratificassem-nas usando-as inclusive como exemplo, será que precisaríamos de tantas leis, de tantas cadeias e de tantos advogados e juízes para, muitas vezes, julgarem os próprios advogados e juízes?

Teremos modelo de educação admirável quando o município, o estado e a Nação pedirem conta aos professores do seu trabalho e os temas transversais forem tão importantes quanto os conteúdos; quando os maus políticos deixarem de invadir nossos lares pelas TVs para darem exemplo de falsidade ideológica e falarem de propostas irrealizáveis; quando as religiões se preocuparem mais com os valores de Deus em detrimento de seus ritos e dogmas; quando os professores deixarem de pensar tanto em salário e voltarem sua atenção para a formação ética e humana de seus alunos.

Uma pessoa de inteligência desenvolvida, ética, portadora de valores humanos e capaz de viver em sociedade como ser integral deve ser o modelo de ser humano que a Educação precisa preparar para circular pelas ruas; para dirigir órgãos públicos e privados; para ser policial, político, camelô, cidadão comum, capaz de construir uma família e orientá-la. Acreditamos que só iremos viver bem quando construirmos uma sociedade coletivamente organizada, onde a solidariedade não será um título de herói, mas uma necessidade de cada cidadão, pois é na ajuda mútua que conheceremos o verdadeiro ato de amor que sai do coração em busca de sua plenitude.

E o cidadão professor precisa desenvolver o afeto, a cortesia, o respeito pelos direitos do aluno para exercer sua profissão com competência e tendo a consciência de que não há ninguém melhor do que seus alunos para ajudá-lo a vencer a si mesmo, a conquistar valores que se eternizam. Ensinar é um ato de amor. Quem não tem amor para oferecer, por favor, não seja professor, não destrua sonhos de quem ainda acredita em sucesso e felicidade.

Quando eu estudava e, depois, quando ensinava, havia — em toda sala de todas as escolas estaduais, a mais ou menos um metro de altura, entronizado na parede do birô do professor — um quadro emoldurado do Cristo de braços abertos, tendo como paisagem de fundo uma semeadura de trigo coberta por um céu suave, sem nuvens, e escrito embaixo, em letra visível: “O Mestre”. Enquanto o professor dava sua aula, eu ficava olhando para o Cristo, e, na minha imaginação, era Ele quem falava para mim. Parecia-me que aquele quadro ali, sendo visto pelo professor toda vez que entrava para dar aula, lembrava-lhe do compromisso de preparar com respeito e seriedade cidadãos destinados a “serem perfeitos como o Pai é perfeito”. Será que esse fato fazia o professor preocupar-se mais com sua imagem ou com a competência dos alunos do que com o próprio salário?

Em um conto oriental, o mestre diz para o discípulo: “Meu filho, dentro de você há dois leões que vivem brigando entre si, o leão bom e o leão mau.

— Qual deles vencerá, mestre?

— O que você alimentar”.

Espero que optemos por alimentar o leão bom com a devida sabedoria para que o leão mau trabalhe, por persuasão, a nosso favor.

 

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