Edição 31

Matérias Especiais

Teens, Família e Sociedade

Silas Corrêa Leite

“Em vez de arrumar uma casa/Arrume uma pessoa/More no coração dela.”
(Yoko Ono)

teens_sociedadeO que é ser jovem? Estado de espírito? Situação de circunstância? Adrenalina e “alienação”? Sonho e energia? Não existe uma resposta pronta. Trabalhei na área jurídica, batalho na literatura e no jornalismo, no entanto só me realizei na docência, trabalhando principalmente com teens. Não usando muito da linguagem deles (soaria falso), mas sendo autenticamente eu mesmo, com minha plantação de sonhos, com meu imaginário “criando o inexistente” feito um grande fã de Raul Seixas, Rita Lee, Lulu Santos, Cazuza e Renato Russo, entre outros. E descobri: o lúdico e a “loucura” se somam na paradidática, na prática pedagógica vivenciada. E os alunos tendo em mim uma espécie de “pai que eles não tinham”(…). Não tinham? Fui uma espécie de “Pai de Classe”. Ou “tio” referencial, “tiofessor”, “profetio”. Sim, porque os pais estão ganhando dinheiro (poucos reais e muitos sonhos em um tempo de neoconsumismo bobo), e os filhos (seres humanos!) estão, literalmente, perdidos. Há décadas, aliás, num poemeto escrevi: “Pobre juventude engarrafada/Tanto rótulo/Quando o conteúdo é nada”. Lares de grife e famílias de araque. Acabam, os jovens, no associacionismo extralar. Com os outros “pais de ruas”: traficantes, assediadores, gangues e máfias de todos os estilos e níveis (…), mais os acidentes e incidentes de percursos. Violência. Os pais? Pós-graduados (tempos pós-modernos). Carro do ano, Internet (sem terra, sem pais, sem conexão, sem amor). E o aluno sendo depositado (este é o verbo) na escola, onde o professor passa a ser mestre, psicólogo, analista, enfermeiro, vigia, provedor, intérprete e, principalmente, um “pai de ocasião”, com quem o aluno, até ousadamente, encontra canal de réplica e/ou contestação. E aí surge o risco, via drugs, sex and Aids.

 

Será que os pais são aquilo que pensam que são? Será que os pais pensam que pensam? Pais incompetentes, filhos infratores? Muito antes de ser um pedagogo, sendo um escritor, um “sentidor” (para citar Clarice Lispector), captei o jovem perdido, alienado, indo na vazão do momento, à deriva. Os pais (que amavam os Beatles & Tonico e Tinoco), sobrevivendo na new society, mostrando posses. Mas e o conteúdo de serem pais? Referenciais, vivências. Despejam (este é o outro verbo) os filhotes nas escolas, e seja o que Deus quiser! Os pais pediram (implicitamente até) demissão de serem pais? Confiam nos educadores; na sociedade em total decadência também ético-humanista? Deus tenha piedade do amanhã. Não haverá nenhum futuro sem uma reavaliação do sentimento eco-humanista em um viver comunitário, plural, todos por todos. Que tempos são esses? Citando Brecht, “tempos tenebrosos”. Os filhos entre a erva & o ecstasy, a cerveja e o laptop on-line. Os pais acreditando no que os filhos dizem. E, às vezes, quando os jovens não dizem nada de nada, eles querem dizer exatamente isso: “Socorro, pai! Socorro, mãe! Vocês ainda estão aí?…”. Sua filha está transando sem camisinha, sem tomar pílulas? Seu filho (sim, o cara-pálida do Júnior!) já “deu um tapa” na maconha rueira, entrou nalguma canoa furada, mas você acha que os olhos vermelhos são sinais de hormônio fluindo no cérebro e vermelhando os canais de irrigação sanguínea dos olhos? Santa ingenuidade. Ou descaso? O mundo está perdido. O Brasil está em feia decadência social. A globalização da miséria (sem fronteiras, como a violência) absoluta. Impunidade e hipocrisia. Tempos de mudanças, travessias. Por que nós, os “seres humanos” (com regras e exceções), estaríamos salvos? Quem nos salvará de nós mesmos? Depois da promovida decadência do comunismo sem resultados e da bem oxigenada também decadência do capitalismo (tão vil, inumano e infame quanto); com as privatizações-roubos (vide Brasil “Real”), a terceirização neo-escravista e um neoliberalismo amoral (corrupção endêmica institucionalizada em todos os níveis), há um decodificado realismo emergencial já sentido pelas massas na França (querem o “Socialismo de Resultados”, de volta), na Itália (derrubaram um primeiro-ministro que queria implantar um “Plano Real” do FMI lá), na Inglaterra (Partido Trabalhista em ascensão) e na Alemanha, que derrubou o Muro de Berlim, mas os ex-orientais estão frustrados e saudosos (foram enganados pelos que pareciam “irmãos do outro lado”) e querem de volta não o funesto muro do neonazismo ocidental, mas a dignidade sociocomunitária que uma tal social-democracia só preconiza, mas também tem seus muros vários. E onde os jovens tupiniquins encontram perspectivas? No poder da mídia bancada por oligopólios de banqueiros e agiotas? Nas famílias bancadas por narcotraficantes ou contrabandistas informais com impunidade parlamentar? No educador, nem sempre bem formado e ganhando menos que um camelô de esquina?

No Estado público (propositalmente sucateado), sendo, na realidade, privado e destruindo serviços públicos essenciais? No flanco, traficantes e contrabandistas dando popularesca assistência social e até elegendo políticos bicheiros (ou contrabandistas e narcotraficantes informais). Na verdade, corruptos novos com imunidades em ninho de escorpiões de históricos e coloniais corruptos velhos; herdeiros dos emplumados órfãos do funesto golpe de 1964. Confessemos: nós, os saudosos quarentões, cinqüentões, estamos perdidos. E os jovens sentem isso na alma. Porque também não sabem o que virá no ruflar do amanhã, do terceiro milênio e um neoconsumismo tantã. Claro que não é tarde demais para o papai ir tomar uma Coca-Cola com o filho no McAlguma-Coisa e dizer de relembranças, amores; indagações (e trocas) no confeito do diálogo esquecido em desuso. Claro que nunca será tarde, porque mãe não tem essa de “incompatibilidade de gênio” com os filhotes, pois mãe é Mãe e pronto! Ou as mães se vêem nos filhos e não se encontram porque se perderam delas mesmas? Que as mães abracem as “patricinhas”(…) estilo Sandy ou não, saiam com elas, conheçam as tribos, falem em Aids, camisinhas e, é claro, redescubram o amor-próprio, o respeito mútuo, no amor e na dor.

O que as mães não podem é querer um carro importado, um tênis de marca para os sensíveis filhotes, um Pentium última geração, quando nunca leram um livro (a melhor pedagogia é o exemplo), nunca criaram uma balada & poesia de aniversário para os filhos, nunca ouviram Legião Urbana ou Barão Vermelho com eles. E Cazuza está morto, Renato Russo também. E eles “eram”, mas, principalmente, “estavam” jovens. Isso quer dizer alguma coisa; significa uma situação de risco coletivo? De que forma os pais podem reconquistar os filhos? Eu sou só um mero poeta-educador, também eterno aprendiz. Talvez lance pedidos de socorro por atacado nas chamadas “lanternas dos afogados”.

Isto nem é direito uma crônica. Talvez um quase rascunho de mero pré-ensaio.

A canção-rock diz: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. Ou: “Eu canto para as pessoas que estão no mundo e perderam a viagem”. Será que os pais ouvem o que os carentes filhos ouvem e com o que (de arte/resistência/sensibilidade) se identificam como fatais pontos de interrogação ou portos de encalhe? Pais: saiam das asas do nosso selvagem amoral capitalismo selvagem e babaquara, esqueçam o neo-esoterismo tantã de fién-de-siècle e acenem flores para seus teens.

“Para não dizer que não falei das flores”, digam esperanças novas, ternuras revisitadas. Nunca é tarde para sempre. Vão buscar seus filhotes na escola.

Vão resgatá-los de dentro de si mesmos. Vão levar seus filhos ao cinema, ao camping, ao show dos Titãs, do Kid Abelha ou do U2. Eu sou apenas um pedagogo recolhedor (desesperado) com fragmentos de presenças em ausências familiares. Talvez tenha ainda o meu espírito vívido quando uso giz, jazz, poemas ou a fala comum dos jovens, a fala fácil e doce dos jovens. O amor não tem tempo nem lugar. Não há errado nem certo. Há apenas relação humana. O adulto discute sabedoria com o adulto. Com o teen, o adulto sempre se reaprende. A grande lição é a mão estendida, o demorado e cativante abraço natural, a soma como elo de continuação. Talvez, então, não seja tarde demais. Como diz o comercial “brega-cafona” (que vou parafrasear): “Não basta Ser: tem que participar!”.

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Poeta e professor Silas Corrêa Leite, natural de Itararé-SP, é pós-graduado em Educação pela Universidade Mackenzie, em Comunicação e Arte na Literatura Infanto-juvenil pela ECA, em Direitos Humanos e também em Jornalismo Comunitário pela USP. É membro da União Brasileira de Escritores – UBE, e autor dos livros Portal-Lapsos (Poemas, 2005, Editora All-Print, SP) e O Rinoceronte de Clarice (contos com três finais distintos) — livro virtual pioneiro na Internet — site: www.hotbook.com.br/int01scl.htm

Site pessoal: www.itarare.com.br/silas.htm
E-mail: poesilas@terra.com.br

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