Edição 40

Matérias Especiais

Violência disfarçada

Antônio Clemente

Nas aulas de Inglês, surge a motivação para o estudo de um fenômeno que percorre o mundo como uma forma perigosa de falta de respeito às diferenças.

Alunos participam de dinâmica cujo foco é o respeito às diferenças: stop bullying.

A integração de disciplinas pode promover o enriquecimento de conteúdos curriculares e despertar o interesse dos alunos para problemas atuais, como o bullying.

Mas o que é bullying?

É o ato covarde de molestar, ameaçar e humilhar colegas, como a colocação de apelidos, na escola ou em qualquer outro lugar onde há relações interpessoais.

Nesse sentido, entendemos que, para caracterizar o bullying, essas atitudes têm de ser intencionais e repetitivas, com o objetivo de deixar a vítima emocionalmente abalada, “para baixo”. Como é um fenômeno que ocorre em quase todos os lugares onde há convívio entre as pessoas, suas conseqüências afetam a todos. A vítima é a mais prejudicada, pois pode sentir os efeitos do seu sofrimento, quase nunca compartilhado, desenvolvendo algumas atitudes como isolamento social, insegurança, e mostrando-se indefesa diante dos ataques. Quanto ao agressor, impõe-se por sua “superioridade”, podendo chegar a atos de violência física contra suas vítimas. Age sozinho ou em grupo e, geralmente, sente necessidade de ser aceito e visto pelos colegas da classe.

Há um terceiro elemento envolvido nesse tipo de relação, que é o expectador: alunos que testemunham tudo, mas não saem em defesa da vítima por medo de serem o próximo alvo no ataque. Algumas dessas pessoas podem vir a apoiar o agressor.

As conseqüências do bullying na escola são imprevisíveis e podem ter até um desfecho com morte, como mostram os exemplos a seguir.

Em 19 de novembro de 2004, em Atlanta, Estados Unidos, duas meninas de 13 anos foram presas por terem feito um bolo com remédio vencido, água sanitária, barro e molho de pimenta que, depois, serviram aos colegas da escola. Doze adolescentes foram parar no hospital por causa da maldade das garotas.

Eric Harris, de 17 anos, e Dylan Klebold, de 18, sem antecedentes criminais, em 30 de abril de 1999, armados, invadiram o colégio onde estudavam e mataram 13 pessoas. Depois do massacre, suicidaram-se. A explicação para a tragédia é que ambos eram alvos de chacota de colegas e professores. Essa rejeição causou revolta nos dois meninos, que acabaram tomando atitudes extremas.

Em fevereiro de 2004, na Bahia, um jovem de 17 anos matou duas pessoas e feriu três. Ele sempre sofria humilhações na escola. Revelou que matou um outro garoto de 13 anos, porque este vivia humilhando-o e, no dia do crime, teria estragado sua mochila, jogando um balde de lama sobre ela.

O que fazer diante dessa situação?

A família e a escola devem compartilhar de uma parceria em que o diálogo, a orientação, a educação e a afetividade sejam os instrumentos utilizados para desenvolver relações de respeito mútuo, tendo como foco as relações humanas.

Para refletir sobre esse comportamento com meus alunos de Língua Inglesa no Colégio Padre Eustáquio, iniciei o projeto O fenômeno bullying nas relações interpessoais, no 1º e no 2º ano do Ensino Médio, com o apoio do Serviço de Orientação Educacional (SOE), que atuou nas discussões e intervenções realizadas em sala de aula.

Entretanto, como a resposta dos alunos foi acima das expectativas, e os resultados, extremamente positivos, o projeto ampliou-se para diversas áreas, tendo já incorporado outras disciplinas, como Filosofia e Religião, cujos conteúdos e objetivos estão intimamente ligados à questão comportamental. Língua Portuguesa e Redação também desenvolveram o tema. Além do Ensino Médio, o Ensino Fundamental ficou envolvido. O objetivo do projeto foi facilitar a convivência e a tolerância entre os alunos, promovendo a inclusão social e a coexistência respeitosa entre eles.

O projeto O fenômeno bullying nas relações interpessoais partiu da leitura do texto Poem on bullying – We all bleed red (Todos temos sangue vermelho), escrito por Anthony Kisley em 2000 (bullying@pupiline.net). Essa leitura teve como objetivo maior, além do contato com um vocabulário novo e rico, em inglês, despertar nos alunos o interesse por assuntos atuais e, às vezes, desconhecidos por muitos, como o bullying.

Foi feito um roteiro da apresentação e explicação do que é bullying, seguido por uma visita ao mural de cartazes elaborados pelos alunos do Ensino Médio.

Diminuíram muito os conflitos, as brigas, os apelidos, e houve maior conscientização do respeito que se deve ter com os colegas de sala. Os familiares também manifestaram apoio ao projeto, e alguns comentaram sobre a mudança comportamental positiva de seus filhos dentro de casa.

Detalharemos, a seguir, as etapas do projeto.

 Primeira etapa

Dinâmica das atividades

  • Dividir a sala em pequenos grupos, em círculo.
  • Distribuir, para cada grupo, o poema We all bleed red.
  • Pedir aos alunos que o leiam, fazendo a tradução e a interpretação. Enquanto se realiza essa atividade, o professor escreve no quadro uma pergunta, em inglês, seguida de alguns itens referentes ao cotidiano desses alunos no colégio.

Which of the following attitudes would bring you the most respect from your classmates? (Qual das seguintes atitudes lhe traria mais respeito de seus colegas de sala?)

1 – Reading and writing well (Ler e escrever bem) *.
2 – Shouting very loudly (Gritar alto) *.
3 – Being good at sports (Ser bom em esportes) *.
4 – Wearing glasses (Usar óculos) *.
5 – Winning competitions (Vencer competições) *.
6 – Being poor (Ser pobre) *.
7 – Wearing brandname clothes (Usar roupas de marca)*.
8 – Being a different race (Ser de uma raça diferente) *.
9 – Being popular (Ser popular).
10 – Gosteady (Namorar).

* Retirado do livro de COSTA, Marcelo Baccarin. Globetrotter: Inglês para o Ensino Médio. São Paulo: MacMillan, 2001.

Após a leitura do texto, os alunos foram colocados num grande círculo na sala para debater os temas abordados no poema, fazendo uma relação com a pergunta colocada no quadro e com cada item relacionado. Em seguida, conceituaram inclusão e exclusão. A leitura e os comentários sobre o poema continuaram semanalmente em sala de aula.

Aconteceu também a exibição da reportagem realizada pela TV Globo sobre o bullying, apresentada no Jornal Hoje, de 10 de janeiro de 2006. Essa aula foi realizada no salão do colégio, em conjunto com o SOE. Após a apresentação, os alunos comentaram e opinaram sobre o tema, recebendo um texto complementar em inglês (pesquisado na internet), detalhando o assunto abordado. O texto foi lido e interpretado em sala de aula e cobrado em forma de uma avaliação objetiva fechada, com questões de compreensão. Sugestões para pesquisas em sites: http//www.bullying.org (em inglês) ou http//www.bullying.com.br (em português).

 Segunda etapa

Nessa etapa, ocorreram momentos em que foram feitas dinâmicas de avaliação do relacionamento na turma, entre os próprios colegas e também com os professores. Os registros e relatos dos alunos permitiram não só perceber o clima da sala, como também detectar atitudes de bullying.

Para isso, cada aluno listou suas atitudes (que sabia não serem éticas) para com os colegas. Essa lista foi registrada em folha própria e usada para uma autoanálise. A listagem das atitudes, socializada e analisada em grupo, foi utilizada periodicamente para detectar as mudanças ocorridas. Não foi permitido mencionar nomes de colegas ou professores.

Nessa fase do projeto, a participação do SOE teve grande importância para o desenvolvimento da dinâmica. A tradução daquelas atitudes para o inglês constituiu a avaliação da etapa.

Trabalhamos também com alguns filmes em que o bullying é o tema principal.

Meninas malvadas (Mean girls / EUA / 2004, de Mark Water) — Uma garota criada na selva africana só conhece uma escola aos 16 anos. Ela começa a andar com um grupo de patricinhas que adora esnobar os outros colegas. Para vingar-se, a adolescente começa a agir da mesma forma.

Nunca fui beijada (Never been kissed / EUA / 1999, de Raja Gosnell) — A jornalista Josie Geller recebe a difícil missão de fazer uma reportagem sobre o comportamento dos adolescentes na escola. Só que a moça nunca foi beijada e não era das mais populares na sua época de colégio. O filme mostra como a protagonista vira motivo de chacota de seus colegas atuais.

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 Terceira etapa

Foram dadas aos alunos três opções de apresentação dos trabalhos feitos em grupo, de acordo com o número de estudantes em sala, para exposição nas áreas sociais do colégio:

  • Produção de cartazes, com uma frase em inglês, com tradução, coibindo a prática do bullying na escola.
  • Elaboração de um estatuto interno (inglês/português), sinalizando normas de conduta para a convivência sadia em sala e em outras áreas do colégio.
  • Envio de mensagens por e-mail (inglês/português) sobre o bullying para os setores administrativos do colégio. Com isso, os funcionários também ficam a par do assunto abordado em sala, que é de grande importância para quaisquer relações interpessoais, tanto no lar como no trabalho.

A linha de ensino da Língua Inglesa no Colégio Padre Eustáquio é inglês instrumental (Developing Instrumental English Practice / E.S.P. English for Specific Purposes Method), ou seja, capacita o aluno a progredir na leitura e compreensão de textos, mas isso não o impede de desenvolver outras habilidades de aprendizagem de uma língua estrangeira, como a escrita.

Nessa etapa, os grupos também foram desafiados a apresentar, por escrito, em inglês, uma situação real de prática de bullying na escola, bem como sua possível solução, sem citar nomes de colegas. Em data agendada, foram para uma sala temática, para apresentação. Essa atividade foi realizada em conjunto com o SOE, que orientou, direcionou e intermediou o debate que surgiu com os casos apresentados. O objetivo foi sondar, compartilhar e detectar os principais problemas vivenciados por alguns alunos vítimas do bullying e tentar chegar a uma ou mais soluções para minimizar os problemas na escola. Procuramos, assim, amenizar as relações entre os alunos, para torná-los, no futuro, adultos mais felizes, realizados e compreensivos com as diferenças que o mundo apresenta.

Como exemplo do trabalho dos alunos, seguem alguns textos produzidos em grupo.

Case of bullying
Case happened in the classroom

In a private school in Belo Horizonte where the majority of the students are middle class, bullying cases happen, and these occur more and more often.

The case of a student who is a target of disrespectful jokes is not different. The other students criticize his weight, his big teeth (the reason to be called rabbit) and his arrogant and criticaI way to be.

However, he does not only suffer bullying, but also practices it with his classmates. Thus, he loses the right of complaining.

Caso de bullying

Caso acontecido em sala de aula

Em um colégio particular, em Belo Horizonte, onde a maioria dos alunos é de classe média, ocorrem casos de bullying, e estes são cada vez mais freqüentes.

O caso de um estudante que é alvo de piadinhas desrespeitosas não é diferente. Os outros alunos criticam seu peso, seus dentes grandes (a causa de ser chamado muitas vezes de coelho) e seu jeito arrogante e crítico de ser.

Porém, ele não apenas sofre o bullying, como também o pratica com seus colegas de sala. Assim, perde o direito de reclamar.

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Solution

We need to be conscious that all bullying cases have a solution and this one must be found among participants of the act.

The bullying practice is an unethical act which brings a felling of indignation to the victim. This behavior might cause depression and psychological problems, etc.

Thus, a possible solution for the previously case is that the student should think about his/her attitudes which are also offensive to the other classmates, in order to get the right of not being offended by his/her peers.

Respect the differences!

Solução

Temos de ter a consciência de que todos os casos de bullying têm solução, e esta deve ser encontrada entre os participantes do ato.

A prática do bullying é um ato que traz à vítima um sentimento de indignação. Esse comportamento pode causar depressão e outros problemas psicológicos.

Assim, uma possível solução para o caso citado anteriormente é que o estudante deveria pensar sobre suas atitudes, que também são ofensivas aos outros, para que ele ganhe o direito de não ser ofendido pelos seus colegas.

Respeite as diferenças!

How we should treat our peers at school

(Como deveríamos tratar nossos colegas na escola)

Rules: (Regras)

  • Respect the differences. (Respeite as diferenças.)
  • Do not humiliate your friends. (Não humilhe seus amigos.)
  • Think before saying anything that can harm anyone. (Pense antes de dizer qualquer coisa que possa machucar alguém.)
  • Do not judge anyone the way they dress or speak. (Não julgue qualquer pessoa pelo modo de vestir ou falar.)
  • Be patient to people who has diff iculty in practising any sport. (Seja paciente com as pessoas que têm dificuldade em praticar qualquer esporte.)
  • Do not trick on people. (Não pregue peças nas pessoas.)
  • Avoid saying or writing nasty things about your classmates. (Evite dizer ou escrever coisas desagradáveis sobre seus colegas de sala.)
  • Do not call your peers or teachers names. (Não diga palavras chulas a seus colegas ou professores.)
  • Do not hit or kick them. (Não bata nem chute.)
  • Try to be more friendly and a helpful person to everyone. (Tente ser mais amigável e uma pessoa útil para todos.)
  • Stop bullying! (Pare com o bullying)

Como coibir o bullying

Não demonstrar fraqueza é uma forma de a criança reduzir as chances de um agressor vir a escolhê-la como alvo. Algumas táticas para o confronto:

  • Manter postura ereta e olhar o agressor diretamente nos olhos.
  • Ser educado, mas firme; dizer “Pare!” ou “Me deixe em paz”.
  • Não chorar ou mostrar que ficou aborrecido, mas se afastar se não puder esconder o medo.
  • Informar um adulto de confiança sobre o ocorrido.

Os pais também podem ajudar as crianças que estão sendo vítimas de perseguição das seguintes maneiras:

  • Contatar a escola, mantendo anonimato, e perguntar se a instituição tem uma política para lidar com os agressores.
  • Se ficar seguro de que uma investigação não irá expor seu filho a riscos, informar a escola dos acontecimentos que ficaram conhecidos, fornecendo datas, hora e lugar.
  • Acompanhar o caso junto com os administradores da escola, perguntar que ações foram adotadas e como o filho vai ser mantido em segurança.

Por Cindi Seddon, diretora da Pitt River Middle School, em Port Coquitlam, Colúmbia Britânica, Canadá, e co-fundadora da Bully Bware Productions. Adaptado de Cartilha para os pais sobre bullying na escola, de Richard B. Goldbloom, publicado no Reader’s Digest on-line do Canadá, em 9 de março/2005.

O assunto bullying não se esgota em apenas um ano, pois se trata de relações interpessoais que teremos ao longo de nossa vida acadêmica, familiar e profissional.Se conseguirmos conscientizar nossos alunos e filhos sobre a solidariedade, a tolerância e o respeito ao outro, poderemos criar uma sociedade mais justa, fraterna e pacífica.

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Por que o bullying é praticado?
Porque o praticante do bullying quer:

  • Obter força e poder.
  • Conquistar popularidade na escola.
  • Esconder o próprio medo, amedrontando os demais.
  • Tornar outras pessoas infelizes, já que ele próprio é infeliz.
  • Vitimar outras pessoas, por ter sido vítima de alguém no passado.

O que as vítimas devem fazer?

  • Evitar a companhia de quem pratica o bullying ou dos chamados “carrascos”.
  • Jamais falar com o agressor sozinho: é mais seguro falar com ele perto de outras pessoas.
  • Não responder às provocações.
  • Não manter a agressão em segredo e não se deixar intimidar: relatar os fatos aos professores, coordenadores, diretores ou responsáveis.

Fonte: www.maxi-in.com.br – AMAE educando – Agosto. 2007 – Editorial AMAE educando – Págs. 18 a 22.
(Fonte: www.redepsi.com.br/portal/moduIes/mews/article_.php?Staryd=1823)

Antônio Clemente tem licenciatura em Português/Inglês e é professor de Língua Inglesa no Ensino Médio do Colégio Padre Eustáquio (Belo Horizonte/MG)

Contato
hiclemente@ig.com.br
hiclemente@gmail.com

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