Edição 43

Matérias Especiais

Violência na escola… Muito além do ser e do saber

Nildo Lage

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O “planeta” sala de aula é um universo indescritível, onde a cada instante o novo renasce, o velho rejuvenesce e se eterniza com fatos excepcionais, impelindo o educador a agir em caráter de emergência para contornar uma situação, sanar um problema, iluminar uma vida… Atingir a tão sonhada meta: dar um golpe no analfabetismo.

Na busca de uma veia de escape, muitos trilham por atalhos, outros recorrem a artifícios, e famílias formamse sem nenhuma estrutura. As crianças e os adolescentes crescem num ambiente hostil, tendo como vizinha a tenebrosa fome, que bate à porta mostrando seus horrores, e o tráfico, que insinua pela janela uma vida de oportunidades, de enriquecimento fácil, de mesa farta…

A sociedade desperta para encarar de olhos bem abertos o pesadelo maior: a violência que a cada dia se alastra, principalmente nas escolas, cumprindo-se a profecia da má-formação educacional, em que a carência emocional e os traumas formam indivíduos desprovidos de respeito e de amor ao próximo. Nos corredores escolares, as drogas transitam livremente, e a criminalidade torna-se uma alternativa de renda, uma vereda que a maioria trilha para subsistir ou resistir a intempéries do destino.

Em meio a fracassos familiares e injustiças sociais, o aluno chega à escola com um fardo de problemas e encontra, no“paraíso” da sala de aula, o cenário perfeito para extravasar humilhações, repreensões, desejos contidos… No fogo cruzado, o sistema dispara no escuro, erra o alvo… Grita por socorro, e a sociedade mantém-se alheia, indiferente ao problema, não se organiza na busca de uma saída, e a violência se estende invadindo as ruas, destruindo os lares…

Os jovens e as crianças, sensíveis às mudanças que jorram à sua volta, tornam-se seres socialmente frágeis e vulneráveis às imitações e, para não sobrar na turma, agem inconscientes de que tais atos são uma autodefesa, fortalecendo o elo que ganha dimensão e se organizando a ponto de terem estratégias de cunho militar.

Para piorar a situação, uma nova moda aumenta a tensão no ambiente escolar: o bullying, que é a própria essência do mal e se converte numa praga nos corredores, nas salas e nos pátios de escolas de todo o planeta. É algo tão nefasto que quem já foi vítima não consegue descrever, e quem não foi basta ouvir para sentir arrepios, porque as principais sensações são de medo, angústia, dor, intimidação.

Tudo se inicia com brincadeiras inocentes, que, na linguagem dos jovens, é apenas para “zoar”, “sacanear”,“tirar sarro” daquele colega que “pisou na bola”, perdeu a“mina” para o pegador da escola ou cometeu uma gafe na hora de apresentar um trabalho…

Com o tempo, as brincadeiras ganham novo rumo, outra dimensão… Começam a surgir cognomes pejorativos. Os“valentões” submetem os “covardes” a situações humilhantes, e os que se esquivam são encurralados, excluídos… Nascem, daí, novos grupos rivais (pois o medo também dá força), que chegam a extremos: acossam, terrificam e partem para a prática com atos de agressão física — chutam, quebram pertences e submetem a vítima a situações de extrema dor.

A manifestação é tamanha que está em todas as alçadas: municipais, estaduais e federais, em todos os níveis, do Ensino Fundamental 1 ao Ensino Médio, da rede públicaà privada, da rural à urbana. Ninguém, sem exceção, está livre desse surto maldito que tira o sono das autoridades de ensino e desespera as vítimas, as quais, na maioria das vezes, abandonam a escola. Ante tantos encontros e desencontros, pergunta-se: qual a parcela de culpa da escola? Qual a responsabilidade da família (e como andam as famílias)? É possível construir uma nação forte enfraquecendo a educação? Formar cidadãos fazendo vista grossa para os problemas sociais?

Sem encontrar saída, educadores e diretores vivem em constante estado de tensão, pois depredações, arrombamentos, situações de ameaças e de medo tornam-se cada vez mais freqüentes.

É fundamental que a escola crie alternativas que estimulem o prazer de estudar, para extravasar problemas emocionais, familiares, conflitos psicológicos da comunidade escolar através de condutas que despertem referenciais questionáveis para discutir a violência e a sensação de abandono. Que a escola amplie sua visão para superar as dificuldades através de estratégias que sobrepujem a situação, para que possa encarar a violência como fator social, político e abrir caminhos que estreitem o relacionamento professor–aluno–escola–família–direção–Governo.

É essencial que o Estado assuma a sua parcela de responsabilidade para erradicar fatores que provocam comportamentos de risco nas escolas, como o álcool e as drogas, a violência doméstica e a urbana, que levam à delinqüência juvenil; e que se tenha mais seriedade com hiperatividade, dificuldades de aprendizagem, adaptação e medos no relacionamento interpessoal.

Mas é preciso, também, que a sociedade se posicione ante o problema para que a família, a primeira base da educação do indivíduo, não delegue apenas à escola a responsabilidade de educar o seu filho, porque, no contexto educativo, todos são responsáveis, todos têm sua parcela de culpa, de responsabilidade, de participação. A escola, por mais radical ou eficaz que seja, não dispõe de valores suficientes para a formação integral do indivíduo, porque jamais irá substituir as bases educativas da família. Há valores, como democracia, regras de convivência, respeito, solidariedade, caráter, que só podem ser extraídos do seio do lar.

Por isso, a escola deve intervir ajustando condutas e proporcionando o desenvolvimento afetivo, intelectual e moral para que se cumpram os princípios educacionais.

Mas, infelizmente, a escola ainda é imatura. A maioria apresenta projetos que não são executados, e um projeto não executado é simplesmente um projeto, um caminho sem horizontes, se restringe a aplicar conteúdos programáticos para cumprir as metas exigidas pelo sistema e faz vista grossa para os problemas que fecundam no seu seio, porque é na sala de aula que tudo se manifesta: maustratos físicos e psicológicos, privações, promiscuidade, violência doméstica…

É necessário amadurecer e estruturar a escola para conscientizar que a violência não é conseqüência apenas de fatores sociais e econômicos, em que os pobres lutam para superar a morte. Ela transita em todas as camadas, por isso é necessário regular o termômetro do nível de valorização do humano, e não o conteúdo que asfixia o diálogo, para que a violência possa ser combatida através da inclusão e a escola possa fortalecer essa base, conduzindo o indivíduo para o desenvolvimento pessoal.

Excepcionalmente, o sistema nem sempre assume o seu papel, lava as mãos e vira a cara para o problema. Faz de conta que tais situações passam longe da sala de aula, dos corredores… Porque a sua responsabilidade resumese apenas em ensinar a ler e a escrever. A formação global do indivíduo fica por conta de quem se encarregou de procriá-lo. Para muitos, a sala de aula é simplesmente um ponto de encontro de professores pagos para rememorar experiências, desconhecendo que o conhecimento só é benéfico quando usufruído com sabedoria, porque, se a escola não reverter esse quadro, educando com responsabilidade, em vez de formar cidadãos, suas dependências se converterão numa fábrica de marginais…

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