Edição 129
Construindo mais conhecimento
A educação emocional e o professor
Kelly Simões Cartaxo Lima Costa
“Só se vê bem com o coração,
o essencial é invisível aos olhos.”
Antoine de Saint-Exupéry
O mundo tornou-se caótico e imprevisível. O tempo enlouqueceu, ações terroristas e catástrofes ambientais aumentam dia a dia; a violência ganha força nas ruas, famílias e escolas; a falta de estrutura familiar tem maior visibilidade; o desrespeito por pais e professores é exorbitante; as relações intra e interpessoais nunca estiveram tão difíceis como hoje; notícias falsas se espalham nas redes sociais, abalando a vida das pessoas; o consumismo só cresce, enquanto as demonstrações verdadeiras de amor e valores diminuem. Diante de toda essa confusão, a escola demonstra medo e insegurança, e os docentes mostram-se cansados e desmotivados. O que fazer para mudar essa situação? Qual o papel da escola e dos docentes? E o da família?
A família está em conflito de valores, e essa mudança no seio familiar atingiu em cheio a escola, que, em vez de se preocupar estritamente com a sua função, agora tem que se preocupar também com o que deveria ser papel da família. Parece doloroso e complicado para a escola, que já tem tantas obrigações, ainda ter que assumir o que seria responsabilidade da família. Infelizmente, não há muita saída para alterar o caos instaurado na sociedade atual a não ser por meio da escola. Acredito que, se a escola atuar ativamente no que tange aos aspectos sociais, emocionais, afetivos e cognitivos desde a primeira infância, muita coisa mudará. As crianças e os jovens terão um alicerce muito mais sólido em todos os sentidos, e isso os ajudará a serem pessoas mais sensíveis, conscientes e felizes e, consequentemente, a constituírem famílias mais bem estruturadas.
Diante da realidade posta, fica clarividente a importância afetiva e emocional do professor na formação dessa nova geração, pois tornou-se fundamental desenvolver a regulação emocional e a consciência social. Na atualidade, não se pode mais fazer escola sem pensar num trabalho de desenvolvimento da inteligência emocional, que pode ser alcançada por meio de muita prática, determinação e persistência. Mas o que é exatamente inteligência emocional? Quais os seus fundamentos e suas vantagens? O que pode mudar na vida das pessoas?
Goleman afirma que inteligência emocional é
[…] a capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de motivar a nós mesmos e de gerenciar bem as emoções dentro de nós e em nossos relacionamentos (Goleman, 1995, p. 52).
Mayer, Salovey e Caruso conceituam inteligência emocional como:
A capacidade de perceber acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o conhecimento emocional; e a capacidade de controlar emoções para promover o crescimento emocional e intelectual (MAYER, SALOVEY e CARUSO, 1997, p. 15).
Goleman acrescenta, ainda, dizendo que:
Inteligência emocional não é genética: essa habilidade é aprendida mais do que inserida. De certa forma, podemos dizer que possuímos duas mentes; consequentemente, dois tipos diferentes de inteligência: racional e emocional. Nossa performance na vida é determinada não apenas pelo QI, mas principalmente pela inteligência emocional. Na verdade, o intelecto não pode dar o melhor de si sem a inteligência emocional — ambos são parceiros integrais na vida mental. Quando esses parceiros interagem bem, a inteligência emocional aumenta — e também a capacidade intelectual. Isso derruba o mito de que devemos sobrepor a razão à emoção, mas, ao contrário, devemos buscar um equilíbrio entre ambas (GOLEMAN, 2009, apud GODINHO, 2010).
A inteligência emocional é vida, é a sintonia entre o racional e o emocional, é a compreensão das emoções, sabendo diferenciá-las e geri-las, estimulando as relações saudáveis e tomadas de decisões conscientes, corroborando com o sucesso humano e acadêmico.
Para tanto, faz-se necessário considerar os cinco pilares propostos por Goleman para alicerçar a inteligência emocional:
- Autoconsciência: capacidade de compreender as próprias emoções.
- Autocontrole: capacidade de gerir as emoções.
- Automotivação: capacidade de motivar a si mesmo.
- Empatia: capacidade de saber se colocar no lugar do outro.
- Relacionamento interpessoal: capacidade de saber lidar consigo e com o outro.
Consciente da importância dos pilares que alicerçam a inteligência emocional, cabe lembrar que a vivência deles na vida cotidiana contribui positivamente na vida pessoal e profissional, pois auxilia na melhoria da autoestima, das relações intra e interpessoais, do equilíbrio emocional, do comprometimento e da responsabilidade com aquilo que assume e da empatia com o próximo.
Diante dos argumentos postos até aqui, é notória a importância do desenvolvimento da inteligência emocional. Então, por que ainda nem todas as escolas conseguem implementá-la na sua estrutura curricular? Seria possível professores e alunos aprenderem? Como?
Para que os alunos aprendam a identificar e gerir as emoções, é preciso, primeiramente, que os docentes já tenham esse domínio. O professor precisa estar aberto para as novas aprendizagens, bem como consciente do seu fazer no que tange a expressar e gerir os seus sentimentos e suas emoções, pois o seu conhecimento, exemplo e partilha são fundamentais para que os alunos também aprendam. Apenas falar, e não ser e fazer, não gera confiança e aprendizagem efetiva.
O princípio da educação emocional é simples. Deve-se ensinar ao indivíduo o senso de respeito, de importância e de responsabilidade. Não apenas falando ou impondo responsabilidades, mas compartilhando-as com ele. E isso é possível de se conseguir através de: atividades em equipes, trabalhando e igualmente mantendo a equipe viva, enfatizando pontos essenciais como motivação, controle das emoções (frustrações) e até mesmo premiações (Emocional, 2009).
O professor tem papel fundamental no desenvolvimento da educação emocional. Sua função é observar e compreender tudo o que acontece em sala de aula, é saber mediar a construção do conhecimento, estimulando a vivência pessoal, a reflexão e as diversas formas de aprender, com a convicção de que a escola é o lugar de aprender para além dos conteúdos programáticos, ou seja, é o lugar de aprender, também, a se autoconhecer, a se autorregular e a manter relações saudáveis consigo mesmo e com o outro, sendo empático, tolerante, compassivo e resiliente, pois a formação de um cidadão não se dá apenas pelo aspecto cognitivo, mas pelo emocional, social, psicológico e afetivo.
Sobre isso, Silva (2012) complementa dizendo que:
A passagem de uma concepção do professor de uma perspectiva intelectual para uma perspectiva afetiva evidencia a necessidade de uma restauração da afetividade no domínio escolar, ou seja, na relação humana, inclusive na relação professor-aluno, não há como separar mais a razão dos sentimentos e das emoções (SILVA, 2012, p. 6).
Diante dessa realidade, pode-se dizer que a educação emocional precisa adentrar os muros escolares a fim de somar cognição e emoção, multiplicar os saberes docentes e as relações saudáveis, subtrair a repetição e a incompreensão e dividir responsabilidades no que tange à formação de cidadãos conscientes, capazes de enfrentar os desafios e solucionar os problemas.
A educação emocional propõe para a escola o papel de espaço educacional multiplicador de pessoas que pensam, de seres que tenham qualidade de vida e saibam gerenciar os pensamentos, que reflitam antes de reagir, que sejam capazes de se colocar no lugar dos outros; enfim, de pessoas que valorizem a vida e que compreendam, expressem e avaliem suas emoções, identificando-as e controlando-as a fim de solucionarem problemas e conflitos surgidos nas mais variadas situações cotidianas da vida, seja no ambiente familiar ou escolar, na comunidade e no trabalho (SILVA, 2012, p. 10).
Nesse contexto, conta-se com o professor como mola propulsora no processo de construção e efetivação da educação emocional, e ele precisa aprender a reconhecer e a gerir as suas próprias emoções a fim de desenvolver sua sensibilidade e interagir de maneira equilibrada com os seus alunos, sendo referência para eles no que diz respeito às atitudes, aos sentimentos e às emoções, estimulando-os a enfrentarem os desafios da vida com equilíbrio e habilidade emocional, mostrando inspiração no pensar, no agir e no sentir.
“O professor medíocre conta. O professor comum explica.
O bom professor mostra. O professor excelente inspira.”
Willian A. Ward
Referências
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
GODINHO, Sheila Santos. O papel do educador no desenvolvimento da inteligência emocional das crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental, 2010. Disponível em: https://www.webartigos.com/artigos/o-papel-do-educador-no-desenvolvimento-da-inteligencia-emocional-das-criancas-das-series-iniciais-do-ensino-fundamental/30879/. Acesso em: 21 jul. 2019.
Guia de estudos e estratégias. Emocional. Disponível em: http://www.cdic.com.br/emocio.htm . Acesso em: 07 dez. 2009.
MAYER, J. D.; SALOVEY, P.; e CARUSO, D. R. Emotional IQ test [CD ROM]. Needham, MA: Virtual Knowledge, 1997.
SILVA, Gildélia Alencar da. A educação emocional e o preparo do profissional docente. Fundação Vicente de Cairu, 2012. Disponível em: https://www.cairu.br/revista/arquivos/artigos/2012_2/1_EDUCACAO_EMOCIONAL_PREPARO_PROFISSIONAL_DOCENTE_Gidelia_Silva_p_5_15.pdf. Acesso em: 22 jul. 2019.
Kelly Simões Cartaxo Lima Costa é pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Tecnologia Educacional, Mestre e doutoranda em Ciências da Educação.